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Enquadramento a nível Regional – Ria de Aveiro

6. O IMPACTE SOCIOECONÓMICO DAS PESCAS – O CASO DA MURTOSA

6.3 Enquadramento a nível Regional – Ria de Aveiro

Como foi expresso anteriormente no Capítulo 2, a Ria de Aveiro ―é considerada uma das

maiores, mais expressivas e biologicamente mais significativas zonas húmidas litorais de Portugal‖

(DGOTDU, 2004), tendo sido classificada como Zona de Protecção Especial (código PTZPE0004) ao abrigo do Plano Sectorial Rede Natura 2000. É uma grande e vasta área lagunar que se prorroga por um conjunto de dez municípios, que vão desde Ovar, que se situa a Norte, até Mira, no Sul. A Ria de Aveiro sempre foi utilizada para o desenvolvimento de diversas actividades económicas, nomeadamente a pesca, a apanha do moliço e mesmo o transporte de pessoas e mercadorias.

A pesca artesanal origina mais de 80% dos postos de trabalho, directa ou indirectamente, em todo mundo. Por exemplo, nos estados costeiros de África, Caraíbas e Pacífico (ACP), a pesca artesanal é essencial às actividades de transformação que abastecem os mercados locais e regionais de peixe. Na África subsariana, as estatísticas da FAO mostram que a pesca artesanal assegura até 80% dos desembarques de peixe destinado ao consumo humano directo. Além disso, no caso da África do Oeste, a pesca artesanal, também, desempenha um papel importante no aumento da oferta de peixe fresco aos mercados internacionais remuneradores, como a Europa, os Estados Unidos ou a Ásia (Gorez, 2008). Pesca artesanal é aquela que se viabiliza única e exclusivamente pelo trabalho manual do pescador, sendo baseada em conhecimentos transmitidos pelos mais velhos da comunidade, ou adquiridos pela interacção com companheiros de profissão, e sempre realizada em embarcações pequenas movidas a remo ou a vela, sem instrumentos de apoio à navegação e que usa em suas operações de pesca somente a experiência e o saber adquirido pelos pescadores (Silva, 2004).

Duarte (2004) refere que na pesca local as embarcações não excedem os 9 m, não podem ultrapassar a área da capitania a que estão adstritas (mas também estão inseridas aquelas embarcações cuja actividade é efectuada nos rios, lagos ou lagoas) e não podem ir além das 6 milhas (se o convés for aberto e a potência não superior a 60 cv ou 45 kw) ou 10 milhas (se aquele for fechado e a potência não superior a 100 cv ou 75 kw).

A Ria de Aveiro e o seu espaço envolvente criam um exemplo preponderante de um ecossistema de confirmada importância ecológica. A Ria detém associada uma vasta rede de cursos de água que se distribui pelos concelhos envolventes. Este sistema complexo contribui para o facto em que estejamos perante um sistema onde as intervenções do homem, mesmo em áreas periféricas à Ria, podem gerar problemas no seu equilíbrio hidrológico e ambiental.

A sua zona lagunar ocupa cerca de 11.000 ha, tem uma extensão aproximada de 45 Km e uma largura de 8,5 Km, onde 6000 ha estão permanentemente submersos. A Ria, portanto, é detentora de uma grande variedade de riquezas, naturais, culturais, e de importante potencial socioeconómico. Constitui-se como um dos pólos de turismo da Região Centro, tendo-se confirmado no decorrer dos últimos anos dessa mesma dimensão, evidenciando-se como principais características o património ambiental e paisagístico, o património edificado e as tradições e especificidades culturais da região.

Como foi exposto no Capítulo 3, recorrendo a Alves, et al. (2001), a laguna da Ria de Aveiro expõem características particulares, quer ao nível biofísico, quer paisagístico, a sua procura como fonte de recreio e lazer tem-se vindo acentuar, sendo prova disso, as inúmeras intervenções feitas, pelos diversos municípios da envolvente da Ria, nas suas frentes ribeirinhas. Os vários cais de acostagem existentes ao longo das margens da laguna potenciam o usufruto deste recurso enquanto espaço privilegiado de lazer e recreio, sendo também por essa razão uma área particularmente interessante para investigar novas metodologias de intervenção ao nível de gestão integradas das zonas costeiras e lagunares.

Dadas as potencialidades e condições favoráveis de navegabilidade dos canais da Ria de Aveiro, estas fomentaram a criação de diversos cais de acostagem, que possuem um forte significado histórico e cultural para muitos núcleos populacionais ribeirinhos (Alves, et. al., 2001), sendo mesmo, em alguns casos, os locais de actividade de muitos trabalhadores destes núcleos. Contudo, e como foi referido anteriormente, dos 109 cais outrora em actividade ao longo das margens da Ria, actualmente apenas cerca de 30 estão em uso e/ ou têm condições para serem usados (Alves et. al 2001, in Cabarrão, 1997).

As populações dos concelhos que rodeiam a Ria de Aveiro sempre mantiveram uma forte afinidade com este ecossistema. Estas populações viviam, em meados do século XIX, muito em função daquilo que a Ria lhes concedia – a pesca, o moliço, o sal, o tráfego lagunar e mesmo a agricultura (Rancho Regional da Casa do Povo de Ílhavo – edição do Museu de Ovar, s/d; Lucci, 1918).

Segundo Moreirinhas (1998), ―Ao longo do tempo, em todo este espaço que constitui a laguna,

foram surgindo grupos organizados socialmente desde há gerações, por forma a garantirem a sua coesão e manutenção (…)‖. Dentro destes grupos destacam-se naturalmente os pescadores, os quais,

actualmente e na sua grande maioria, exercem esta actividade pois já os seus antepassados a exerciam. Esta é assim uma característica intrínseca deste grupo social e que é comum em todos os concelhos que rodeiam a Ria de Aveiro.

É referido pelo Regulamento da Ria, 1915, que apenas ―os habitantes da Murtosa são

verdadeiramente pescadores, tendo este modo de vida e conhecendo a arte – tanto os aparelhos como os hábitos, frequência, modos de captura de cada espécie, entre outros. Todos os outros habitantes ribeirinhos têm outras actividades, explorando (…) a pesca da ria como um recurso de que lançam mão, quando lhes escasseia o trabalho das suas ocupações principais, o que para todos sucede no Inverno. Há os mercantéis, os marnotos, os que se empregam no serviço de terra ou do mar das campanhas da costa, os lavradores, etc.” (Nobre, et. al., 1915: 98).

Os núcleos piscatórios lagunares da ria de Aveiro focalizam-se em toda a sua extensão, apresentando, contudo, algumas diferenças. Moreirinhas (1998: 27) distingue quatro grandes grupos:

“Os núcleos piscatórios da Torreira, S. Jacinto e Costa Nova (na Gafanha da Encarnação), onde os pescadores se dedicam “em exclusividade” à actividade piscatória, quer na laguna, quer na região costeira limítrofe;

Os núcleos piscatórios a nascente, nomeadamente na Murtosa (Cais da Béstida), em que os pescadores também exercem essa actividade em exclusivo;

Os núcleos piscatórios a sul da Costa Nova (Areão, Vagueira (na Gafanha da Boa Hora) e Mira) e a norte da Torreira, onde (…) existe a prática de uma pesca costeira tradicional.”;

Os núcleos piscatórios, também a nascente, mas da Gafanha da Encarnação, que praticam a actividade piscatória em complementaridade com outras actividades, tais como a agricultura e o trabalho em fábricas.”

Segundo a mesma autora, a Ria de Aveiro é “um meio de grande influência marinha, no que

respeita ao volume das espécies predominantes, seno a pesca condicionada pelo fluxo das marés, distribuindo-se ao longo do ano‖. As diferentes espécies são pescadas em diferentes épocas do ano:

enguias, tainhas, solhas e linguado pescam-se tanto de Inverno como de Verão, sendo as duas últimas mais abundantes no Inverno; o robalo pesca-se de Abril a Outubro, os chocos pescam-se de Março a Outubro, sendo interessante constatar que esta espécie está em crescimento na Ria (Moreirinhas, 1998: 47); o berbigão, a amêijoa e o burrié pescam-se sobretudo no Inverno e Primavera (Moreirinhas, 1998: 47).

É curioso verificar que os organismos oficiais apresentam uma visão pessimista no que diz respeito à rarefacção das espécies e ao volume destas, o que contraria a opinião dos pescadores que referem que existe muito peixe que vem do mar, havendo mesmo um ditado popular que refere que ―enquanto houver peixe no mar, também o haverá na Ria‖ (Moreirinhas, 1998). A autora refere ainda que o descrédito dos pescadores relativamente a esta informação se deve à visão de estudiosos da Ria, que desde o séc. XIX, referem que o peixe vai escassear.

A pesca na Ria de Aveiro tem sofrido alterações ao longo do tempo, no que diz respeito tanto às espécies capturadas, como às artes de pesca utilizadas (Moreirinhas, 1998). Apesar de existir legislação, muitas vezes continua-se a utilizar determinadas artes, que são proibidas, e por isso, utilizadas à fugida, sendo este tipo de “(…) comportamento assumido por gerações sucessivas” (Moreirinhas, 1998: 30).

No que diz respeito à sua organização social e económica, estas podem ter um carácter familiar ou empresarial. As de carácter familiar assumem-se como uma actividade exclusiva de um dos elementos do agregado familiar (normalmente o homem), sendo actividade complementar dos restantes (mulher e/ou filhos). As de carácter empresarial são normalmente pequenas sociedades com assalariados, sendo que cada barco tem uma tripulação de 5 ou 6 pessoas. Estes assalariados não têm, no entanto um salário fixo, uma vez que depende do volume pescado (Moreirinhas, 1998).

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