• Nenhum resultado encontrado

Fonte: FREITAS, Nacelice Barbosa. 2009.

A viagem data do período anterior à independência do que denominam de “florescente império”, no relatório, com nítidas posições deterministas, o sertão é colocado como o lugar do atraso, pobreza e aridez, o litoral associado à umidade, riqueza e progresso. Sertão representativo da “aridez das matas ressecadas, sem folhas, (...) região, esturrada pela seca, antolhava-se-nos como miragem horrível, de morte lenta.” Alcançaram o porto de São Félix no rio Paraguaçu, na Vila de Cachoeira, lugar onde respiraram “desafogados numa aprazível região descampada, (...) cujo cultivo e população sempre crescentes já anunciavam a proximidade de uma grande cidade”. (SPIX e MARTIUS, 1938, p. 139, 142 e 147).

De Cachoeira partiram pela estrada de Capoeiraçu, seguindo em direção a Jacobina e ao Piauí. Passando por Feira de Santana, percorre o sertão da Bahia, até Juazeiro, atravessa “catingas requeimadas, [numa] demorada marcha por esse sertão deserto e tão árido (...)”. (SPIX e MARTIUS, 1938, p. 220).

Nesse monótono cenário, pusemo-nos a caminho (...) viajado cinco léguas e meia até o Arraial da Feira de Sant’Ana.

Os moradores deste mísero povoado já nos mostravam o tipo perfeito do sertanejo.

(...) Duas léguas a noroeste de Feira de Sant’Ana, encontramos o pequeno Arraial de São José, abandonado por quase todos os habitantes, por causa da falta de água (...). (SPIX e MARTIUS, 1938, p. 222).

A narrativa desvenda o cenário da Colônia antes do processo de independência, mostrando a desigualdade social, política e econômica inscrita no espaço. O desenvolvimento das forças produtivas, nesse contexto, impõe a submissão ao clima, aos revezes da Natureza. Eis a comprovação da existência de fatores que colaboraram para a origem da depreciação do sertão em relação ao litoral; momentos de produção do espaço impressos por argutos observadores que concederam importante contribuição para o entendimento da dualidade/desigualdade entre os dois espaços. Sedimentar esta visão no atual contexto histórico, demonstra que passado-presente se interpõe para compor a realidade, o desigual combinado escamoteado na leitura da aparência.

É inegável a contribuição científica destes pesquisadores para ter-se hoje a leitura do objeto de análise. A narrativa sobre os locais visitados está repleta de detalhes possíveis para os que sabem expressar e revelar cada minúcia diante dos olhos: íris aguçadas capazes de colocar o espetáculo da Natureza – sertão/litoral – diante de um espelho, onde a imagem refletida é o outro e não a si mesma. Elaboraram uma espécie de relatório guardando, preservando e conservando passado-presente para a certeza do porvir.

Nas beiras litorâneas as matas: matas que serviam de abrigo e obstáculo. Descrevendo-as sobre estas áreas Abreu (1960, p. 88) afirmava que:

A mata do recôncavo, a partir da margem direita do Paraguaçu, é contínua com a que se estende até além do Capricórnio pela fralda oriental da serra do Mar. Da ponta de Santo Antônio, um dos extremos do recôncavo, até o rio de São Francisco a mata aparece em manchas consideráveis, capões, ilhas mais ou menos extensas,

engasgadas nos campos e caatingas, antes denominadas que denominantes. Por aqui de preferência se estabeleceu o povoamento, depois de repleto o recôncavo.

O autor detalha cada localidade, descreve como se estivesse diante de uma obra de arte, mapeando cada lugar. No seu texto, rememora trechos de uma carta de Teodoro Sampaio, escrita em 31 de agosto de 1899, quando ainda nesse período ele expõe os perigos das matas virgens e das caatingas. Se a mata fechada escondia as regiões sota-vento, embargava, servia de barreira, a caatinga do sertão assustava pelo desnudar de suas folhas em período de estiagens, multiplicando caminhos sem nomes, início ou fim.

Se o perigo da mata virgem é a solidão ser veredas sem saídas (...) o terror da caatinga é o desnorteamento infalível pela multiplicidade dela. O bruto com o seu instinto rasga horizontes sem vacilar; o homem, porém, que de uma vez penetrou na caatinga e lhe falhou a memória na escolha da vereda, é uma vítima que só um milagre o salvará. (SAMPAIO, 1899. In: ABREU, 1960, p. 89).

Para salvaguardar-se, os “homens” usavam o recurso dos “brutos”, conquanto o mato ralo que permitia ampliar a visão do horizonte e do céu e por seus astros serem guiados. O além Paraguaçu fora assim descrito e conquistado gradativamente chegando-se ao sertão das terras de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. O território do sertão antes considerado “vazio” da economia de mercado, e amorfo para o capital, amplia-se no ritmo da velocidade dos fluídos em nascentes fluviais; no início é apenas um fio d’água, mas percorre os declives do terreno recebe o alimento que nutre e sustém a multiplicação deste líquido, se estende e dilata, como que obedecendo a necessidade da produção do capital: o rio Paraguaçu. (FOTO 2).

Rio de genuinidade baiana, representação de que o sertão pode ser/virar mar. As nascentes diamantíferas – em Morro do Ouro, na Serra do Cocal em Barra da Estiva – colhem as águas que se avolumam e promovem, nas proximidades da sua foz, a leveza da navegação que expande litoral e sertão.

A sua extensão saciava a sede dos que desejavam ampliar os territórios do processo colonizador, e atualmente, o acervo arquitetônico guardado nas margens, testemunham a importância histórico-geográfica para formação territorial da Bahia. Surpreende a pouca importância conferida a Baía de Iguape, as cidades localizadas

nas margens e proximidades da foz, uma vez que, são registros da importância no passado-presente. (FOTO 2).

Paraguaçu que se abre a umedecer o sertão, molhar terras secas, contribuindo para a reprodução da vida através do cultivo em suas margens; águas que explodem em cachoeira, e sobressaem no ponto de união entre os espaços diferenciados, materializando a totalidade dialética: sertão, Recôncavo/litoral.

Documentos relacionados