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2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO DO PROJETO

O registo fóssil sugere que os primeiros vertebrados a colonizar ambientes terrestres apare ceram no final do pe ríodo Devoniano, há cerca de 359 milhões de anos atrás (Anderson et al., 2011). Estes animais possuíam diversas características que lhes permiti am a sobrevivência em habitats não aquáti cos como por exemplo 4 extremidades multi -digitadas que lhes facilitavam a locomoção (autopódios). Esta característica esteve na base da atribui ção da designação de “tetrápodes” a este grupo parti cular de vertebrados (quatro autopódios), dos quais fazem parte os atuais anfíbios, répteis, aves e mamíferos (Clack, 2012). Os ancestrais dos tetrápodes parecem ter sido peixes sarcopterígeos, nos quais os apêndices locomotores adquiri ram novos elementos de endoesqueleto distais e, simultaneamente, foram perdendo as espinhas finas de dermoesqueleto, típicas das barbatanas dos peixes (Boisvert et al., 2008; Daeschler et al., 2006; Shubin et al., 2009) (Fig.15).

Os genes da extremidade 5’ do grupo HoxD são essenci ais para a adequada form ação do autopódio em modelos animais como o murganho, e pensa-se terem estado envolvidos na transição evolutiva entre os apêndices dos peixes e dos tetrápodes (Kmita et al., 2002; Sordino et al., 1995) (Fig.21). Durante o desenvolvimento embrionário, estes genes expressam-se em determinados territórios mesodérmi cos posteriores tanto nos membro s de tetrápodes como nos apêndi ces dos peixes. No entanto, nos tetrápodes estes genes são re - expressos ao longo de toda a região que i rá dar origem ao futuro autopódio (Nelson et al., 1996). Estas duas fases de expressão devem-se a diferentes ondas de ativação da transcrição controladas por elementos reguladores conservados evolutivamente de ação em cis (do inglês cis-regulatory-elements: CREs). A primeira fase é regulada por elementos situado no lado 3’ do grupo de genes HoxD, enquanto a segunda fase é control ada por elementos no lado 5’ deste mesmo grupo de genes (Montavon et al., 2011).

Numa primeira avaliação da expressão destes genes no peixe -zebra, realizada em 1995 (Sordino et al., 1995), não foi identificada uma segunda fase de expressão dos genes HoxD da extremidade 5’, o que levantou a hipótese de que a ativação desta segunda onda de expressão pode ter desencadeado a origem do autopódio nos tetrápodes (Sordino et al., 1995). Os estudos desenvolvidos posteriormente mostraram, contudo, que estes genes se expressam em territórios mais distais nas barbatanas em formação de peixe-zebra e de outros peixes ocupando diferentes posi ções filogenéticas, tais como: peixes cartilagíneos, peixes ósseos basais e peixes pulmonados (Ahn and Ho, 2008; Davis et al., 2007; Freitas et al., 2007; Johanson et al., 2007a). No entanto, os padrões de expressão encontrados nestes

peixes nunca coincidi ram integralmente com os padrões encontrados em tetrápodes, mostrando-se em territórios mais restritos na parte distal das barbatanas em formação. Estas observações sugeri ram que a modulação da transcri ção dos genes da extremidade 5' do agrupamento HoxD pode ter sido um importante me canismo evolutivo envolvido na formação de novos elementos de endosqueleto distais durante a evolução dos vertebrados (Freitas et al., 2012; Freitas et al., 2007). Assim sendo, os padrões descritos nos peixes podem representar diferentes fases deste mecanismo em que os níveis de transcrição produzidos podem ainda não se r sufi cientes para ge rar a formação de uma estrutura semelhante ao autopódio (Freitas et al., 2012).

Denis Duboule e colegas têm vindo a caracterizar nos últimos anos as regiões reguladoras (CREs) que controlam a expressão dos HoxD da extremidade 5’ (Duboule and Dolle, 1989). Estes autores, propõem que a interação entre vári as CREs é necessári a para ativar a forte expressão dos genes 5'HoxD em toda a presumível regi ão do au topódio em animais como os murganhos (Montavon et al., 2011). Curiosamente um desses CREs, a CSC, é espe cífi co do genoma dos tetrápodes e não foi detetado nos genomas sequenciados dos peixes cartilagíneos, teleósteos ou mesmo nos celacantos (Amemiya et al., 2013; Howe et al., 2013; Venkatesh et al., 2006).

Num trabalho finalizado em 2012, Renata Freitas e colegas investigaram de que forma a aquisição de novas regiões reguladoras (CREs) podem ter conduzido à evolução dos padrões de expressão dos genes HoxD da extremidade 5’. Para tal, estes autores geraram-se linhas de peixes-zebra transgénicos possuindo a região CsC exclusiva de tetrápode e verificaram que o seu território de atividade era semelhante ao descrito nos membros de murganhos (Freitas et al., 2012). Isto suge re que os mecanismos de regulação trans que operam através deste enhancer já existiam nos peixes, mesmo antes do aparecimento dos tetrápodes. Como tal, a aquisição de região CsC na linhagem tetrápode pode ria ter sido suficiente para reforçar a transcrição de genes 5'HoxD e ativar a formação de elementos de endosqueleto adicionais (Freitas et al., 2012).

Estes autores foram depois testar de que forma níveis aumentados de transcritos destes genes podem potenci ar a formação de mais endosqueleto distalmente, levando a alterações fenotípicas nas barbatanas que as faz assemelharem-se mais a membros de tetrápodes (Freitas et al., 2012). Com este fim, estes autores desenvolveram mais linhas transgénicas de peixe-zebra em que é possível causar a sobre-expressão destes genes recorrendo a promotores específico s que controla a expressão espacial ou temporalmente. Estas experiências levaram a concluir que o aumento de transcritos de Hoxd13 (o gene posicionado no extremo 5’ do agrupamento HoxD) provoca a produção distal de tecido condrogéni co

adicional (Freitas et al., 2012). Os potenciais marcadores do autopódio, tais como hoxa13b, cyp26b1, e pea3 foram observados nestes novos territórios condrogénicos em expansão. Adicionalmente, ocorre simultaneamente o encurtamento da estrutura embrionária a parti r da qual se desenvolve o dermoesqueleto (AEF ou do inglês finfold), indi cado pelos reduzidos níveis de expressão dos típicos marcadores desta estrutura ( and1 e fgf8a). Estes resultados sugerem a substitui ção do dermoesqueleto por um território de elementos en doesqueléticos distais nas barbatanas após a modulação do Hoxd13, sendo este processo representativo da hipótese da transi ção evolutiva entre os apêndi ces dos peixes e dos tetrápodes (Sordino et al., 1995).

Tendo em conta estes resultados, é agora ne cessário perceber como este fenómeno ocorreu, tendo em conta os mecanismos moleculares envolvidos após modulação do Hoxd13. Um recente ensaio de Chip-to-Chip levou à identificação de 10 genes que se revelam como alvos do Hoxd13 in vitro e que estão descritos como relevantes no desenvolvimento dos membros e/ou formação de cartilagem/osso (Salsi et al., 2008). A função destes genes foi avaliada através de ensaios em embriões de galinha que provaram que a diminuição d os níveis de expressão do gene Hoxd13 pe rturba a expressão, da maioria deles, suge rindo que Hoxd13 os regula diretamente (Salsi et al., 2008).

Neste presente trabalho, utilizamos a linha de peixes-zebra transgénicos hsp70:hoxd13a que permite a sobre-expressão do gene correspondente ao Hoxd13 em peixe-zebra (hoxd13a) através de tratamentos por choque térmico dos seus embriões. Esta linha permitiu-nos caracterizar a função dos potenci ais alvos do hoxd13a durante o desenvolvimento das barbatanas do peixe-zebra, o que foi feito qualitativamente por ensaios de hibridação in situ e quantitativamente por RT-qPCR.

OBJETIVOS

O trabalho realizado nesta dissertação tem como objetivo a obtenção de um melhor conhecimento sobre a função do fator de transcrição Hoxd13 e identificação de genes que possam ter tido impacto na transição evolutiva entre os apêndices dos peixes e dos tetrápodes. Tal como foi referido previamente, num re cente ensaio de Chip -to-Chip identificaram-se 10 alvos do Hoxd13 que são relevantes para a formação do endosqueleto nos membros de tetrápodes. Assim, durante este projeto utilizamos a linha de peixe -zebra transgénica, hsp70:hoxd13a (Freitas e t al., 2012), para investigar como potenciais alvos do hoxd13a se alteram com a modulação de genes a diferentes estádios do seu desenvolvimento.

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