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4.1 DOS RISCOS POTENCIAIS

4.2.1 Engenharia Genética e a Dignidade Humana

Por todo o exposto neste trabalho, é evidente que há um contrassenso a respeito da engenharia genética e suas implicações éticas e jurídicas. Há quem defenda que a engenharia genética, além de apresentar a cura para muitos dos males, doenças, que afligem o ser humano, também poderá acarretar uma série de riscos negativos a estes. Nesse sentido, Oliveira (1995 apud OLIVEIRA, 2001, p. 120) reflete:

a engenharia genética, enquanto conjunto de técnicas específicas que podem manipular o DNA e modificar o código da linguagem da vida, se impõe com poderes mágicos e sedutores. Traz sonhos e pesadelos. É condenada e cultuada, acrítica e apaixonadamente, por tudo que acena de assustador e de fascinante. Pode prever, prevenir e curar doenças, mas também pode gerar monstros! Graças a isso é mitificada e mistificada.

Por outro lado, é de conhecimento público é notório também que as pesquisas, experimentações em seres humanos tornaram-se imprescindíveis e necessárias em diversas fases do processo da identificação de procedimentos de tratamentos e diagnósticos. No entanto, é considerado um assunto de muita complexidade e perplexidade, uma vez que ao mesmo tempo em que os profissionais habilitados da área da saúde e da ciência são responsáveis por promover o bem-estar das pessoas podem, voluntária ou involuntariamente, causar complicações, doenças e até mesmo a morte de um indivíduo, considerando, por

exemplo, que algumas terapêuticas aplicadas em humanos são apenas testadas em animais. (OLIVEIRA, 2001)

Esta preocupação em obter a cura dos seres humanos é uma constante na história da medicina, assim como a preocupação com os danos, riscos, que a própria “cura” pode vir a gerar. Nesse contexto, lembra Oliveira (2001, p. 122):

a história da medicina evidencia que é antiga a preocupação de que a "a arte de curar" não cause danos e que os benefícios (devolução e manutenção da saúde) constituam o objetivo da prática terapêutica, entretanto hoje, são de domínio público as provas de que durante a Segunda Guerra alguns países, dentre eles a Alemanha e o Japão, realizaram experiências antiéticas em prisioneiros de Guerra. O livro "Anatomia humana topográfica aplicada”, do médico austríaco Eduard Pemkopf (1943), considerado a bíblia dos cirurgiões, contém fotos de judeus assassinados nas prisões e em campos de concentração nazista O Conselho Americano de Pesquisa denunciou, no inicio de 1996, que os EUA realizaram experiências radiotivas com o iodo 131 e 121 em humanos no Alasca, entre 1955 e 1957, sem que as pessoas pesquisadas soubessem disso.

Há tantos outros exemplos e acontecimentos que poderiam ser lembrados e mencionados neste trabalho, no entanto, não são indispensáveis e imprescindíveis para a compreensão adequada do problema em questão.

Nessa esteira, Casabona (1999, apud OLIVEIRA; HAMMERSCHMIDT, [2007?]) entende:

[...] toda e qualquer manipulação genética, com fins de investigação médica ou mesmo terapêutica exige uma profunda reflexão sobre a identificação de possíveis novos direitos humanos, individuais e, talvez coletivos (sobretudo referentes à espécie humana), e, a partir daí debater quais ações deveriam ser permitidas, limitadas ou proibidas para garantir uma adequada proteção destes direitos 'novos'. O chamado 'direito de herdar um patrimônio genético inalterado' poderia ser um ponto de partida.

Nesse cenário dos avanços da biotecnologia, especialmente da área da manipulação genética e suas técnicas de engenharia genética, nos últimos anos, diversos profissionais como doutrinadores, juristas, cientistas, filósofos baseados na Constituição Federal de 1988, deram ensejo a um intenso debate acerca da engenharia genética e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, especificamente vedando e condenando toda e qualquer prática que lhe for contrária. (CARNEIRO, 2015)

Segundo Clemente (2004): “a engenharia genética é a tecnologia utilizada para modificar o material genético de células ou organismos com objetivo de fazê-lo capaz de produzir novas substâncias ou realizar funções. Inclusive, a engenharia genética é um dos setores da biotecnologia que mais avança nos últimos tempos”.

Carneiro (2015) afirma:

O conjunto de normas jurídicas aplicadas à engenharia genética cujo objetivo incide sobre a proteção à vida funda-se no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Assim, toda discussão ético-jurídica sobre a viabilidade das pesquisas e

manipulações genéticas, bem como a elaboração de novas leis acerca do tema devem se pautar na dignidade humana e na proteção à vida.

Pois bem. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana encontra-se assentado no artigo 1º, III, da Constituição da República de 1988, considerado àquele fundamento primordial da atividade do Estado Democrático de Direito. Não obstante, o artigo 3º, inciso IV, dispõe que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é promover o bem de todos, e, por fim, garante a todas as pessoas a inviolabilidade do direito à vida, conforme o disposto no artigo 5º, caput, uma vez que é considerado também um direito fundamental. (BRASIL, 1988)

Desse modo, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana aplicado em conjunto com o Princípio da Inviolabilidade do Direito à Vida, ambos assentados na Constituição Federal de 1988, asseveram a proteção jurídica da dignidade humana face aos progressos das pesquisas científicas. Seria inadmissível qualquer preceito legal no sentido de legalizar a prática indiscriminada de pesquisas e manipulação genética.

Para efetiva proteção da dignidade humana, Diniz (2006, p. 280) explica:

[...] para o controle das atividades voltadas à engenharia genética, além dos Comitês de Bioética, imprescindível é a criação não só de instituições que supervisionem o emprego de tais técnicas, concedendo ou suspendendo licença para sua implantação conforme o risco apresentado, pois não podem vulnerar bens valiosos para a comunidade, mas também de normas destinadas à proteção jurídica de gametas e embriões humanos, penalizando-se os desvios não desejáveis, bem como sua comercialização, e ao reconhecimento do direito de todo ser humano de ter um patrimônio genético não manipulado artificialmente, preservando sua vida privada e dignidade (Constituição da República, arts. 1º, III, e 5º, caput). Somente assim, poder-se-á proteger o ser humano dos perigos potenciais da manipulação genética e da experimentação, ou seja, de técnicas de engenharia genética que caiam sobre o DNA humano, compreendendo tanto a análise molecular do genoma quanto à utilização de genes humanos e a manipulação de células humanas, de substâncias embrionárias ou de seres humanos.

Nesse contexto, a respeito dos progressos da ciência diante da dignidade da pessoa humana, Carneiro (2015) assevera:

O discurso da liberdade de pesquisa e o progresso da ciência acabam por instituir na sociedade o desejo de uma espécie perfeita e a busca por seres humanos selecionados, por isso, faz-se necessário impor limites à engenharia genética, frear os avanços que violam a dignidade humana quando tais avanços se apresentarem como verdadeiras práticas de eugenia. O que se repele é o abuso das pesquisas e manipulações genéticas, onde se demonstra claramente a sobreposição dos interesses econômicos, discriminatórios, gerando verdadeiras práticas de atividade eugênica. Daí a importancia de se criar limites ético-jurídicos que podem ser criados, estruturados dentro do fundamento da dignidade humana, para as práticas de pesquisas e manipulação genética de modo que possam proteger o ser humano dos abusos e ao mesmo tempo promover a saúde e o bem estar da sociedade.

A sociedade deve se manter atenta a respeito do avanço do desenvolvimento científico através de pesquisas e manipulação genética, especialmente da engenharia genética,

a fim de sempre buscar a otimização de uma ferramenta ético-jurídica que seja estruturada com fundamento na dignidade da pessoa humana, com objetivo de frear as práticas abusivas desta nova revolução tecnológica, principalmente quando demonstrada à sobreposição de interesses econômicos e discriminatórios, resultando em práticas verdadeiras de atividade eugênica. (CARNEIRO, 2015)

Não obstante, a referida autora faz uma importante reflexão:

É preciso repudiar o conhecimento cientifico que estimule praticas de eugenia e discrimine os portadores de um patrimônio genético diferente ao de uma classe desejada pela ditadura cientifica para produção de seres humanos selecionados e perfeitos. Por certo que deve ser analisado o caso concreto, para que a engenharia genética, como ciência da vida, caminhe junto ao principio da dignidade humanidade. (Ibid.)

Assim, ainda que a engenharia genética aparentemente interfira na vida do ser humano de maneira positiva, não há como negar uma repercussão negativa, isto é, potencial negativo advindo do conhecimento adquirido por meio daquela. Logo, a liberdade de pesquisa assegurada pela Constituição Federal de 1988 não deve ser considerada como uma norma plena, irrestrita e absoluta. É indispensável que haja um ponto de equilíbrio pautado no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, este considerado valor estruturante do Estado Democrático de Direito. (Ibid.)