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Ensino de literatura: passos para sistematizar as atividades

2 O DESPERTAR DOS SENTIDOS

2.3 Especificidades da leitura literária

2.3.2 Ensino de literatura: passos para sistematizar as atividades

Grande parte da responsabilidade para que o letramento literário aconteça cabe à escola, o que não significa que ele deva acontecer unicamente nesse espaço nem que ele se ampara somente na leitura. Considerá-lo somente a ótica do prazer, também é insuficiente para justificar

a necessidade de promovê-lo. É preciso sistematizar o trabalho com o texto literário, sem abandonar, contudo, a fruição.

Soares (2003) atesta a importância da sistematização na escola:

Não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos, saberes, artes: o surgimento da escola está indissociavelmente ligado à constituição de “saberes escolares”, que se corporificam e se formalizam em currículos, matérias e disciplinas, programas, metodologias, tudo isso exigido pela invenção, responsável pela criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem. (SOARES, 2003. p. 20)

Souza e Cosson (2011) também endossam esse pensamento ao afirmarem que o letramento literário “precisa da escola para se concretizar, isto é, ele demanda um processo educativo específico que a mera prática de leitura de textos literários não consegue sozinha efetivar” (p.102).

Além disso, ter em mente como uma atividade está organizada faz com que tanto o professor quanto o aluno saibam onde querem chegar sem desconsiderar os caminhos que percorrerão para atingir o objetivo.

Todavia, o que muitas vezes se evidencia no ambiente escolar é o distanciamento entre as práticas de leitura e escrita que acontecem ali e as que acontecem fora dele. O que revela a premência de atividades que não reduzam a leitura e escrita a ações mecânicas, em substituição a práticas escolares que desvirtuam os propósitos da leitura literária, como o preenchimento de fichas de leitura, cópias de texto, provas e relatórios que não incentivam a leitura e a reflexão sobre os textos.

SCHNEUWLY e DOLZ (2004) defendem que nenhum caminho possibilita ensinar a escrever textos e a exprimir-se em público de modo tão satisfatório como uma sequência didática. Para os autores, uma sequência didática “é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (p. 82), que tem o objetivo de “ajudar o aluno a dominar melhor um gênero, permitindo, assim, escrever ou falar de maneira mais adequada numa dada situação de comunicação” (p. 83).

Isso porque ela pode responder às seguintes “exigências”:

 permitir o ensino da oralidade e da escrita a partir de um encaminhamento, a um só tempo, semelhante e diferenciado;

 propor uma concepção que englobe o conjunto da escolaridade obrigatória;

 centrar-se, de fato, nas dimensões textuais da expressão oral e escrita;

 oferecer um material rico em textos de referência, escritos e orais, nos quais os alunos possam inspirar-se para suas produções;

 favorecer a elaboração de projetos de classe. (p.81)

Embora os autores supracitados referenciem ao trabalho com gêneros textuais, suas concepções reforçam o que defendemos em relação à sistematização do trabalho com o texto ficcional. Nesse sentido, esta pesquisa propôs a elaboração e execução de atividades variadas, bem estruturadas que possibilitaram a troca de experiências interpretativas, promoveu o encontro do indivíduo consigo mesmo e a reafirmação de sua identidade e, em alguns casos, até a descoberta de si mesmo.

Acreditamos que, por meio de passos bem delineados, obtém-se resultados favoráveis que reflitam todo o potencial de transformação que a literatura pode promover. Nossa intervenção respaldou-se nas etapas da sequência básica descritas por Cosson (2018): motivação, introdução, leitura e interpretação, consideradas pelo autor “elementos de interferência da escola no letramento literário” (p.65).

1ª etapa - Motivação: Nesse momento, que sugere-se não ultrapassar uma aula, o aluno é convidado a entrar no texto. Elabora-se uma situação, que pode ser responder a um questionamento ou posicionar-se em relação a um tema, de modo a ser instigado a querer mergulhar na leitura. “O sucesso inicial do encontro do leitor com a obra depende da boa motivação”. (COSSON, 2018, p. 54) Propomos uma atividade em que o aluno, conduzido pelo professor, usará a imaginação para fazer uma viagem sobre um tapete mágico.

2ª etapa - Introdução: Aqui, apresenta-se a obra e, se possível, a biografia do autor ligadas a ela. Essa biografia deve ser breve, pois entre outros contextos, ela é uma das que acompanham o texto. É necessário falar da importância da obra, justificando assim a escolha e mostrá-la, seja fisicamente ou no suporte digital chamando a atenção para a capa, a contracapa, a orelha, o prefácio e outros elementos paratextuais. (COSSON, 2018, p. 60)

3ª etapa - Leitura: Esse é um momento essencial para a proposta de letramento literário. O acompanhamento da leitura, que não dever ser confundido com policiamento, ou seja, vigiar se o aluno está lendo, é feito em intervalos através dos quais o professor acompanha o processo de leitura e o auxilia em suas dificuldades, sejam elas em termos de vocabulário, na interação com o texto ou relacionados ao ritmo de leitura. Verificar e dirimir dificuldades pontuais “é o início de uma intervenção eficiente na formação de leitor daquele aluno” (p. 64). O autor sugere que tais momentos de reflexão e parada podem acontecer em uma roda de conversa, desenvolvendo atividades específicas sobre um capítulo ou consideração de outros textos que tenham intertextualidade com a obra. Definimos, devido ao tamanho da obra, que a leitura

deveria ser feita também em casa. Sistematizamos, ao longo de 19 aulas, momentos de leitura coletiva, atividades variadas que permitissem ao aluno progredir com a leitura

4ª etapa - Interpretação: Essa última etapa tem como ponto mais alto a externalização da leitura, momento em que se compartilham os sentidos construídos individualmente. Constrói-se sentidos por meio de inferências que envolvem o autor, o leitor e a comunidade. Para Cosson (2018), essas interpretações acontecem em dois momentos: um interior, que se dá no ato da leitura, quando se atribui sentido a cada palavra decodificada, um espaço íntimo que leva em conta sua história de leitor, suas relações familiares e tudo que constitui o contexto de leitura; e o outro exterior; quando a interpretação, como ato de construção de sentido, materializa-se por meio de atividades em que os alunos exteriorizam o que compreenderam.

O pesquisador também sugere três técnicas que utilizamos em sala de aula durante a execução das estratégias interventivas. São elas:

 Técnica da oficina: para cada atividade de leitura há uma atividade de escrita correspondente. Também é a base de onde se projetam as atividades lúdicas ou associadas à criatividade verbal. (p. 48)

 Técnica do andaime: como um suporte, o professor permite que o aluno atue na construção do conhecimento sustentando as atividades a serem desenvolvidas de maneira autônoma. “[...] o andaime está ligado às atividades de reconstrução do saber literário, que envolvem pesquisa e desenvolvimento de projetos por parte dos alunos”. (p. 48)

 Técnica do portfólio: registro das diversas atividades realizadas que permitem a visualização do crescimento alcançado pela comparação dos resultados iniciais com os últimos, quer seja do aluno, quer seja da turma. (pp. 48-49)

Conforme preconizado pelo autor, ao professor dá-se a liberdade de aplicar os princípios teóricos e metodológicos desta proposta, adaptando-os às percepções que tem de sua turma, de sua escola.

Ressaltamos, nesta pesquisa, o importante papel do professor como agente que tem a responsabilidade de transformar essa experiência de leitura. Na sequência, trataremos do papel do professor para mediar a leitura com vias ao letramento literário.