• Nenhum resultado encontrado

ENQUADRAMENTO DO FENÓMENO SÓCIO-POLÍTICO DE CABINDA

II.1. Causas e motivações do fenómeno

O mais notável de todos ensaios de Konrad Zacharias Lorenz (1903-1989)34, um dos principais responsáveis pelos estudos do comportamento animal galardoados com o Prémio Nobel, foi a plena demonstração de que o homem, tal como qualquer animal, luta por um «território exclusivo», seja para albergar a sua família, seja para concretizar os seus projectos, seja para construir o seu estado ou seja ainda, para implementar os símbolos das suas esperanças.

Konrad Lorenz (1973), de forma científica e Robert Ardrey (1966), de forma prática, evidenciaram que «o imperativo territorial é tão importante e primeiro como o imperativo de propagação da espécie» (Almeida, 1990: 190). E, sustentando-se numa das raras obras sobre a Etologia de António Marques Bessa (1978), conclui aquele autorizado Doutor, «é imperioso que o Homem aceite a sua herança e se integre no seu destino!»(Almeida, 1990: ob.cit.; idem).

Nesse «território-comunidade» de cultura, de interesses e de fins, os impulsos territoriais de cada um são potencializados pelos impulsos de todos. A um nível o Homem defende o «território de sobrevivência» no nível seguinte defende o «território familiar» onde predominam os laços afectivos, a outro nível defende o «território económico» que lhe permite controlar as fontes de bem-estar, no nível seguinte cria relações de interdependência funcional e orgânica e luta pelo «território social» e finalmente situa-se num «espaço organizado», regido por normas de conduta comummente aceites, o «território político». A qualquer dos níveis acima mencionados, a defesa da propriedade individual ou colectiva é uma característica básica. O território não só satisfaz a necessidade de identificação, como a de segurança e a de estimulação.

Com efeito, procurando sonhar e projectar o futuro, os Cabindas35 lançaram-se desde muito cedo, à conquista político-militar duma «sede geográfica exclusiva» –, com expressão política significativa nas «escolhas voluntárias» que fizeram na véspera da Conferência de

34 Konrad Zacharias Lorenz, biólogo austríaco, Prémio Nobel da Fisiologia e da Medicina em 1973. 35 Termo de utilização comum na documentação oficial, por Cabindas, entende-se os naturais do Enclave, territorial e dominantemente definido aquando da partilha de África no séc. XIX.

Berlim e da partilha de África (15NOV1884 e 26FEV1885) –, para cimentar a sua cultura, os seus hábitos, a sua tradição e atitudes, para concretizar os projectos que os distinguem dos restantes agregados sociológicos e para construir uma morada onde possam ser quem são (Bragança, 2001: 12-13).

De uma forma talvez mais sólida, durante as lutas intestinais que contribuíram para a derrocada do antigo e complexo Reino do Kongo no século XIX (Setas, 2007: 21-22), a conquista dos cabindeses culminou, num primeiro nível, com a disjunção geográfica dos «reinos» de Kakongo, Loango e N’Goyo, três pequenos feudatários do então gigantesco e poderoso Reino do Kongo. No nível seguinte, foram celebrados, no séc. XIX, dois primeiros regimes de «protectorado» entre as autoridades portuguesas e os bustos reis em exercício nos «reinos» de Kakongo e Loango, através dos Tratados de Chinfuma (29SET1883) e de Chicamba (26DEZ1884), respectivamente. Num terceiro nível, a origem comum dos seus povos – etnia Bakongo e grupo etnolinguístico Kikongo (Martins, 1968: 13-14) –, e o sentimento de um «destino comum», disposto a formar uma comunidade dos mesmos sonhos, parece ter-se consolidado com a subscrição de um terceiro acordo de relações luso-cabindas – o Tratado de Simulambuco (01FEV1885), entre o Reino de Portugal e o «reino» de N’Goyo. Deste último, e mais relevante, resultou um novo ente territorial «Cabinda», que agrupa de forma voluntária os três «reinos» de Kakongo, Loango e N’Goyo sob regime de «protectorado» (Marques Guedes, 2003: 70-78; Blanco, 1998: 472, 477-478). Na visão dos pais fundadores, estava instituído um «espaço organizado», regido por normas comummente aceites, equivalente ao «território político».

Para os Cabindas, estes regimes oitocentistas com ênfase, no famoso e solenemente celebrado Tratado de Simulambuco, seria um legado político-jurídico para o tratamento distinto do «seu território» (Milando, 2013: 38-39), no contexto do segundo ciclo do processo de autodeterminação e emancipação, estabelecido pelos processos de descolonização que ocorreram sobretudo, de 1945 a 1975, liderado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

No período em análise, Cabinda era uma das regiões africanas mais cobiçadas por diversas potências colonizadoras europeias. Para regular as várias disputas pela ocupação de África, foi convocada a Conferência Internacional de Berlim (1884-1885), que reuniu potências coloniais e não coloniais. Em complemento à tese dos direitos de ocupação efectiva, surgiu o princípio das esferas de influência, que definia «a zona onde outros Estados se abstinham de qualquer tentativa de ocupação» (Ribeiro, 2004: 101).

Nesta circunstância, o português falado constituiu-se como o acórdão umbilical que facilitou a aproximação dos Cabindas a Portugal, utilizando os caminhos do «protectorado».

Estes trilhos foram impulsionados por motivações de natureza política e psicológica, traduzidas no pânico que o expansionismo imperialista europeu, nascido das abrangências da Conferência de Berlim provocava nos africanos.

Com a subsequente ocupação militar da Ponta Negra pelos franceses, os Cabindas solicitaram a protecção do Rei de Portugal, que se concretizou com a celebração dos tratados já acima referidos, particularmente, o tratado de Simulambuco, aceite pela Conferência de Berlim como prova de que Cabinda já era «esfera de influência» portuguesa, afastando assim as pretensões das outras potências de controlar a região. O Tratado de Simulambuco foi um instrumento decisivo e exclusivo, como prova inequívoca de que Cabinda era uma zona de influência de Portugal.

Mas, a apetência dos pais fundadores do território de Cabinda nunca teve tradução concreta. Em termos práticos tudo parece ter passado como se a Conferência de Berlim reconhecesse a situação de Cabinda como sendo a de uma possessão colonial. É certo que o Tratado falava em protectorado; mas a noção, em muitos meios tácita, de que Cabinda era um espaço geográfico que fazia parte integrante da possessão colonial de Angola nunca foi directamente posta em causa, há época, nem por Portugal, nem pelas outras potências coloniais. Algum voluntarismo português de bastidor terá subjazido a esse quasi-consenso tácito geral. O catálogo oficial da exposição colonial de Portugal na célebre – Exposição Universal de Antuérpia – realizada em 1885, no mesmo ano em que foi assinado e reconhecido o Tratado de Simulambuco, referia-se a Angola nos seguintes termos:

«A província de Angola, aquela que mais esteve em evidência nos últimos anos, por causa dos seus limites norte, situa-se na costa ocidental da África, ao sul do Equador e vai depois da embocadura do rio Zaire ao norte, até a 18.º de latitude sul, tendo as dependências de Cabinda, Lândana, Massabi, etc. a norte do Zaire. A superfície de terreno que ela ocupa é de 13.500 km ao longo da costa, 500 de largura ou seja 330.000 milhas quadradas de extensão» (Marques Guedes, 2003: 70-78).

A Convenção de Limites, assinada com a Associação Internacional Africana, a 14FEV1885, a que pouco depois, veio-se-lhe acrescentar a Convenção Luso-Francesa de 12MAI1886, embora tenham selado a questão do conflito de interesses que até aí grassara; para Portugal, em todo o caso, não se pode dizer que se tenha tratado de uma vitória em toda linha. O tratado de Simulambuco falava num regime de «protectorado».

Na verdade, o «protectorado» como regime de relações entre poderes políticos, tem uma larga tradição na experiência europeia, e variadas formas de manifestação, umas formais,

outras informais36. O mais semântico dos modelos foi utilizado na ocupação e colonização da África no séc. XIX, onde documentos de submissão das autoridades nativas foram dignificados «protectorados», mas sem o reconhecimento internacional reservado ao instituto de que recolheram o nome. Na experiência portuguesa, o caso de Cabinda pertence a esta fileira de práticas que abundaram na marcha de Inglaterra do Cabo ao Cairo, e foi sem êxito que a política de autodeterminação da ONU inspirou a tentativa de fazer enquadrar esta situação no regime dos fideicomissos que implicaria o reconhecimento da identidade política do território e o direito à autodeterminação37 (Moreira, 23OUT2007: DN).

Na data em que os confrontos territoriais no Enclave tendiam a subir aos extremos, com a manifestação mais profunda na emergência, em 1960, de Movimentos emancipalistas ditos de Libertação «Nacional» de Cabinda (como suporte à luta independentista), mas sobretudo, pelo facto de, reiteradamente, as populações do Enclave de Cabinda «não gostarem de ver as suas questões tratadas indistintamente das de Angola»; estas circunstâncias, terão estado na origem de, em 1963, António de Oliveira Salazar ter inquirido o então governador- geral de Angola, Silvino Silvério Marques, sobre se este concordaria que «Cabinda passasse a ter um estatuto especial de autonomia, e ainda que o próprio Conselho Superior de Defesa Nacional tivesse chegado a estudar a hipótese de conceder ao Enclave de Cabinda o Estatuto de Província Ultramarina» (Luemba, 2008: 123 e 292; Morais, 1998: 299 e ss.; Marques Guedes, 2003: 77). A logística constitucional da unidade não consentiu que essa proposta fosse seguida, «embora tenha sido apresentada quando as notícias sobre o petróleo começaram a sugerir que a secular lógica das especiarias viria a ser mais forte do que a lógica dos valores» (Moreira, 2004: 34).

36 Talvez possa admitir-se, como elemento transversal de todas as variedades, o exercício de uma superioridade política orientada pela convicção de lidar com uma comunidade vista como cera mole que submeterá a uma atitude de submissão, e à programada recepção de modelos de comportamento pela respectiva sociedade civil e pela governança indígena futura.

37 O fideicomisso é a disposição através da qual o testador impõe a um sucessor o encargo de conservar a herança ou o legado, para reverterem, por morte do onerado, a favor de outra pessoa. Deste modo, o fideicomisso implica um regime limitativo dos direitos do fiduciário sobre os bens que lhe são atribuídos, por efeito do encargo na sua conservação, que lhe é imposto. O direito do fiduciário atribui-lhe o gozo e a administração dos bens, segundo um regime moldado sobre o direito de usufruto, cujas disposições se aplicam ao fiduciário em tudo que não seja incompatível com a natureza do fideicomisso. Em contrapartida, a limitação que sobre ele recai quanto à disposição dos bens impede-o, em princípio, de poder alienar os bens que são objectos de fideicomisso.

A concludente descoberta de petróleo offshore em Cabinda, tal como no Soyo e ao longo da costa norte de Angola, não vieram facilitar uma dissociação já de si mesma pouco assumida. E, o facto de que a luta anti-colonial dos anos 60 e 70, não distinguiu cenários num e noutro dos dois territórios, «corroborou a tendência material cada vez maior de tratar em conjunto e de maneira indistinta Cabinda e Angola, ao arrepio de uma distinção político- administrativa que, também ao nível dos interesses económicos e políticos do poder e dos seus opositores, se tendia a tornar cada vez menos admissível» (Marques Guedes, 2003: 77).

De facto, o posicionamento geográfico de Cabinda ajusta-se perfeitamente na zona que poderemos designar de «triângulo estratégico de ouro negro», que Angola partilha com a Nigéria e a Guiné Equatorial. E, com a presente «disputa» mundial pelo controlo geopolítico e geoeconómico do Atlântico Sul, incluindo a presença militar, os offshores de Angola incluindo Cabinda, estão igualmente na ribalta (Bembe, 2009: 15). Evidentemente, as antigas especiarias, tendem para fazer esquecer as limitações que estavam implícitas na resposta do anónimo marinheiro referido no Roteiro da viagem de Vasco da Gama, para descobrir o caminho marítimo para a Índia38, e Cabinda enfrenta o risco de ser absorvida pela percepção actual da África Útil, isto é, petróleo, diamantes, minerais raros.

Com os benefícios da retrospecção, não é difícil de compreender o que jurídico- administrativamente se seguiu com o processo de descolonização de 1975 e a cada vez maior tendência actual de manutenção e reforço do statu quo. De algum modo por omissão (uma omissão-lacuna jurídica, decerto politicamente intencional), procedeu-se a uma espécie de subsunção formal de Cabinda em Angola nos textos dos Acordos de Alvor concluídos em 15JAN1975, sem o consentimento dos Cabindas39. Recorrendo às palavras do Professor Adriano Moreira, adaptadas à realidade de Cabinda, parece estar definitivamente em causa «o

38 Na sua extraordinária locação sobre Cabinda, o Professor Adriano Moreira, recorda a lúcida resposta de um anónimo marinheiro referido no Roteiro da viagem de Vasco da Gama, para descobrir o caminho marítimo para a Índia. Inquirido, na chegada, por um homem do povo que o interpelara para bordo, sobre as razões que os traziam tão longe, respondeu que vinham «em busca de cristãos e de especiarias, com uma prudência instintiva que insinuava o desinteresse do negócio, mas não escondia a relevância do segundo objectivo» (Moreira, 2004: 32).

39 De 10 a 15JAN1975, o Governo Português e os três movimentos político-militares de libertação de Angola (MPLA, FNLA e UNITA), reunidos em Alvor (Algarve) para negociarem o processo e o calendário do acesso de Angola à independência – vem estipulado no artigo n.º 3.º do acto final concluído entre as partes – «Angola constitui uma entidade una e indivisível nos seus limites geográficos e políticos actuais e, neste contexto, Cabinda é parte integrante e inalienável do território angolano».

homem branco, ao qual o poeta Rudyard Kipling atribuíra o pesado encargo de civilizar o mundo» (Moreira, 12JAN2009: BPD).

Assim, a relutância das Nações Unidas, da potência protectora e «da província, colónia», hoje República de Angola, em corresponder aos desígnios jurídico-políticos dos Cabindas, a região ficou marcada desde 1975, por um conflito territorial/ocupação que, bem ou mal, apelidamos de «nacionalista versus secessionista», entre o Governo de Angola e os Movimentos de Libertação de Cabinda (MLC), nomeadamente, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC). Enquanto a Liderança Angolana reitera a conservação da República de Angola como Estado unitário e democrático de direito, definindo neste contexto um estatuto especial para Cabinda, bem como a integração dos membros das forças militares da FLEC nas Forças Armadas Angolanas (FAA) e dedicar-se ao desenvolvimento sócio- económico da região; a FLEC tende a fazer finca-pé nas suas históricas ambições territoriais40, que redundariam na rotura do minúsculo e luxuriante «Enclave angolano», visando, em simultâneo, restaurar a sua independência como «herança do passado» e assumir o lugar igual no sistema internacional para o qual sente vocação e capacidade.

Como já atrás ficou dito, a extraordinária coesão interna verificada na resolução estratégica dos príncipes, notáveis e governadores dos então «reinos» de Kakongo, Loango e N’Goyo, confirmava, muito provavelmente, o «pensar, o sentir e a vontade» próprio dos Cabindas para um destino comum. Na mesma senda, vários autores (Nascimento, 1985: 171- 197; Ribeiro, 1995: 28-29) ao sistematizarem alguns traços característicos das «gentes das terras de Cabinda», sublinham que o seu estatus superior se traduzia, nomeadamente:

a) Na «rejeição da sua assimilação aos indivíduos não livres»;

b) Na recusa de «uma inserção duradoira» nas sociedades de acolhimento. Nas cidades, os Cabindas imigrados habitavam bairros separados e, nos dias de festas, reuniam-se para cantar e dançar a sua música e praticar os seus ritos;

c) Na relutância em aceitar trabalhos na roça (onde a relação social se fundava na servidão). A oposição não decorre da inaptidão dos Cabindas para essas tarefas, mas ao facto de «os trabalhos relacionados com o mar serem considerados como elemento de diferenciação (e defesa) da sua condição relativamente serviçal»;

40 A prová-lo, mesmo durante o complexo período da disputa político-ideológica e militar que bipolarizou o mundo, nenhuma das Grandes Potências (Estados Unidos e URSS) teve a FLEC como uma opção. De resto a Acta do Encontro de National Security Council de 27JUN75, parece evidenciar esta tese (ANSCM, 1975: 1-8).

d) Na imposição de Contratos de Trabalho com especificações sobre «a duração, o repatriamento e o salário»;

e) Numa maior capacidade reivindicativa (recorrendo frequentemente ao conflito aberto) o que lhes permitiu «assegurar formas de tratamento específico e diferenciado dos restantes naturais de Angola», facto só explicável pela sua superior coesão e identidade cultural reconhecida, e ainda, nos próprios Boletins Oficiais onde «nunca foram identificados com os serviçais».

De resto, os testemunhos escritos deixados por comerciantes e missionários, que conviveram de perto com os cabindeses, são coincidentes na constatação de que estes, mesmo quando na condição de «escravos e isolados do seu grupo social de referência», procuram «manter e fazer reconhecer» os seus tesouros clãnico-tribais e o seu estatuto social anterior, designadamente se lhes corresponde o poder e o prestígio de uma origem genealógica que os distinguem relativamente ao homem comum (Ribeiro, 1995: 29).

Nos anos 70, como vem estipulado na «obra polémica» de Carlos Blanco, justamente a 15JAN1975, Cabinda é antecipada e corajosamente incorporada na então futura República de Angola, a ser proclamada a 11NOV1975: o que constitui uma clara mensagem de Portugal e dos respectivos Movimentos Nacionalistas Angolanos, às velhas ambições das autoridades congolesas, mas sobretudo aos chamados «separatistas» da FLEC e ao então presidente da República do Zaire (1965-1997), Mobutu Sese Seko (1930-1997)41 com pretensões «anexionistas» do Enclave e dos seus recursos (Morais, 1998: 383-384).

Com o eclodir dos teatros estratégicos entre a FLEC e as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA’s)42, consideradas como forças de ocupação, estas receberam o apoio das Forças Armadas Soviético-Cubanas mas principalmente do Movimento das Forças Armadas (MFA) Lusas. Foram igualmente indispensáveis as facilidades concedidas ao MPLA, pelo então presidente da República Popular do Congo (1970-1977), Marien Ngouabi (1938-1977), com quem mantinha uma óbvia cumplicidade ideológica e geoestratégica, para o trânsito de apoios (humanos e material bélico) e lançar incursões em Cabinda, através da fronteira daquele país. O duelo pelo controlo total do território atingiu ao patamar de «guerra de guerrilha», após a malograda batalha de quatro dias, entre 08 e 11NOV1975, conhecida também por «Guerra clássica de Cabinda», com a vitória expressiva do actual partido/Estado.

41 Mais conhecido por Joseph Désiré Mobutu Sese Seko Kuku Ngbendu wa za Banga. 42 Braço armado do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

Com efeito, a guerra de guerrilha43 hipotecou gravemente o desenvolvimento humano, a nível incorpóreo, com o agravar do conflito social, manifestando-se, por exemplo, no constante conflito reinante no seio da Igreja Católica de Angola, em especial, na Diocese de Cabinda. A nível corpóreo, a consequência deste conflito aberto, traduz-se essencialmente:

a) No consumado estado da pobreza em que sobrevivem as suas populações, nas inarráveis violações dos direitos de Homem;

b) Na elevada taxa do desemprego, da mortalidade infantil;

c) No analfabetismo, na aculturação das populações do respectivo território; na insuficiência e inadequação de instalações de ensino, de meios técnicos, de recursos humanos qualificados ou de instalações sanitárias;

d) Na degradação do ambiente e das poucas infra-estruturas físicas e institucionais disponíveis;

e) Nos grandes saldos fisiológicos, na carência alimentar e malnutrição; f) Na vulgarização de condições de vida muito próximas da mera subsistência.

Desde o início do conflito, em 1975, os principais problemas com que se deparou dizem respeito à verdadeira incapacidade de aproximação das partes (Governo angolano e Resistência de Cabinda), à ausência de consensos em relação ao modelo que orientaria a resolução do problema e à radicalização das posições. Estas situações ensombraram e esmoreceram o avanço das conversações políticas entre os contendores.

Em 2006, depois de cerca de 12 meses de negociações com a «facilitação» da União Africana (UA), foi marcado um «importante passo» para o desanuviar do conflito, com a

43 Para o Dicionário da Paz (Online no IRENEES.NET), a palavra guerrilha conheceu a sua primeira divulgação em Espanha durante a ocupação napoleónica, trata-se literalmente de uma «pequena guerra», em oposição à «grande guerra», de massacre em massa no campo de batalha entre exércitos bem identificados e regulares. «A especificidade estratégica da guerrilha é bastante simples; é um processo sobre o qual um grupo procura: a) Adquirir gradualmente o apoio da população; b) Manter a iniciativa face ao contendor, escapando-se de uma acção para a qual não está preparado; c) Assegurar o controlo das condições que favorecem a acção própria e dificultam a do contrário; d) Orquestrar sempre ataques, numa situação em que o contrário encontra-se supernumerário, desaparecendo imediatamente. Como consequência lógica da guerrilha, obriga o adversário de fixar grande parte das suas forças para ter o controlo do território face a um inimigo inacessível e que supostamente toma iniciativas. A guerrilha é uma versão moderna da guerra de desgaste, que visa minar gradualmente o moral e as capacidades do adversário mais forte. Esta técnica foi largamente teorizada pelos

Documentos relacionados