• Nenhum resultado encontrado

2.1 O ensino de Espanhol como língua estrangeira (E/LE) no brasil

2.1.3 Ensino de espanhol no contexto brasileiro: considerações gerais

Vários autores (CRUZ, 2001; YOKOTA, 2001; KULIKOWSKI, 2005; GONZÁLEZ & CELADA, 2005; entre outros) demonstram que há uma mudança de postura nacional (devido a fatores econômicos e políticos) em relação à necessidade de se aprender a língua espanhola. Tal postura fez com que um número cada vez maior de escolas e centros de idiomas passasse a oferecer a possibilidade de estudar esse idioma. Esse interesse pelo espanhol reforça também uma crença muito comum entre os brasileiros de que é muito fácil aprender esta língua, por serem o espanhol e o português idiomas muito próximos.

Quando se pensa no processo de ensino/aprendizagem de espanhol para brasileiros, essa capacidade de comunicar-se, ou pelo menos de compreender a língua-alvo, parece ser adquirida mais facilmente em relação a outras línguas estrangeiras desde as primeiras aulas (ALMEIDA FILHO, 1995), pois o ambiente de confiança que se estabelece na interação professor – aluno, já na língua-alvo, favorece essa concepção, que González e Celada (2005) definem como ilusão de competência imediata.

Essa “aparente” semelhança entre as duas línguas produz inicialmente uma sensação de confiança no processo de aprendizagem, que de acordo com Salinas (2005) já no

começo desse processo o aprendente já apresenta traços de uma interlíngua que pode se fossilizar numa mistura do português com o espanhol, denominada de “portunhol”, o que faz com que o aprendente acredite estar falando realmente a língua-alvo.

O ensino de espanhol no Brasil não é uma prática recente. No entanto, de acordo com Paraquett (2008) faz pouco tempo que as pesquisas sobre o ensino dessa língua ganharam visibilidade no cenário nacional, devido à demora de implementação de cursos de pós-graduação nessa área, nas universidades brasileiras. Por isso, destacamos, a seguir, algumas pesquisas e artigos que buscaram delinear o ensino de espanhol no Brasil, que nos pareceram pertinente ao tema desta pesquisa.

Fazendo uma análise sobre o ensino do Português Língua Estrangeira, Almeida Filho (1995) propõe uma discussão sobre a necessidade de uma metodologia específica para o ensino de línguas próximas. Ainda que este autor faça esta análise a partir do ensino de Português para falantes do Espanhol, acreditamos ser pertinente para o nosso trabalho, uma vez que o inverso – ensino de Espanhol para falantes do Português – também compartilha a mesma situação.

Antes de discutir sobre a necessidade de uma metodologia específica para o ensino de línguas próximas, o autor busca evidenciar o qual o seu conceito para o termo “metodologia, identificando-o como práticas de ensinar línguas fundamentadas nalguma abordagem prevalente (do professor, dos autores do material, de um colega de Departamento com força de liderança ou poder institucional, ou combinação desses)” (ALMEIDA FILHO, 1995, p.14), uma vez que sua intenção é discutir se há restrições e parâmetros para a elaboração de uma proposta metodológica que melhor se adeque ao ensino de Português a um falante do Espanhol.

A proximidade entre as duas línguas, as tornam mais compreensíveis, principalmente no plano da escrita, favorecendo assim uma aprendizagem mais rápida nos níveis iniciais. Para Almeida Filho (1995) quanto mais letrado for o falante do Espanhol, maior facilidade ele terá para aprender a Língua Portuguesa, uma vez que “já conta naturalmente com conhecimentos e habilidades comuns entre a língua-alvo e a língua de

partida, o que lhes permite iniciar a aprendizagem com índice pós-elementar de compreensibilidade do insumo da nova língua” (ALMEIDA FILHO, 1995, p.15).

Nesse sentido, podemos considerar que o falante nativo do Português quando aprendente do Espanhol é um falso iniciante, pois, dependendo das características pessoais e afetivas do aluno, ele pode avançar mais rapidamente na aprendizagem da língua-alvo, se comparamos, por exemplo, com a aprendizagem de outra LE tipologicamente distinta da Língua Portuguesa. No entanto, essa aparente semelhança pode provocar efeitos adversos. Como a intercomunicação entre os nativos de ambas as línguas é facilitada por essa proximidade tipológica, corre-se o risco de o aprendente, ou inclusive de alguma autoridade de ensino desavisada, acreditar que não é necessário aprender o Espanhol, uma vez que “já o “sabem” naturalmente”, conforme postula Almeida Filho (op. cit.).

Além disso, para este autor, esta semelhança provoca “sentimentos e constatações contraditórias nos aprendentes” (p. 16). Si por um lado o aprendente poderá ter a percepção de que sua aprendizagem será facilitada pelo fato de ter muita semelhança entre as duas línguas, por outro lado, “a mesma tarefa vai ser complicada justamente pela frequente percepção de ausência de claros definidores de aspectos da nova língua” (ALMEIDA FILHO, op. cit., p.16). Acreditamos que isso pode também, influenciar negativamente nos níveis mais avançados, pois os aprendentes podem contentar-se com a interlíngua nos níveis iniciais e se desmotivarem para alcançar uma melhor fluência na língua-alvo.

Diante dessas considerações, Almeida Filho (op.cit.) volta-se para as questões metodológicas, ressaltando que é comum encontrarmos propostas de ensino baseadas numa progressão lenta e gradual dos conteúdos com o foco na descrição das formas e estruturas da língua-alvo. Tais propostas são inapropriadas para o ensino de línguas próximas já que o aprendente já possui estratégias, conhecimentos e habilidades comuns entre as duas línguas, conforme já expusemos acima.

Para contornar esta situação, tão frequente no ensino de línguas próximas, este linguista propõe que os professores busquem desenvolver em sala de aula atividades motivadoras, que proporcionem aos aprendentes uma progressão de experiências de conteúdo. Entendemos também, que o processo de sequenciamento de conteúdos deve ser

mais ágil, para assim possibilitar experiências mais comunicativas por meio de tarefas interdisciplinares ou temáticas, aproveitando inclusive os temas transversais como meio ambiente, relações de gênero, pluralidade cultural, entre outros, propostos pelos PCNs.

Outro ponto discutível nos procedimentos de sala de aula é o que fazer para se desvencilhar da “percepção enganosa da facilidade de aprender língua tão próxima e da dificuldade de não atinar com a diferença fugidia entre a língua-alvo e a língua materna” (ALMEIDA FILHO, 1995, p.18), fatores que podem levar o aprendente a uma acomodação e não prosseguimento com a aprendizagem, contentando-se com chamado “portunhol”. Neste caso, o autor acredita que seria interessante o professor realizar atividades que levem o aprendente a uma autoanálise de sua produção (seja através de gravação de produções oral, seja por meio dos textos escritos) e dessa forma leva-lo a observar as suas imperfeições, ou seja, mostrar-lhe que ainda não sabem bem a língua-alvo e encorajar-lhe para alcançar níveis mais avançados.

Salinas (2005) em seu artigo intitulado Ensino de espanhol para brasileiros: destacar o uso ou a forma?, alerta para o fato de que a proximidade entre o português e o espanhol faz com que o ensino da língua espanhola para brasileiro tenha características específicas, que levem em consideração essa proximidade. Este autor pontua que grande parte do material didático produzido naquele momento para o ensino dessa língua estrangeira não leva em consideração as verdadeiras necessidades dos alunos brasileiros, sendo necessário, portanto, fazer algumas alterações nos materiais existentes e, inclusive, alguns ajustes nos procedimentos e métodos utilizados, para que se possam obter resultados satisfatórios.

Analisando as propostas de ensino de segundas línguas (foco na forma e foco no uso) e, levando-se em consideração a proximidade e o distanciamento entre as línguas, este mesmo autor postula que no caso específico do ensino de espanhol para falantes nativos do português, se torna perfeitamente factível um processo de ensino com base no uso da língua, contemplando uma progressão de conteúdos relevantes e significativos para os aprendentes, possibilitando assim experiências de uso comunicativo, temático ou interdisciplinar.

No entanto, há que se considerar a importância de exercícios de prática de estruturas gramaticais, quando eles forem necessários, uma vez que um ensino estritamente comunicativo aliado à proximidade entre as duas línguas, poderá favorecer a fossilização da interlíngua do aprendente, que acabará “utilizando o português com ‘pinceladas’ da língua- alvo” (SALINAS, 2005, p. 57). Por isso, em palavras deste autor, “o que parece ser necessário é encontrar um meio-termo entre o uso e a forma no ensino-aprendizagem da língua espanhola para alunos lusófonos, de modo que isso possa vir a representar um desafio, incitando neles o interesse pela língua”. (SALINAS, op. cit. p. 59).

Assim, entendemos que a proximidade linguística entre essas duas línguas (Português e Espanhol) requer a utilização de uma metodologia diferenciada e/ou específica para o seu ensino, propondo “atividades que possibilitem reflexões de variadas ordens: linguística, sociocultural, socioeconômica, política, discursiva, etc” (OCEM p. 153), conforme defendem também Almeida Filho (1995) e Paraquett (2008).

Esta última autora, discute o ensino de espanhol no Brasil, por meio de uma análise de três livros didáticos utilizados no país desde a década de setenta, comparando a proposta metodológica explicitada em seus prólogos com as atividades desenvolvidas nas unidades didáticas, com a “intenção de observar a coerência (ou a falta dela)”. Paraquett (op. cit.) postula que a escolha de seu corpus se deve ao fato deles ser produzido em três décadas diferentes (Español en Directo, SGEL 1974, Antena I, SGEL 1984 e Hacia el Español, Saraiva 2000) e, desse modo, representarem esses períodos no que diz respeito às tendências metodológicas. Ainda segundo a autora, antes da década de setenta já havia outros livros didáticos brasileiros, mas foi a partir dessa década que começou a chegar aqui os manuais estrangeiros.

A partir da análise daqueles livros e de uma leitura crítica dos PCNs e das OCEMs, a autora destaca que é evidente a necessidade de se ter uma metodologia que leve em consideração as particularidades da aprendizagem do espanhol por brasileiros, cabendo ao professor, e também aos materiais didáticos, aprofundar o conhecimento prévio dos aprendentes, e não somente repeti-los ou começar de um nível muito iniciante, desprezando toda a bagagem de conhecimentos básicos que aluno já traz consigo – o que é comum

observar na grande maioria dos manuais didáticos de Espanhol – e que a proximidade linguística entre as duas línguas já possibilita uma interação maior desde os níveis iniciais de aprendizagem.

Além disso, como um dos objetivos do ensino de LE nas escolas regulares é colaborar para a formação de um leitor crítico, favorecendo também ao processo de “conhecimento, autoconhecimento, de eliminação de fronteiras e de inclusão social” (PARAQUETT, op. cit. p. 290), faz-se necessário desenvolver atividades que possibilitem aos aprendentes “enfrentar os desafios cotidianos e sociais de viver, adaptando-se a usos diversos da linguagem em ambientes diversos” (OCEM 2006, p. 92), indo mais além do conhecimento metalinguístico da LE estudada, como geralmente costuma acontecer nas escolas regulares.

Concordamos com os autores que apresentamos acima, e acreditamos que o ensino de Espanhol para brasileiros deve ser diferenciado do ensino de outras línguas estrangeiras, uma vez que compartilhamos com essa língua muito da estrutura da nossa língua materna, o que facilita a sua aprendizagem num primeiro momento, mas pode se tornar um elemento complicador em estágios mais avançados.

No entanto, quando afirmamos que o ensino deve ser diferenciado, não queremos dizer que se trate de uma metodologia específica, mas que tenha procedimentos e sequenciamento de conteúdos específicos, que se adequem as necessidades dos aprendentes, conforme postulam Almeida Filho (1995), Salinas (2005), entre outros.

Parece-nos importante destacar, que todos os autores que mencionamos acima concordam que a proximidade tipológica entre ambas as línguas requer um ensino diferenciado, e que não há a necessidade de se fazer um ensino “passo-a-passo comum nas metodologias mais ensinadas, mas sim, a possibilidade de experimentar um ensino significativo por áreas de conhecimento (interdisciplinar).” (ALMEIDA FILHO, 1995, p. 20). Entendemos por ensino interdisciplinar aquele que propicie ao aprendente se apropriar não somente de conteúdos linguísticos, mas também das peculiaridades socioculturais que são manifestadas através da língua e que o faça compreender as outras maneiras de expressar uma realidade diferente da sua.

Nesta seção discorremos sobre os trabalhos e artigos que discutem o ensino da língua espanhola para brasileiros. A seguir, passamos a refletir sobre os pressupostos teóricos que vêm orientando a prática de professores de língua estrangeira ao longo desses anos: a abordagem de ensinar.

Documentos relacionados