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De acordo com Cambourne et al. (2004), nos últimos anos da década de 1990, houve um interesse sem procedentes no desenvolvimento do enoturismo na maioria das regiões vinícolas do mundo. Com certeza, grande parte do crescimento da indústria vinícola, em particular no Novo Mundo, pode ser atribuída ao desenvolvimento do enoturismo.

Na Europa, onde há séculos o vinho é produzido, há relatos de visitas às regiões vitivinícolas já nos tempos da Grécia e Roma antigas (HALL et al., 2004a, p. 2). Durante o Grand Tour16 surgiram roteiros para regiões onde o vinho era produzido. Entretanto, o enoturismo como viagem de interesse específico só surge depois da metade do século 19, paralelamente à revolução nos meios de transporte, sobretudo, o ferroviário.

Segundo os mesmos autores, um marco na evolução do enoturismo foi a publicação, em 1855, da “Classificação dos Vinhos de Gironde”, que, pela primeira vez, criou uma identidade para as diferentes regiões produtoras de vinho de Bourdeaux. Essa classificação deu origem ao sistema de controle de procedência dos vinhos que até hoje existe na França, como uma garantia de qualidade e das características regionais dos vinhos produzidos em diversas partes do país. Todavia, mais do que isso, a publicação serviu para divulgar a região e os châteaux produtores de vinho, tornando-os atrativos turísticos.

16 Este termo teve origem na época do Renascimento Europeu (séc. XIV até o séc. XVII) por ocasião do grande

incentivo às viagens culturais. Eram propostos dois circuitos: o petit tour, Paris e Sudoeste da França, e o grand tour, compreendia também o Sul, o Sudeste e a Borgonha. Posteriormente, o Grand tour designava outras viagens pela Europa, em especial pela Itália (YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2002).

Já na Alemanha, as estradas do vinho existem desde 1920 e, ao final da década de 1970, quase todas as regiões produtoras de vinhos constituíam Weinstraβen17(JOHNSON, 1998 apud HALL et al., 2004a, p. 2).

Porém, segundo Cambourne et al. (2004), o enoturismo, tal qual acontece nos dias atuais, é um fenômeno ainda emergente. Num primeiro momento, os destinos enoturísticos não eram vendidos como um produto; nas vinícolas não havia estruturas específicas para a recepção de visitantes, como os varejos e salas de degustação comuns nos dias atuais.

Mallon (1996 apud CAMBOURNE et al., 2004) atribui ao declínio das condições de vida nas propriedades rurais da França, na década de 1980, o incentivo ao enoturismo como uma alternativa encontrada pelos vinicultores para vender sua produção de forma direta aos turistas e valorizar sua atividade econômica por intermédio do turismo. De acordo com Cambourne et al. (2004), hoje a França conta com inúmeras rotas que ligam regiões produtoras do vinho.

Apesar de há séculos produzir vinhos de qualidade, até 1993, na Itália não existia sequer a palavra enoturismo. Era apenas uma forma de excursionismo quase desconhecida na Itália. Na atualidade, esse país constitui um dos mais importantes destinos enoturísticos europeus. A idéia do enoturismo nasceu a partir de iniciativas de Donatella Cinelli Colombini e do Movimento Turismo do Vinho - MTV criado por ela. Esse movimento conscientizou os produtores vinícolas que as visitas às suas cantinas eram fundamentais para a recuperação do ambiente e tradições rurais, para incrementar a cultura do vinho e dar perspectivas de desenvolvimento às empresas e a todo o território (CHIARI, 2000).

Por meio do Movimento Turismo do Vinho incrementou-se o fluxo de enoturistas, chegando-se à marca atual de 5 milhões de visitantes em toda a Itália. Para Chiari (2000), o enoturismo é o motor mais eficiente para mover o fluxo de visitantes rumo a uma região vinícola, graças ao mix de seus principais elementos: cultura, paisagens, vinho, gastronomia, arte, produtos agroindustriais e artesanato. Usando o slogan “veja o que você bebe”, o Movimento tinha o firme propósito de provar que áreas vinícolas poderiam ser tão atrativas quanto museus ou resorts (CAMBOURNE et al., 2004).

Outros países como Hungria e Portugal também organizaram suas rotas de enoturismo, buscando um maior desenvolvimento das regiões vitivinícolas, por meio do turismo cultural e rural.

Na Europa, em 2003, foi elaborada a Carta ao Enoturismo, em razão do potencial de desenvolvimento e da importância da atividade turística para seus países. A Assemblia das Regiões Viticolas - ARV da Europa potencializou as diferenciações regionais com vocação enoturística, oferecendo diferentes opções aos turistas. Em toda Europa, o enoturismo tem sido visto como uma alternativa à atividade vitivinícola, uma vez que os vinhos provenientes de países tradicionais como a Itália e a França têm perdido espaço no mercado mundial para vinhos do Novo Mundo, como Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia e Chile. Além disso, constitui uma alternativa para vincular a imagem do vinho aos lugares onde é produzido.

No chamado Novo Mundo da vitivinicultura (JOHNSON, 1999, p. 504), o enoturismo tem se desenvolvido em regiões como a Califórnia, nos Estados Unidos, a Austrália e a Nova Zelândia. Para Hall et al. (2004a), o enoturismo desempenhou um papel-chave para que os viticultores superassem o ceticismo sobre a qualidade dos vinhos produzidos fora das regiões tradicionais do Velho Mundo, como França, por exemplo.

Na América Latina, regiões produtoras do Chile e da Argentina têm se destacado como destinos enoturísticos. O Brasil não figura nos estudos internacionais sobre enoturismo em virtude da incipiência do fenômeno em suas regiões produtoras e também por apresentar números pouco significativos como produtor de vinhos no âmbito mundial. Segundo dados da Organisation Internationale de la Vigne et du Vin - OIV18, a Argentina, em 2005, ocupava a sétima posição e o Chile, a nona, dos maiores produtores mundiais de uvas. O Brasil não aparece no ranking dos maiores produtores.

Na Argentina, o desenvolvimento da indústria vinícola está ligado ao desenvolvimento do enoturismo. Bodegas de Argentina, a principal entidade empresarial do setor vinícola, congregando mais de 140 empresas, formou a Comissão Nacional de Turismo del Vino, com o intuito de fomentar o desenvolvimento do enoturismo como forma de posicionar a imagem dos vinhos argentinos no mundo todo19.

Desde 1998, quando apenas algumas vinícolas recebiam visitantes, registra-se um aumento de 70% no número de turistas. Em 2004, 123 vinícolas Argentinas estavam aptas a receber visitas, 11 já contavam com hotéis para alojar os turistas e mais de 50 organizavam almoços e jantares com reserva prévia. Em Mendoza, as principais empresas vitivinícolas recebem, por ano, em torno de 200 mil turistas e, em todas as regiões produtoras de vinhos

18 Organização Internacional da Uva e do Vinho.

19 Disponível em: <http://www.argentinaahora.com/extranjeroespaniol/bot_servicios/infoutil/infonews _

argentinas existem iniciativas para melhorias de infra-estrutura das vinícolas, projetando um incremento na demanda pelo enoturismo no país.

No Chile, segundo dados do Servicio Nacional de Turismo - Sernatur20, existem 96

vinícolas abertas ao público. Durante o ano de 2005, foram registradas mais de 237 mil visitas a vinícolas chilenas; 67% dos turistas eram estrangeiros, provenientes dos Estados Unidos, Brasil, Inglaterra, Alemanha, Espanha, França e Argentina. Quanto ao que as vinícolas oferecem aos turistas, 15% possuem restaurantes e 11% oferecem serviços de hospedagem. Uma das tendências é de que as vinícolas se tornem centros enoturísticos integrais, diversificando as opções de lazer, hospedagem e gastronomia, com o intuito de fortalecer a imagem da vinícola com a marca de seus produtos. O produto enoturístico chileno tem evoluído de maneira significativa, oferecendo um produto turístico muito diferente daquele da década de 1990. As vinícolas têm uma maior preocupação em implementar programas turísticos, em parceria com as entidades turísticas chilenas.

A Austrália destaca-se entre os países que incentivam o enoturismo. Grande parte de seus Estados instituíram órgãos para coordenar e maximizar o desenvolvimento do enoturismo. Assim, foi criada uma estrutura organizacional que facilita a implantação e consolidação do enoturismo. Exemplo disso, é que em 1997, o Office of National Tourism21 desenvolveu, em parceira com a Winemakers Federation of Austrália22, um programa para desenvolver uma estratégia nacional para o enoturismo (MACIONIS; CAMBOURNE, 2004).

De acordo com Locks e Tonini (2005), na Austrália, as vinícolas oferecem além de tours, os chamados cellardoors, onde realizam as degustações e comercializam os produtos diretamente aos visitantes. Algumas vinícolas oferecem como atrativos restaurantes com vista para os vinhedos. As vinícolas também costumam promover eventos como concertos, podendo atrair 50 mil pessoas em um único fim de semana.

Segundo uma pesquisa realizada por Hall e Johnson (1998 apud LOCKS; TONINI, 2005), o número de visitantes em todas as vinícolas australianas estava estimado em 3 milhões e os principais motivos para as visitações são a degustação e a compra de vinhos.

Nos Estados Unidos, a principal região enoturística é o Napa Valley, na Califórnia. É o segundo destino turístico mais visitado dessa região, ficando atrás apenas da Disneylândia (CAMBOURNE et al., 2004, p. 56).

20 Disponível em: <http://clogersconcepcion.blogspot.com/2006/07/el-enoturismo-en-chile.html>. Acesso em 10

fev. 2007. Autor indisponível.

21Escritório Nacional de Turismo. 22 Federação dos Vinicultores da Austrália.

Na maioria dos países onde é produzido vinho, o enoturismo tem se desenvolvido em diferentes ritmos e com diferentes objetivos. A China, que já conquistou a sexta posição entre os maiores produtores de vinho do mundo, no ano de 2006, começa a investir na atividade.

Um produtor de vinhos chinês, entrevistado pelo International Herald Tribune23, afirma que “Wine tourism is the future24”, ao mostrar ao jornalista responsável pela reportagem, sua vinícola, com varejo, sala para degustação e uma pousada em construção. Nota-se, então, que o incentivo ao desenvolvimento do enoturismo apresenta-se como uma tendência mundial, divulgando um mesmo produto, o vinho, sob diferentes nuances de culturas, paisagens, climas e histórias.

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Disponível em: <http://www.iht.com/articles/1999/10/15/trwine.2.t.php>. Acesso em: 14 jan. 2007. Autor: Jonathan Napack.

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3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES

Nesta seção, busca-se descrever as informações coletadas pelas análises documentais e bibliográficas, e pelas entrevistas e questionários. Na primeira parte, são traçados os históricos do enoturismo e da vitivinicultura no Brasil e depois, de forma específica, nas regiões do Vale dos Vinhedos e do Vale do São Francisco. Na segunda parte são descritos os resultados obtidos por meio dos questionários, em relação às motivações dos turistas e a análise comparativa das informações sobre as duas regiões, salientando suas similaridades e diferenças.