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Logo após se conhecerem, Capitão e Donzela se cumprimentam com um aperto firme de mão, como podemos observar na imagem abaixo:

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Print do DVD Donzela Guerreira (19min4s)

Este gesto pode gerar diversos significados no contexto do espetáculo. “Mão e aperto de mão são símbolos do Direito. Estender a direita era sinal de concordância já na

Antiguidade, bem como em S. Agostinho: signum concordiae. As mãos desempenham

um papel especial na linguagem dos Gestos” (LURKER, 2003, p. 417). Em uma análise mais imediata, o aperto de mão entre a Donzela e o Capitão exprime a aceitação do acordo de guerra, a assinatura de uma aliança, de um pacto entre ambos. Entretanto, a mão é também símbolo de poder. “A mão exprime as ideias de atividade, ao mesmo tempo que as de poder e de dominação. (...) A mesma palavra em hebreu, iad, significa ao mesmo tempo mão e poder.” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2015, p. 589). Esse mesmo sentido de poder associado às mãos pode ser encontrado em Cirlot (2005): “Para o pensamento bérbere, a mão significa proteção, autoridade, poder e força. Entre os romanos, o mesmo” (CIRLOT, 2005, p. 371). Todas essas significações relacionadas à mão podem ser associadas ao contexto do espetáculo Donzela Guerreira. Ao unirem as suas mãos, Donzela e Capitão unem as suas forças, ou seja, o seu poderio bélico. A significação de proteção, destacada por Cirlot (2005), também está presente em Donzela Guerreira, visto que ao acordarem um lutar ao lado do outro, fica implícita a ideia de amparo mútuo. Para este autor:

O repetido emblema das ‘mãos enlaçadas’ expressa a união frente ao perigo, a fraternidade viril. Na opinião de Jung, a mão possui significação geradora. A distinção entre a mão direita e a esquerda é pouco frequente, mas, ao que parece, somente enriquece o símbolo com o sentido adicional, derivado do simbolismo espacial; o lado direito corresponde ao racional, consciente, lógico e viril. O esquerdo, ao contrário. Em algumas imagens da alquimia aparecem o rei e a rainha unidos pelo enlace de suas mãos esquerdas. Segundo Jung, isto pode referir-se ao caráter inconsciente da ligação, mas também pode ser indicação do afetivo ou do suspeitável (CIRLOT, 2005, p. 371-372).

128 A partir dessas significações apresentadas por Cirlot (2005) no trecho acima, pode-se compreender que o aperto de mão entre a Donzela/Soldado e o Capitão pode significar: a união de seus poderes bélicos; um laço de proteção existente entre eles; assim como o início de uma aproximação, visto que a mão é, muitas vezes, associada às características do olho (as mãos veem), podendo-se entender que é a partir do aperto de mão que Donzela e Soldado se conhecem mais intimamente. “É uma interpretação que a psicanálise reteve, considerando que a mão que aparece nos sonhos é equivalente ao olho.

Daí o belo título: O cego com dedos de luz” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2015, p.

592).

Outro significado associado à mão é o de comunhão entre os princípios feminino e masculino, ideia presente no espetáculo Donzela Guerreira. “A mão é como uma síntese, exclusivamente humana, do masculino e do feminino; ela é passiva naquilo que contém; ativa no que segura” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2015, p. 592). Olhando por esse prisma, podemos entender o aperto de mão entre a Donzela e o Capitão, como uma fluidez dos princípios femininos e masculinos presentes em ambos.

Após esse aperto de mão, as personagens assumem uma postura de alerta e, percebendo a aproximação de uma tropa inimiga, montam em cavalos imaginários e assumem uma corporeidade que modeliza as ações de cavalgada e de luta em uma guerra. Aqui surge um símbolo de grande força dentro do espetáculo: o cavalo. Este não aparece palpavelmente, mas o espectador entra em contato com a sua presença através da movimentação corporal dos atores. O cavalo tem uma intensa ligação com o enredo da dança dramática Cavalo Marinho, a qual recebe esse nome herdado de uma das principais figuras que o compõe, que é o Capitão Marinho, também chamado de Capitão dos Cavalos, que entra em cena, após o momento dos Arcos, montado em um cavalo. Por isso, essa figura é também chamada de “Cavalo Marinho”, nome que é dado à brincadeira. No CavaloMarinho, a figura do cavalo é representada por bonecos que expõem parte do

corpo do figureiro47, formando uma imagem de um homem montado em um cavalo, como

podemos observar na imagem abaixo:

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Print do vídeo Cavalo Marinho Estrela de Ouro (1h16min59s)

Em Donzela Guerreira, é a movimentação cênica da atriz Juliana Pardo e do ator Alício Amaral que modelizam esse animal, o que é possível perceber na seguinte imagem:

Print do DVD Donzela Guerreira (22min19s)

Tais movimentos que o elenco executa modelizando os cavalos são compostos de trupés, que são pisadas fortes que acentuam a célula rítmica da brincadeira. No espetáculo, tais passos são ressignificados, apresentando-se de tal forma que favorecem a criação do sentido de um contexto de batalha. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2015), o cavalo traz em si uma conotação relacionada à guerra. Para eles: “(...) o cavalo nasce de uma união ctonouraniana, e traz em si a violência. E assim, nesse mecanismo ascensional que (...) não o separa de suas origens, o cavalo se torna pouco a pouco símbolo

130 guerreiro e, até mesmo, animal de guerra por excelência” (CHERVALIER e GHEERBRANT, 2015, p. 210-211).

Esse simbolismo do cavalo associado à Guerra está presente, segundo os autores acima citados, em diversas culturas. Em Roma, uma vez ao ano, cavalos eram sacrificados e consagrados a Marte (deus da Guerra). Vê-los, portanto, significava presságio de guerra. Nas epopeias célticas, o cavalo como símbolo guerreiro aparece constantemente. No livro do Apocalipse aparece um cavalo anunciador de guerra e de derramamento de sangue. “Também São Jorge, como guerreiro terreno do bem, monta um cavalo branco” (LURKER, 2003, p. 123). Dessa forma, em diversas culturas, o cavalo simboliza vigor, velocidade, poder e resistência. Estas são, justamente, características associadas à personagem da Donzela, que luta com muita destreza e bravura nas batalhas junto ao Capitão, no intuito de vingar a morte de seu pai.

Observa-se que nas cenas representativas de batalhas, a personagem da Donzela sempre vai à frente do Capitão. Embora este tenha uma patente superior àquela, é a Donzela quem o lidera, é ela quem demonstra mais valentia e é quem sempre primeiro percebe quando as tropas inimigas se aproximam, demonstrando, dessa forma, uma personalidade perspicaz, corajosa, astuta e forte.

Em seguida, após concluírem essa batalha, as personagens começam um jogo de luta, usando vários passos do Cavalo Marinho. A Donzela imita o Boi, figura típica do

Cavalo Marinho, que morre e retorna à vida nessa dança dramática, como podemos comparar através das imagens abaixo:

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Print do Vídeo Cavalo Marinho Estrela de Ouro (2h11min33s)

De acordo com o Chevalier e Gheerbrant, o boi simboliza força e coragem: “a figura do boi marca a força e a potência (...), ao passo que os chifres simbolizam a força conservadora e invencível” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2015, p. 138). E são essas, justamente, as características assumidas pela personagem da Donzela, que em vários momentos do espetáculo é associada à figura do Boi, devido à postura corporal que assume.

No meio do jogo, onde as personagens executam passos do Cavalo Marinho, como o mergulhão e a tesoura, a Donzela derruba o chapéu do Capitão, o que é um símbolo da vitória daquela. O chapéu tem como função cobrir a cabeça do chefe e simboliza o seu pensamento. “O papel desempenhado pelo chapéu parece corresponder ao da coroa, signo do poder, da soberania...” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009, p. 232). Cirlot (2015) também associa o chapéu ao poder, especificamente, ao poder do senhor da guerra. Segundo ele, esse adereço simboliza o que ocupa a função de “cabeça”, de líder. “Tomar um chapéu corresponde a uma posição, expressa o desejo de participar desta ou entrar na posse das qualidades que lhe são inerentes. Alguns chapéus têm um significado fálico especial, como o barrete frígio, ou possuem a propriedade de tornar invisível, símbolo de repressão” (CIRLOT, 2005, p. 157).

Dessa forma, ao derrubar o chapéu do Capitão, simbolicamente, a Donzela retira dele o seu poder de comando e o toma para si. E, de fato, embora oficialmente o Capitão tenha o poder de liderança, é a Donzela quem tem a voz mais ativa e de comando. Ao perder o chapéu para o seu soldado, o Capitão sente-se desafiado. Este, entretanto, devido ao seu temperamento dócil, não leva a afronta tão a sério. É a partir de então que ambas

132 as personagens começam um jogo verbal, no qual cada um tenta provar para o outro ter uma maior bravura. Tal competição acontece na próxima cena.