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Ensino de Língua Portuguesa

No documento analinaalvesdeoliveiramuller (páginas 35-39)

1.1 Interacionismo Sociodiscursivo

1.1.2 Ensino de Língua Portuguesa

No Brasil, importantes concepções de linguagem foram desenvolvidas durante o século XX, que influenciaram a atividade de ensino da língua. De acordo com Machado (2009), na década de 50 os estudos estruturalistas mantinham a concepção de língua como sistema de regras. A partir da década de 60, com o surgimento da Sociolinguística e da Psicolinguística, a língua começa a ser vista como um fato social, pois essas concepções atribuem valor às diferenças dialetais e sociais. Na década de 70, a língua passa a ser concebida como um instrumento de comunicação; a finalidade de um ensino nessa perspectiva era pouco pragmática e utilitária visando apenas formar alunos como receptores e emissores de mensagens ainda em uma perspectiva do código.

As contribuições do ISD tiveram repercussão no país entre as décadas de 80 e 90, quando iniciaram as mudanças significativas advindas de variadas correntes de estudos linguísticos. De acordo com Machado (2009), com o crescente desenvolvimento desses estudos, a concepção de língua como atividade sócio-interativa é tomada como base dessas variadas correntes, as quais levam em consideração as variedades e heterogeneidade da língua. Assim, as contribuições do círculo de Bakhtin embasam diferentes estudos, nos quais a linguagem como lugar de interação substitui as perspectivas anteriores. Desse modo, iniciou-se uma ampla discussão sobre os pressupostos e suas repercussões para a escola, resultando em uma revisão sobre o ensino de Língua Portuguesa centrado apenas em regras gramaticais, o qual passou a utilizar a escrita e a fala como objeto de análise, reflexão e uso.

Salientamos que mesmo com a ampla divulgação das perspectivas advindas das reflexões de diversas correntes linguísticas do século XX, como o ensino de língua materna numa perspectiva discursiva, como propõe o ISD, percebemos, por meio de pesquisas e inserções em instituições de ensino, que muitos educadores ainda não se apropriaram das “novas” concepções, pois ainda trabalham a partir de frases descontextualizadas e do ensino de regras gramaticais, ainda que se tenha considerado a década de 80 como a da “virada pragmática”. Baltar (2005) realizou uma pesquisa-ação que investigou em que abordagem teórica os professores de língua materna estavam embasados e os professores diziam estar ancorados nos pressupostos da Linguística Textual, porém, ao analisarem suas ações, notaram que davam um enfoque equivocado à Linguística textual quando utilizavam o texto como pretexto para o trabalho descontextualizado da gramática.

Os estudos envolvendo novas interpretações no uso da língua ganharam força e exerceram influências diretamente nas concepções propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino de Língua Portuguesa, sobretudo a perspectiva do ISD. Observa-se nos Parâmetros embasamento teórico que focaliza a tríplice relação uso –

reflexão – uso, além de propostas de trabalho com textos que circulam socialmente em

diversas esferas sociais – em vez de textos forjados com objetivos didáticos – mais condizentes com a realidade dos alunos.

Ressaltamos que a proposta de ensino não exclui as atividades gramaticais nas aulas, mas se estabelece um parâmetro mais adequado para sua abordagem, que não sobrecarrega os alunos com palavreados sem função ensinados exclusivamente pela tradição; pelo contrário, em uma nova proposta, busca-se, a partir dos objetivos do ensino

de língua, ensinar e refletir sobre usos para, então, propor a construção do conhecimento sobre a língua vinculada aos discursos situados em contextos, que tenha função para a comunicação e que possibilite participações nas diversas práticas sociais.

Sendo assim, acreditamos ser necessário que nas práticas de ensino o objeto de conhecimento se paute nos usos e funções sociais da Língua Portuguesa, relacionando os usos que fazemos na escola e fora dela.

Com relação à concepção de língua, com base em Marcuschi (2007), ela é “um conjunto sistemático de práticas sociais, interativas e cognitivas” (MARCUSCHI, 2007, p. 70) e, portanto, nos constitui social e culturalmente. Segundo o autor, a língua é um fenômeno variável, dinâmico, suscetível a mudanças e se manifesta histórica e socialmente de acordo com as condições de produção em situações reais. Segundo o autor, “(...) a língua é atividade conjunta e trabalho coletivo, contribuindo de maneira decisiva para a formação de identidades sociais e individuais” (MARCUSCHI e DIONÍSIO, 2007, p. 14).

Portanto, a língua é tomada como uma atividade de práticas abertas, em que se leva em consideração os aspectos histórico, político, social e cultural em que o indivíduo falante está inserido.

Essas mudanças ocorridas nas últimas décadas no ensino de Língua Portuguesa e as novas concepções de linguagem e língua afloraram com as contribuições de Bakhtin, como já abordamos. As contribuições foram importantes para compreendermos o ser humano constituído pela linguagem na interação, considerando os aspectos históricos e sociais.

Amparada pelos pressupostos do ISD e dos multiletramentos e com o objetivo de refletir sobre o ensino de Língua Portuguesa na contemporaneidade, Rojo (2009) agrupa as atividades sociais de circulação dos discursos em variadas esferas de circulação, as quais a escola deve envolver para ampliar as capacidades de linguagem dos alunos. São elas: escolar, científica, jornalística, artística, política, publicitária e cotidiana. Essas esferas discursivas são onde as atividades humanas de linguagem acontecem de modo diferenciado com sua própria característica de linguagem.

Rojo (2015) apresenta uma nova reflexão sobre as esferas de circulação dos discursos e reconhece o quanto as práticas escolares ainda privilegiam a cultura dita culta sem considerar os multi e novos letramentos, as práticas, procedimentos e gêneros em circulação no mundo hipermoderno atual. A autora reflete a partir do conceito de multiletramentos, o qual considera a multiplicidade de culturas (multiculturalismo) e a

multiplicidade de linguagens (multissemiose e de mídias), conceitos os quais não aprofundaremos neste momento.

O estudo de Rojo (2015) considera que os textos contemporâneos (multissemióticos ou multimodais) envolvem diversas linguagens, mídias e tecnologias e, diante disso, propõe como desafio a necessidade de englobar teoricamente e didaticamente esses novos enunciados dentro da teoria de gêneros de discurso do grupo de Nova Londres. Em busca de alternativas, a autora propõe novamente a organização a partir de esferas de circulação dos discursos como uma possibilidade de contemplar esses novos gêneros, práticas e procedimentos hipermodernos e digitais na escola.

Ao reconhecer a impossibilidade de a escola trabalhar todas as esferas, Rojo (2015) sugere quatro esferas de maior importância na vida cultural, privada e pública, como vemos a seguir:

(a) a esfera jornalística, responsável pelo “controle” e circulação da informação; (b) a esfera da divulgação da ciência, inclusive na escola, responsável pelo “controle” e circulação do conhecimento; (c) a esfera da participação na vida pública (produção e consumo; esfera política etc.), responsável pelo fazer político contemporâneo; (d) finalmente, como ninguém é de ferro, a esfera artístico-literária, por meio da qual se produz cultura e arte e – por que não? – entretenimento na vida contemporânea (ROJO, 2015, p. 141).

Ressaltamos que a base dessa proposta não nega a teoria de gêneros discursivos bakhtiniana, pelo contrário, a toma como base para pensar no aprimoramento dos fazeres educacionais do ensino de língua e permite novas reflexões em vista de um currículo para hipermodernidade.

Rojo (2015) convida-nos a pensar em um currículo multiletrado que leve em conta os novos letramentos da hipermodernidade na escola. Para a pesquisadora, a escola deve propiciar experiências significativas com produções de diferentes culturas e com práticas, procedimentos e gêneros que circulam em ambientes digitais, além dos demais presentes na sociedade e no convívio cotidiano dos alunos. Desse modo, “as demandas sociais devem ser refletidas e refratas criticamente nos/pelos currículos escolares.” (ROJO, 2015, p. 135).

Como mostramos anteriormente, as capacidades de linguagem desenvolvidas pelos estudiosos de Genebra (capacidades de ação, discursiva e linguístico-discursiva) estavam centradas no verbal. A expansão dessas capacidades vem da necessidade de extrapolar o linguístico e o textual, envolvendo o ideológico e o multimodal através das

capacidades de significação e multissemiótica as quais, como já mencionamos, envolvem aspectos de produção de significados para além da materialidade, daquilo que é verbal, mas engloba o sonoro, o visual, o artístico e o digital. Com essa expansão, torna-se potencial o trabalho de exploração das capacidades a partir de uma prática pautada nos multiletramentos, conforme a autora propõe acima.

Em todas as etapas de ensino, deve-se primar pelo contato sistematizado do aluno com os gêneros, de modo que a aprendizagem da língua seja sempre centrada nas situações discursivas já existentes na sociedade ou criadas na escola para a sistematização do conhecimento. Antes mesmo do período de alfabetização, as crianças já estão convivendo, reproduzindo e produzindo diversos gêneros orais e escritos por meio de situações como passeios em que observa-se letreiros, do manuseio de produtos industrializados em casa, do processo interacional com a família a partir das necessidades comunicacionais, entre outras situações. Sendo assim, observa-se que estão imersas em um mundo de diversos letramentos e, com isso, se desenvolvem pela linguagem nas práticas sociais.

Na seção a seguir, trataremos sobre letramentos e alfabetização, por isso, é importante explicar a relação que está sendo estabelecida entre a teoria do ISD com a teoria dos letramentos. Compreendemos que são perspectivas de estudo e pesquisa que envolvem a linguagem que já são “completas” por si mesmas e permitiriam atingir o objetivo proposto nesta dissertação, mas que sendo postas juntas nessa pesquisa contribuem para analisarmos os cadernos do PNAIC nas práticas sociais. Por isso, justificamos essa junção, ainda que ambas apresentem-se numa concepção social e discursiva; entretanto, a perspectiva dos letramentos não se dedica a uma reflexão sobre uma didática de língua materna, propondo uma sistematização de ensino de línguas, a qual encontramos pelas vias do ISD. Também consideramos que, nas pesquisas brasileiras, abordar a alfabetização fora da perspectiva dos letramentos não nos permitiria avançar no tema. Sendo assim, ambas contribuem para pensarmos na análise dos dados sobre práticas interdisciplinares no ciclo de alfabetização.

No documento analinaalvesdeoliveiramuller (páginas 35-39)

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