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2. O DESENHO: ENSINO E APRENDIZAGEM

2.2. ENSINO ARTÍSTICO

Como nos informa Pevsner, “Akadèmeia” ou “Ekadèmeia” era o nome de um lugar na zona noroeste de Atenas, onde se situavam numerosos templos, um ginásio e o vasto parque, que a mitologia situa como tendo pertencido a “Academo”, onde Platão ensinava filosofia. Com o desenrolar do tempo e por força do hábito, os atenienses pas- sam a designar “Academia” à comunidade dos discípulos de Platão. Na Itália humanista do “Quattrocento”, foi restabelecido o termo “Academia” para honrar o renascimento do platonismo, nomeadamente, aquando da reunificação das igrejas Bizantina e Romana.

Do mesmo modo que na Grécia “Academia” serviu para designar primeiro um lugar, depois um grupo de filósofos e, finalmente, um sistema filosófico, o mesmo se passou a verificar em Itália, atribuindo aos frequentadores das academias a designação de “academici”. Estas academias não tinham um carácter formal ou institucional e os seus participantes debatiam as ideias em ambiente de convívio, contrastando com o ambiente escolástico das universidades.

Em pleno século XVI, por volta de 1530, o termo referia-se a um grupo de pessoas unidas pelo mesmo desejo de cultura, um grupo de eruditos e amantes da cul- tura, quer próximos do platonismo, ou do cepticismo ciceroniano, ora de sociedades astrológicas semi-ocultas, ou mesmo do aristotelismo não escolástico.

Semelhante evolução semântica ocorreu no Norte da Europa após a refor- mulação levada a cabo pelos humanistas dos “Studia Generalia”, ou “Universitates Stu- diorum” da Idade Média. A palavra Academia lembrava, com agrado, quer a Antiguida- de, quer a Renascença, tornando-se sinónimo de universidade.

Ainda que a utilização do termo pudesse ter sido utilizada em acepções tão diversas como “arti cavallereshe”, ou outras mais ou menos distantes, com objectivos distintos dos enunciados antes de 1530, a prevalência vai para a significação utilizada quer pelas universidades do norte da Europa, quer pelos círculos de discussão italianos.

No âmbito deste trabalho, importa considerar a unidade imposta no Alto Renascimento, contrariando a diversidade semântica de outras épocas. À luz da arte e da cultura de 1500, surge a arte de Da Vinci, Rafael, ou de Giorgione, congregando nas respectivas academias grupos de discussão convivial sobre os mais diversos temas.

A partir do momento em que se manifesta a supremacia do Maneirismo, rompendo e anulando o Renascimento, assistindo-se a um dos mais terríveis sismas da civilização europeia, através das guerras religiosas, cujos retratos de Bronzino, ou nos retábulos religiosos de Tintoreto, mas também nas obras de Parmigianino, Bruegel ou Dürer, se manifesta o espírito da época. Tal como nota, ainda, Pevsner, enquanto as academias do Renascimento se caracterizavam pelo seu informalismo, as academias maneiristas, estão eivadas de rigor, formalismo e regras bem definidas e pormenoriza- das (Pevsner, 1999)91

Como esclarece Molina .

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Atingir o virtuosismo na arte de desenhar a figura humana, era, como revela D’Enfert

, por convenção e na sua acepção mais ampla, são considerados estudantes de arte, aqueles que frequentam ramos de ensino relaciona- dos com as Belas Artes, a Arquitectura ou o Design, portanto, na sua vertente mais eli- tista, embora, tempos houvesse, como vimos, também, com D’Enfert, que o ensino artís- tico se poderia dirigir a aprendizes de vários ofícios de âmbito artesanal ou industrial. Ainda que, esta elite herdeira e guardiã do status quo cultural, não navegue, já, nos mesmos pressupostos patrimoniais, por força das alterações tecnológicas evidentes, a partir do século XIX, e ainda mais evidentes e exponencialmente aceleradas ao longo de todo o século XX, de que emergiram novos paradigmas artísticos, quer pelo uso de novos materiais e novas abordagens técnicas, mas também novas abordagens concep- tuais e epistemológicas, apesar de, como refere Molina, se ter verificado perda de fun- ções da arte, e o artista ter deixado de ser o garante da reprodução objectiva da «reali- dade da representação». De igual modo «a reivindicação da sua liberdade ocorre desde a perda de utilidade nos processos vinculados com a descrição objectiva das coisas, tradicionalmente relacionada com os processos de formalização necessários à produção industrial». Apesar destas perdas ter-se-á verificado um ganho substantivo através da autonomia do desenho enquanto tecnologia artística de pleno relevo, como obra final, ou produto estético, em igualdade com a pintura ou a escultura, adquirindo, em paralelo, valor comercial. (Molina, 2003, p. 26).

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Pevsner, Nikolaus. Les Académies d’Art. Paris : Gérard Monfort, Éditeur, 1999.

92 Molina, Juan José Gomez. Las lecciones del Dibujo 93

D’Enfert, Renaud. L’Enseignment du dessin en France. 2003

, o objectivo de qualquer artista do século XVIII que se quisesse destacar no meio artístico, relevando, portanto, um modelo de ensino normalizado - «académico», cuja validade permanece durante uma boa parte do século XIX. Tais características assentam, numa primeira fase e para os alunos mais jovens, na cópia de modelos de

duas dimensões – desenhos e estampas; na adolescência desenha-se a partir de mode- los tridimensionais; a formação gráfica é coroada por uma última etapa em que se utiliza o modelo vivo (D’ Enfert, 2003).

De todas as práticas artísticas conotadas com as belas artes, o desenho tem sido aquela que mais se aproxima do conceito de disciplina, dadas as suas característi- cas, nomeadamente, as relacionadas com a sua prática, que proporciona a reflexão sobre os seus próprios limites, em termos de regra, ordem e método comuns a todos os que se têm dedicado ao exercício desta tecnologia, enquanto disciplina, mas também, pela facilidade de execução através de meios muito parcos, reforçando a expressão ideográfica.94

Apesar de ser usual falar num desenho moderno, quando nos referimos ao desenvolvimento deste processo de registo gráfico a partir dos séculos XIX e XX, o certo é que as suas capacidades essenciais de reflexão, projecto e representação, se manti- veram intactas desde o seu nascimento mítico, apesar de terem surgido nestes dois séculos os mais variados métodos de ensino que libertaram o desenho das grilhetas das convenções renascentistas e barrocas.95

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Molina. Las lecciones del dibujo.

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Molina. Estratégias del dibujo en el arte contemporaneo

A Bauhaus é, geralmente, considerada um marco na moderna pedagogia artística, contribuindo decisivamente, para a mudança de paradigma, tanto na vertente educativa, como na abordagem artística posterior, em que a produção teórica de refe- rência produzida por muitos dos que por lá passaram como professores, não pode ser menosprezada, como são exemplos dignos de nota, entre outros, Kandinsky, Itten ou Gropius.