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Ensino: “a docência vai ficando realmente no segundo plano”

III. TRABALHO DOCENTE: ENSINO E PESQUISA

3.1 Ensino: “a docência vai ficando realmente no segundo plano”

“[...] a docência, a graduação vai ficando realmente no segundo plano.” (E45)

As atividades de ensino e pesquisa, quando comparadas às demais atividades docentes, isto é, as atividades de orientação, administração, extensão, entre outras, conforme salientamos, ocupam um lugar central no trabalho dos professores universitários.

[...] enquanto professor nós temos que ser transmissores de conhecimento. O [professor] universitário, a única coisa que diferencia, me parece, é que nós temos que, além de transmitir o conhecimento - [...] “professar” significa transmitir o conhecimento gerado pela humanidade na área em que você tem maior domínio [...] -, [...] tem também [...] que gerar novos conhecimentos. (E46)

Contudo, ainda que essas atividades docentes sejam fundamentais no trabalho dos professores, as atividades de ensino, ou de transmissão de conhecimentos, institucionalmente, são desvalorizadas, enquanto as atividades de pesquisa, ou de geração de novos

54 “Tratar o trabalho como uma ‘vocação profissional’ tornou-se tão característico para o trabalhador moderno,

conhecimentos, são mais valorizadas. Conforme acima verificamos, “A graduação, a aula na graduação, concretamente, não rende linha nenhuma no [Currículo] Lattes” (E42). Para Sguissardi e Silva Júnior (2009, p. 144), que localizaram esse fenômeno da desvalorização do ensino e da maior valorização da pesquisa no trabalho dos professores nas universidades federais da região Sudeste, “A aula não rende avanços no Currículo Lattes..., nem na pós- graduação!”, até porque, segundo informa um professor por eles entrevistados, “Aula é aula, virou aula, não é uma coisa que você publica. [...]. A aula está sendo desvalorizada em qualquer nível”. Logo, o que se observa é um processo brutal de desvalorização das atividades de ensino, bem como da própria docência, com presumíveis consequências para a qualidade da formação dos estudantes de graduação e de pós-graduação. Mas, da perspectiva dos professores e do seu trabalho, como se concretiza esse processo institucional de desvalorização das atividades de ensino e da docência?

Partindo da realidade concreta dos professores de sociologia da Unicamp, podemos analisar, não apenas esse processo institucional de desvalorização das atividades de ensino e da docência, como também as transformações nas condições de trabalho desses professores nas atividades de ensino. Para isso, devemos interrogar os depoimentos coletados: quais são as principais atividades de trabalho docente no ensino? Quanto tempo de trabalho é dedicado pelo professor para preparar e dar uma única aula55? Quais são as transformações nas condições de trabalho dos professores investigados nas atividades de ensino?

De início, tendo por base os depoimentos coletados e alguns estudos sobre o trabalho docente na universidade (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009; MANCEBO, 2013), podemos afirmar que as principais atividades de trabalho dos professores no ensino consistem em “dar aulas”, preparar aulas, preparar e corrigir provas e atividades, além da própria relação professor-aluno. A seguir, veremos as características dessas atividades de trabalho dos professores no ensino, a começar pela atividade de “dar aulas”.

A “função de docência” representa uma das “tarefas institucionais” dos professores universitários (E47). É preciso cumpri-la impreterivelmente, pois “não tem como escapar, tem que dar aulas mesmo e pronto” (E48). Todavia, diferentemente dos professores das IES privado-mercantis, configurados em “máquina[s] de dar aula” (E29), os professores investigados ministram, em geral, de uma a duas disciplinas semestrais, sendo no mínimo

55 Aula essa que, por um lado, não serve para “fazer o Lattes” (SILVA, 2009; 2005), e, por outro, não se

duas ou três disciplinas anuais. Contudo, a depender do departamento56 ou de alguma circunstância excepcional, como a realização de um pós-doutorado, o gozo de uma licença especial57 etc., esse número de disciplinas ministradas, tanto semestral quanto anualmente, poderá ser maior. Em média, cada disciplina contém uma carga horária de 60 horas, equivalente a quatro créditos, o que significa dizer que um professor, ao ser responsável por uma única disciplina durante um semestre, ministra, semanalmente, durante 15 semanas, quatro horas-aula. Sendo assim, os professores devem, necessariamente, “dar aula na graduação, dar aula na pós-graduação. [...]. Aulas normais, rotineiras, desde disciplinas obrigatórias, no caso da graduação, [...] ou então disciplinas optativas. No caso da pós- graduação também, poucas disciplinas obrigatórias e a maioria delas optativas” (E51). Devido à adoção de um sistema de rodízio de disciplinas a serem ministradas58, os professores investigados lecionam “um conjunto diversificado de disciplinas” (E53), com diferenças significativas entre si, como é o caso de disciplinas na graduação e na pós-graduação.

[...] os cursos em que eu ofereço disciplinas da pós[-graduação] são os cursos vinculados às

atividades de pesquisa que eu realizo [....]. (E54, itálicos nossos)

[...] a pós[-graduação] permite que o docente se aproxime um pouco mais da sua pesquisa, enquanto a graduação te exige cursos de formação, cursos mais generalistas. De alguma maneira a pós[-graduação] também é um momento que você consegue se aproximar mais da sua pesquisa, seja por orientação, seja por cursos mais específicos. (E55, itálicos nossos)

Embora “dar aulas” na graduação e na pós-graduação constitua-se na mesma atividade de trabalho, há diferenças na docência para esses dois níveis: na graduação os professores ministram cursos de formação geral e profissional, enquanto na pós-graduação os cursos ministrados são mais específicos, vinculados às atividades de pesquisa dos professores. Essa distinção no “dar aulas” na graduação e na pós-graduação aplica-se igualmente no caso das disciplinas obrigatórias e optativas.

56 Conforme afirma um professor entrevistado: “eu dou aula uma vez na semana, mas têm colegas que dão dois

cursos [por semestre] em outros departamentos” (E49).

57 Outro professor entrevistado assim afirma: “quando [você] vai sair, tirar um sabático, você tem que dobrar a carga didática antes ou depois para compensar” (E50, itálicos nossos). Nessa licença especial, comumente

conhecida como “licença sabática”, é concedida aos professores doutores pertencentes ao regime estatutário da Unicamp, a cada sete anos de efetivo exercício, um período de afastamento remunerado de seis meses para “dedicar-se, no país ou no exterior, à pesquisa, estudos ou atividades ligadas à sua função na universidade” (UNICAMP, 1985).

58 Muitos professores entrevistados indicaram a existência de um sistema de rodízio de disciplinas a serem

ministradas, tal como expresso no depoimento a seguir: “os professores que são o núcleo do departamento, eles dão aulas todos os semestres e nós temos um rodízio que é: são dois semestres na graduação e um na pós-

graduação [...]. Então, eu estou neste rodízio, agora estou na graduação, ano que vem eu assumo a pós-

[...] quando você pega uma disciplina optativa, por exemplo, [...] você pode aí pegar uma

disciplina que tem uma relação direta com as coisas que você está fazendo [na pesquisa].

Mas, não sendo assim, você pegando disciplinas obrigatórias - a gente pega disciplinas obrigatórias que as vezes não tem nada a ver com o que você está pesquisando, com o que você está escrevendo -, então são assuntos separados. (E56, itálicos nossos)

O “dar aulas” encontra-se associado a outra atividade de trabalho dos professores no ensino, a preparação de aulas. Decerto, os professores podem “dar aulas” sem qualquer preparação prévia, sobretudo, os professores com mais tempo de trabalho, que contam com larga experiência no magistério e inúmeros cursos e aulas previamente preparadas. Contudo, via de regra, os professores preparam previamente suas aulas. Assim, a preparação de aulas configura-se numa atividade de trabalho rotineira dos professores no ensino. Tal como na docência, verificam-se diferenças que devem ser consideradas na preparação de aulas para a graduação e a pós-graduação.

Na pós[-graduação] me parece que tem um caráter diferenciado, quer dizer, quando eu dou

curso na pós[-graduação] são cursos onde a participação dos estudantes é muito mais intensa em seminários, eles são colegas inclusive, eu sou muito mais um debatedor dos textos, dos trabalhos. Reservo algumas aulas, que eu chamo de “interpretação [...] do curso”, mas

distribuo muitas atividades de discussão de textos com os meus colegas, que são os alunos matriculados. Agora, uma atividade em que eu gasto muito mais tempo de preparar aula é na

graduação do que na pós[-graduação]. Na pós[-graduação] eu vou para debater textos, eu

vou... Agora, uma apresentação mais preocupada com didática, com hora, com interpretação de conceitos... Uma aula na graduação me toma muito mais tempo de preparar do que na

pós[-graduação]. Na pós[-graduação] eu vou debater textos, no meu pressuposto, que tenham

sido lidos por todos os alunos, o que nem sempre acontece ((risos)), mas funciona. E, às vezes, a gente delega muita atividade de debate ao meu colega que é um aluno. (E57, itálicos nossos)

O tempo de trabalho dedicado e as estratégias didáticas empregadas em sala de aula pelos professores são dimensões importantes e devem ser consideradas na preparação de aulas, pois diferenciam a realização dessa atividade de trabalho na graduação e na pós- graduação. Na graduação, o professor dedica um maior tempo de trabalho na preparação de aulas, visto que ele deve se preocupar, além dos conteúdos em si, com a didática, o tempo de ensino, a interpretação de conceitos etc. Já na pós-graduação, o tempo de trabalho na preparação de aulas tende a ser menor, dado que o professor, ao invés de “dar aulas” expositivas, assume a função de debatedor de textos, trabalhos etc., fomentando a participação dos estudantes nas discussões em sala de aula. Por essa razão, a utilização de seminários, enquanto técnica de ensino, é aí muito frequente59. No caso das disciplinas obrigatórias,

teóricas e/ou ainda não ministradas, em especial, na graduação, a preparação de aulas também tende a exigir um maior tempo de trabalho do professor.

Esse semestre é o primeiro que eu vou dar uma disciplina só, mas é uma disciplina que eu

nunca dei, é uma disciplina teórica e muito pesada, tem que preparar insanamente também ((risos)). (E58, itálicos nossos)

Aliás, o último curso que eu dei na graduação [...] eu voltei a estudar, porque eu nunca tinha

dado esse curso obrigatório. Nossa! Ocupava a semana toda lendo os comentadores recentes,

as traduções recentes, os debates nas traduções [...], coisa que eu desconhecia. Nossa! Tem revistas especializadas ((risos)) [...]. Eu fui em busca e foi uma descoberta. [...]. Então eu estudei muito antes de ministrar e durante o curso, os alunos sabiam disso, iam acompanhando. Voltava algumas aulas: “Olha, isso daqui eu descobri agora”. (E59, itálicos nossos)

Nesses dois depoimentos, vale dizer, de professores com mais tempo de trabalho, com larga experiência no magistério, nota-se o que significa preparar aulas de disciplinas obrigatórias, teóricas e/ou não ministradas: uma dedicação considerável de tempo de trabalho docente. Em tom de confidência, o segundo professor nos revela: “ocupava a semana toda”, “estudei muito antes de ministrar e durante o curso”, “coisa que eu desconhecia”, “eu fui em busca e foi uma descoberta” (E59). Já o primeiro professor reconhece: “tem que preparar insanamente também ((risos))” (E58). Considerando o tempo de trabalho dedicado à preparação dessas aulas, as risadas desse último professor parecem ter um efeito catártico.

Por fim, há também diferenças na preparação de aulas para os professores com menos tempo de trabalho e os professores com mais tempo de trabalho. Os depoimentos a seguir - o primeiro, de um professor recém-ingresso na universidade; o segundo, de uma professora com mais tempo de trabalho que reflete sobre a época em que ainda era uma professora recém- ingresso na universidade; e, o terceiro, de um professor com mais tempo de trabalho -, em conjunto, evidenciam essas diferenças.

Principalmente os professores mais jovens [professores com menos tempo de trabalho], demora muito tempo para preparar aula. Eu não estou dizendo isso como algo negativo, é

porque... [...]. Preparar uma aula? Eu passo praticamente essa semana preparando aula. Prepara aula, lê o texto, lê o contraditório do texto, pensar como formula isso, discutir. Lembra? Eu não tenho uma experiência docente lá atrás. Então, eu não tenho cursos acumulados que eu possa sacar e... Eu tenho que preparar, de fato. Demora. (E60, itálicos nossos)

[...] agora recentemente, do ano passado para cá, entraram vários novos docentes no Instituto,

e gente muito jovem inclusive, então é engraçado você conversar com eles que estão chegando, começando, eu me vejo lá quando eu estava começando também. Então preparar aula me tomava a semana inteira, eu não conseguia fazer outra coisa, porque eu lia, lia, lia,

lia e queria ler coisas parecidas de outro autor, e leio um autor e aqui ele está falando outro, e vou lá e leio o outro... Para preparar uma aula eu tomava um tempo, assim, era uma semana inteira. E eu ouço eles falando isso: “Não consigo fazer mais nada, a não ser preparar aula”.

Obviamente, depois de um tempo, você adquire também traquejo, você consegue selecionar aquilo que é importante, o que não é etc. (E61)

[...] depois de um certo tempo isso ocupa menos tempo porque você tem muitas coisas

preparadas. O professor novo tem que preparar cada curso que vai dar. A gente prepara também, mas eu acho que é num nível diferente, porque a carga de coisa acumulada de preparação da gente dá margem para tratar isso com mais facilidade, mas sem mudar de

tema, por exemplo. (E62, itálicos nossos)

Considerando a experiência no magistério e o tempo de trabalho docente, podemos apreender as diferenças na preparação de aulas para os professores com menos tempo de trabalho e os professores com mais tempo de trabalho. Os professores com menos tempo de trabalho, por não terem experiência(s) anterior(es) no magistério, a cada novo curso ou aula a ser ministrada, devem, necessariamente, preparar suas aulas. Todavia, devido à inexperiência desses professores nas atividades de ensino, a preparação de aulas representa uma atividade de trabalho que deve ser paulatinamente aprendida/dominada. Assim, a preparação de aulas tende a ocupar parte significativa do tempo de trabalho dos professores com menos tempo de trabalho, sobretudo, daqueles recém-ingressos na universidade. No caso dos professores com mais tempo de trabalho, por possuírem maior experiência no magistério e inúmeros cursos e aulas previamente preparadas, esses já dominam a arte da preparação de aulas, ou seja, possuem o “traquejo” necessário para realizarem essa atividade de trabalho no ensino (E61). Nesse sentido, o tempo de trabalho dedicado pelos professores com mais tempo de trabalho na preparação de aulas é, necessariamente, menor do que aquele dispendido pelos professores com menos tempo de trabalho. Isso, é claro, “sem mudar de tema” (E62). Ou seja, todos os professores preparam as suas aulas, mas em intensidades diferentes.

Outra atividade de trabalho dos professores no ensino intrínseca ao “dar aulas” é a preparação e a correção de provas e atividades. De maneira geral, os professores necessitam avaliar, de algum modo, por um lado, o processo de aprendizagem dos estudantes, e, por outro lado, o processo de ensino realizado. Neste sentido, as provas e as atividades configuram-se em instrumentos pedagógicos, por excelência, para a realização dessa avaliação. Nas ciências humanas, em geral, e na área de sociologia, em particular, é comum os professores empregarem provas e trabalhos escritos, fichamentos60 e seminários, enquanto instrumentos de avaliação do processo de ensino-aprendizagem. Vejamos a seguir alguns desses instrumentos de avaliação sob a perspectiva do trabalho docente.

Quando eu estou com o primeiro ano eu gosto de dar fichamentos [...] para os alunos. É um negócio que demanda muito trabalho, tipo, pedi quatro fichamentos para eles, então, imagina, 60 alunos, 60 fichamentos. [...]. E aí eu fiquei enlouquecida, assim, foi meio violento de ter 60 alunos [...]. [...] eu trabalhei muito [...]. Eu divido com o PED [- estudante de pós-graduação em estágio docente -], mas no fim das contas é 30 [fichamentos para corrigir] por semana, o que é bastante coisa. E aí eu passei o final de semana corrigindo, porque eu queria devolver antes deles fazerem a prova [...]. Então, eu estava com essa dinâmica de tentar, primeiro, devolver [os fichamentos corrigidos] na semana seguinte, então ralei bastante para isso, e o PED também ralou bastante, mas para eles terem o retorno. (E63)

Eu estou superfeliz, porque semana que vem é a prova da graduação e a prova, apesar de exigir uma preparação, não é o tamanho da preparação de dar uma aula de quatro horas [...]. [Mas] aí tem o rescaldo, que é corrigir todas as provas. (E64)

Por exemplo, eu estou com 35 provas de alunos que eu pedi para eles fazerem em casa, faz três semanas atrás, eu já corrigi as provas, mas eu ainda não consegui passar para o Excel, para o sistema, porque tem que olhar um por um, tem que passar, aí tem que colocar a nota do aluno, essa coisa toda meio técnica assim, do tipo “não dá”. Então, por exemplo, eu chego em casa hoje, eu já estou cansado, não vou fazer isso [...]. Eu deixo para amanhã, aí para amanhã, deixo para amanhã... Então são umas coisas meios chatas, a gente vai adiando. (E65)

Em geral, a correção de provas e atividades demanda muito tempo de trabalho dos professores. Quanto mais estudantes em uma turma, quanto mais provas aplicadas e atividades solicitadas, maior será o tempo de trabalho dedicado pelo professor. Se determinado professor solicita aos seus estudantes que elaborem quatro fichamentos ao longo do semestre, vale dizer, em uma turma de 60 alunos, deverá ele corrigir um total de 240 fichamentos. Mesmo que divida essa atividade de trabalho com um estudante de pós- graduação em estágio docente - é preciso dizer que isso nem sempre acontece -, ainda assim restarão 120 fichamentos a serem corrigidos por esse professor. Mas, suponhamos que esse mesmo professor também aplique uma prova aos 60 estudantes, prova essa que deverá ser elaborada previamente, o que demandará mais tempo de trabalho docente, então terá ele, além dos 120 fichamentos, mais 60 provas a serem corrigidas. Contudo, se esse professor optar por devolver aos seus estudantes os fichamentos corrigidos antes da aplicação dessa prova, provavelmente parte do seu tempo de não trabalho, como os finais de semana, os feriados etc., estará comprometido com a correção desses fichamentos. Por fim, o professor deverá ainda contabilizar as notas e faltas dos estudantes, inserindo-as no sistema eletrônico acadêmico. Isso, é claro, “sem contar o assédio dos alunos [via e-mail], porque agora a gente fica muito menos preservado. Então: ‘Professor, você errou minha nota’, ‘Professor, você esqueceu que eu não vim no dia do seminário porque eu estava doente. Eu apresentei o atestado’.” (E66). Enfim, eis as vicissitudes referentes à preparação e à correção de provas e atividades sob a perspectiva do trabalho docente.

Finalmente, dentre as principais atividades de trabalho dos professores no ensino, destaca-se a relação professor-aluno. É preciso dizer que a relação professor-aluno se constitui no coração das atividades de ensino, pois sua finalidade é a construção de laços, vínculos e relações entre o professor e os seus estudantes, facilitando o processo de ensino- aprendizagem. Nessa atividade de trabalho o professor atua como mediador cultural entre os estudantes e os bens culturais que serão aprendidos/conhecidos (SNYDERS, 1996). Com efeito, “dar aulas”, preparar aulas e preparar e corrigir provas e atividades só tem algum sentido quando se estabelece a relação professor-aluno. Qual o valor de uma aula na qual os estudantes sequer prestam atenção? Por que preparar aulas se o foco dessas não será a aprendizagem dos estudantes? Para que aplicar uma prova se os estudantes não conseguirão resolvê-la e, com isso, ficarão desmotivados? O que essas perguntas evidenciam nada mais é do que a importância da relação professor-aluno no processo de ensino-aprendizagem. Todavia, do ponto de vista do trabalho docente, a relação professor-aluno compreende o envolvimento afetivo e emocional do professor com os seus alunos, como já bem demonstraram outros estudos (CODO, 1999; TARDIF; LESSARD, 2014). Trata-se da dimensão subjetiva do trabalho docente, que deve ser considerada enquanto aspecto constitutivo do trabalho dos professores nas atividades de ensino.

[...] relação professor-aluno, né? [...]. Estou dando “[Sociologia de] Durkheim”. No começo do semestre uma aluna veio falar comigo que não conseguia fazer essa matéria por causa do conteúdo. Eu falei: “Mas por quê? Muita coisa? Faz fichamento”. Falei: “Não, vamos conversar, tenta fazer [...] [em outro turno] então, que o [...] [outro professor] só da prova”. “Não. Mas o conteúdo é o mesmo?”. “Como assim? Os livros? Ah, acho que são”. Fui conversando até que a menina falou assim: “Não [...], eu não consigo ler um livro específico da sua disciplina”. E aí que caiu a minha ficha que, tanto na minha disciplina quanto na [disciplina] do [...] [outro professor], tem O suicídio61 como um dos livros para a gente

debater. Imediatamente eu falei: “Olha, você não precisa ler esse livro, você não precisa aparecer nessas aulas, mas tenta fazer o curso, ver até onde vai”. Mas, assim, porque essa pessoa veio conversar comigo também dizendo que é a terceira vez que tenta fazer [essa disciplina], mas não consegue, por causa desse gatilho que acende. E aí são questões que a gente não pensa na hora que está montando [o programa de curso]. Mas aí eu também fiquei assim: “Não posso me furtar a tirar um livro que é fundamental do debate. Mas como que a gente organiza isso, com essas demandas que forem aparecendo?”. Então tem muita coisa que