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Considerando alguns dos discursos e objetivos da Educação, que consistem em possibilitar aos indivíduos: o desenvolvimento intelectual, ético-social, cultural e profissional; conscientização dos direitos e deveres na construção da cidadania; acesso e aquisição consciente da cultura; habilidades intelectuais para o seu desenvolvimento integral; experiências sócio-culturais que estimulem a cooperação social; conscientização da necessidade de construção de uma sociedade menos injusta. Nesta perspectiva, a Educação deve proporcionar aos indivíduos condições para a socialização e possibilidades de realização intelectual, cultural e profissional. Porém, nas últimas décadas temos assistido e vivenciado, em nossa experiência como educador, à inversão desses discursos e objetivos tidos como bases da Educação.

Não podemos fechar os olhos e deixar de perceber com certa preocupação humanística e pedagógica que o sistema escolar atual, em sua maior abrangência, faz parte do sistema capitalista agressivo, de competições desiguais, de um consumismo exacerbado, de transmissão cultural da classe dominante. A Educação tornou-se também um produto de mercado. As instituições escolares públicas ficaram relegadas ao descaso do governo e da sociedade. São, às vezes, lembradas em períodos de eleições governamentais, através de projetos mirabolantes, alienados da realidade educacional. As instituições particulares, hoje em sua maioria, têm se tornado empresas educacionais. Perguntamos: adquirir “conhecimento e cultura” pagando-se para esse fim? Acumular pseudoconhecimentos transformados em certificados, em títulos que legitimam tais pessoas como “os profissionais”?

Os professores, que fazem a mediação do conhecimento intelectual, da cultura e das experiências éticas junto aos alunos, têm sido os últimos a ser consultados e respeitados no que diz respeito ao que deve e como deve ser ensinado. Recebem salários incompatíveis ao seu trabalho; o tempo para novas leituras, preparação das aulas, especialização em alguma linha de pesquisa que desejam aprofundar e que seria de extrema importância para o seu crescimento humano e profissional, tudo isso é dificultado, pois a escola os requisita quase o tempo todo para reproduzir, através de apostilas, manuais e livros, o que ela acredita ser o “Conhecimento”, a “Cultura”. O sistema escolar quer que o professor acolha, cuide paternalmente e maternalmente de

seus alunos. Nesta inversão de papéis, será que o aluno deixou de ser aluno, deixou de ser discípulo do mestre, de poder utilizar o conhecimento eticamente em sua vida ? Ou aprenderá alguns instrumentos para ser mais um a exercer o papel de dominante na sociedade consumista?

No ensino da Filosofia, nas experiências do amor à sabedoria, que é a essência do caminhar filosófico no diálogo com as outras disciplinas escolares, outras áreas do conhecimento poderão auxiliar na reconstrução do verdadeiro sentido da Educação, que é proporcionar aos indivíduos habilidades para a aquisição consciente da cultura, do conhecimento intelectual, das experiências éticas de conhecimento para a vida.

Em razão de todas essas constatações e interrogações, trazemos à discussão, neste capítulo, algumas das contribuições do estudo sociológico do pensador francês Pierre Bourdieu (1930-2002), na investigação sobre a questão do sistema de ensino e da cultura ensinada no grau médio das escolas brasileiras.

Pode ser observado que os conteúdos, as práticas pedagógicas e culturais ensinados nas escolas brasileiras não são cultura, mas a versão escolarizada da cultura; um transplante, cortes da cultura, um ensino pela tradição cultural, recortes fragmentados da cultura e das áreas do conhecimento. Essa observação também pode ser constatada nos conteúdos e nas práticas do ensino da Filosofia, quando identificamos que muito do que se ensina nesta disciplina para o grau médio é uma transposição da cultura tradicional filosófica, com recortes fragmentados dos sistemas filosóficos escolhidos pelos professores. Até por não existir um conteúdo programático oficial para o curso de Filosofia, fica a critério do professor, ou comunidade dos professores de Filosofia, as escolhas de conteúdos, das práticas didáticas deste ensino e dos procedimentos metodológicos.

Sabemos da necessidade das discussões e análises, no que diz respeito à questão do conteúdo programático e das metodologias para o ensino da Filosofia, seja em caráter oficial, pela Secretaria da Educação em âmbito Federal, Estadual ou Municipal, seja através das escolhas e critérios do professor de Filosofia junto à escola ou de uma comunidade de professores de Filosofia em sua região escolar. No entanto, não é nosso objetivo problematizar esta questão no trabalho que desenvolvemos neste momento.

O que se percebe são escolhas já estabelecidas pelo julgamento e identificação do que seja necessário, imprescindível e “verdadeiro” a ser ensinado pela escola e pelo professor. As discussões de conteúdos, métodos e avaliações, não fazem parte do todo da instituição escolar. Neste sentido, os alunos não são convidados a discutir, refletir e decidir junto ao professor e a escola quais seriam os

conteúdos e estratégias importantes a serem estudados, discutidos e refletidos, acontecendo o mesmo com os diversos modos possíveis de avaliação dos conteúdos ensinados e reproduzidos. Portanto, os alunos recebem a simples reprodução do conhecimento, de estruturação inalterável, para que continuem a reproduzir o modelo já estabelecido pela escola e pelo professor.

Frente a estas observações, passamos a apresentar algumas das contribuições de Pierre Bourdieu no estudo, análise e diagnósticos realizados por ele sobre o sistema de ensino como reprodutor social, cultural, de exclusão, bem como abordaremos o conceito de habitus como processo de inculcação, sistema de disposições duráveis, de transmissão dos valores culturais e dos bens simbólicos nas estruturas do campo social.

4.1- As contribuições de Pierre Bourdieu na análise do sistema