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3 O ENSINO DOS JOGOS ESPORTIVOS DE INVASÃO NAS AULAS DE

3.3 O ensino dos Jogos Esportivos de Invasão: saberes corporais, conceituais e

As aulas da unidade didática desta pesquisa se apoiaram em modelos ativos de ensino, principalmente quanto à forma de desenvolver as intervenções numa perspectiva da conscientização tática dos/as participantes.

Dentre esses modelos, destaca-se o modelo de ensino dos jogos para a compreensão, formalizado por Bunker e Thorpe em 1982, definido como Teaching

Games for Understanding (TGfU). O TGfU tem as suas raízes num movimento

reformador do ensino dos jogos iniciado nos fins dos anos 1960 e anos 1970 do século XX, na universidade inglesa de Loughborough (GRAÇA; MESQUITA, 2007).

Segundo Teoldo et al. (2010, p. 69), o modelo indica que os temas de ensino sejam “[...] baseados em pressupostos táticos do jogo e que sejam realizados em formas de jogos reduzidos de modo a maximizar e motivar a participação”. Para os autores, o TGfU acolhe as ideias construtivistas sobre o papel ativo do/a aluno/a no processo de aprendizagem e adota um estilo de ensino em que o/a praticante é exposto/a a uma situação problema (situações táticas do jogo) e é incitado/a a buscar soluções, a verbalizá-las, a discuti-las, a explicá-las, ajudado/a pelos questionamentos e estratégias propostas pelo/pela professor/a.

Monjas (2006) considera o „modelo compreensivo‟, que foi desenvolvido pelos espanhóis Devis y Peiró (1992), baseado nas ideias procedentes do contexto britânico na Universidade de Loughborough (Inglaterra), um dos que mais se ajusta aos interesses formativos da escola e mostra uma clara inclinação para os esportes de cooperação e oposição, ainda que possam ser aplicados em outras categorias de esporte. Ainda de acordo com o mesmo autor, o modelo com enfoque compreensivo tem como base os jogos modificados (com os mesmos objetivos dos jogos oficiais, mas com regras diferentes, mais acessíveis e possíveis); enfatiza a cooperação; tem caráter inclusivo; foca em experiências esportivas variadas e globais centradas no pensamento tático (integrado à técnica); desenvolve situações de jogo adaptadas ao contexto, de modo que o/a aluno/a consiga desenvolver consciência tática para transferir para outros contextos fora da escola; além de abranger os níveis conceituais (por exemplo, propiciando aos/as alunos/as compreensões de conceitos como desmarcar-se, aproveitar os espaços, organizar- se defensivamente/ofensivamente), procedimentais (diálogos sobre os possíveis conflitos que emergem da partida, participação em eleições para formação de equipes, acordos de regras) e atitudinais (respeito às regras do jogo, aos/às companheiros/as, aos/às adversários/as, etc.).

Ao apresentar uma sequência de uma unidade didática sobre a iniciação esportiva na escola, Monjas (2006) indica algumas ideias. De forma geral, as sessões25 se iniciam com conversas sobre: regras básicas; os agrupamentos mistos; as explicações do conteúdo e das atividades; as recordações de comportamentos e atitudes dos/as jogadores/as; os conceitos e ações a serem realizadas nos jogos; os possíveis problemas a serem encontrados; com a utilização

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de vídeos, dentre outras ações. No seu desenvolvimento, a quantidade de atividades desportivas (jogos com regras acessíveis e possíveis) varia de acordo com aquilo que foi planejado para a unidade. As sessões apresentadas contêm em torno de três a seis atividades, por exemplo, jogos como “bola ao cesto”, “dez passes”, “derrubar o cone”, “1 contra 2”, dentre outros. A finalização da aula, na maioria das vezes, consiste em realizar reflexões sobre as maiores dificuldades encontradas, opinar sobre a participação e inclusão de todos/as, falar sobre a motivação e o entusiasmo causados pelas atividades e as adaptações; conversar sobre o trabalho coletivo da turma, avaliar a aplicação das regras, esclarecer possíveis críticas com relação aos/às colegas etc.

Se a aprendizagem compreensiva está atrelada aos níveis conceituais, procedimentais e atitudinais, podemos abordar o ensino dos jogos esportivos de invasão, conforme González e Bracht (2012, p. 49), organizando os saberes específicos a respeito do esporte, isto é, a partir dos eixos: a) Saberes Corporais (saber fazer), eixo que reúne conhecimentos com base na experiência/ação corporal; b) Saberes Conceituais (saber sobre) que englobam os “[...] saberes relativos aos conjuntos de dados e conceitos que escrevem e explicam diferentes aspectos relativos a essa prática corporal sistematizada”; e, finalmente, c) Saberes Atitudinais, correspondentes aos valores e normas fundamentados em princípios éticos que perpassam por qualquer processo de ensino.

De acordo com os autores, os saberes corporais, para fins didáticos, podem ser organizados em quatro categorias: a) Tática Individual (adaptações conscientes diante das funções dos/as adversários/as); b) Habilidades Técnicas (competências motoras que solucionam os problemas para atingir os objetivos; c) Combinações Táticas (ações individuais coordenadas e entrosadas com dois/duas ou mais jogadores/as); d) Sistemas de jogo (organização e coordenação dos/as jogadores/as de uma equipe).

Com relação aos saberes conceituais dos esportes de invasão, González e Bracht (2012) os definem como informações, ideias e teorias que permitem conhecer melhor o fenômeno em estudo. Nesta dimensão, os autores identificam dois tipos de conhecimentos: os conceituais técnicos e os conceituais críticos. Os saberes conceituais técnicos estão articulados aos elementos necessários para a compreensão das características e do funcionamento da prática corporal sistematizada. Já os conhecimentos conceituais críticos, por sua vez,

baseiam-se em saberes que tematizam e contextualizam o lugar ocupado pelo esporte/prática corporal em cenários socioculturais específicos. Contudo, González e Bracht (2012) enfatizam que a Educação Física Escolar não deve se limitar a ensinar os saberes conceituais e corporais específicos dos esportes, mas, também, contribuir com saberes que possibilitem a (re)construção de atitudes, valores, normas, comportamentos éticos que sejam condizentes com o sistema político democrático e republicano.

Partimos da perspectiva de uma sociedade democrática e republicana, conceituada por Fensterseifer e González (2013, p. 1), que “[...] consiste basicamente em tornar pública a responsabilidade pela condução das questões que dizem respeito a todos” e todas. Os autores destacam a complexidade desta forma de sociabilidade humana (democracia), pois nela é preciso, além de considerar as diferentes posições das pessoas que convivem numa sociedade, possibilitar a todos e todas a capacidade de dar uma opinião concreta. E sobre os valores republicanos, os autores citados entendem que são fundados:

[...] 1. Na igualdade de direitos (isonomia); 2. No princípio de que o bem privado não pode dirigir o bem comum; 3. No governo das leis que são comuns aos cidadãos e por eles forjadas e revistas; 4. Na existência da esfera pública como lugar de manifestação da pluralidade de opiniões e demandas da cidadania (FENSTERSEIFER; GONZÁLEZ, 2013, p. 3).

Portanto, os saberes atitudinais estão atrelados à formação cidadã dos/as alunos/as, sendo assim, valores como solidariedade, igualdade, respeito, liberdade surgem na perspectiva de questionar atitudes pautadas pelo preconceito, injustiça e intolerância. Tanto no tratamento didático dos saberes conceituais críticos como dos saberes atitudinais, a lógica externa exerce um importante papel como fonte desses dois tipos de conhecimento.

Partimos dessas referências para a Educação Física e compreendemos que, a partir delas, conseguimos (re)construir uma metodologia ativa de ensino, autoral, na perspectiva de fomentar tanto a participação mais igualitária de meninas e meninos nos JEI como nos debates e nas problematizações sobre as desigualdades de gênero circunscritos nos cenários esportivos e sociais.

Em termos gerais, é preciso considerar que na educação surgiram as metodologias ativas e houve um movimento semelhante em outros campos, como

no ensino do esporte, que avançou para além das metodologias tradicionais26. O intuito aqui não é o de aprofundar sobre cada uma das metodologias, mas, como afirma Moran (2015), enfatizar que elas incentivam a habilidade de o/a aluno/a investigar, refletir e criar mediante a uma situação específica, propondo que o/a aluno/a seja o centro do processo de aprendizagem e se torne o/a responsável pela construção de conhecimento. A proposta é que haja a utilização de recursos variados, como vídeos, imagens e textos em diversos formatos. O/A professor/a é compreendido como um/a mediador/a que estimula a crítica, as discussões e a reflexão dos/as estudantes/as.

No mesmo sentido, Monjas (2006) defende que as metodologias ativas são muito mais apropriadas ao contexto das aulas de Educação Física escolar, pois tratam de implicar ativamente o sujeito na sua aprendizagem ao levar em conta seus interesses. O autor enfatiza ainda que a atenção não está na atividade, mas, sim, no sujeito que aprende em consonância com os interesses e finalidades educativos.

Pautados/as pelas referências utilizadas que nos proporcionaram um embasamento teórico, decidimos nomear de „Metodologia da Experiência Crítico- Afetiva‟ o conjunto de estratégias de metodologias ativas aqui utilizadas durante a implementação da unidade didática. Essas formas de metodologias ativas nos serviram de pilares para as aulas de Educação Física que buscaram oportunizar a superação de desigualdade de oportunidade que meninos e meninas vivenciam no cotidiano escolar, especialmente, nos espaços e tempos destinados às práticas esportivas.

Importante aqui destacar que, por não termos identificado, em outras metodologias ativas, algumas particularidades do que foi realizado na pesquisa, escolhemos um nome que acreditamos representar a forma como trabalhamos em uma nova proposta de ensino.

Nomeamos como “experiência” por considerarmos a experiência como algo que contamina, “[...] é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (LARROSA-BONDÍA, 2002, p. 21), pois afeta e gera algum tipo de afeto no sujeito; e, nomeamos como “crítico” porque além de os/as alunos/as terem participado e

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Com base em Monjas (2006), consideramos aqui os métodos tradicionais como aqueles que seguem uma progressão de ensino da técnica para a tática, enquanto que os métodos ativos são os que partem do jogo global e da aprendizagem que o sujeito tem por ele mesmo, seguindo consequentemente uma orientação diferente que vai mais pela tática do que pela técnica.

usufruído das ações dos jogos esportivos de invasão, eles/elas refletiram sobre essas ações e trouxeram para a consciência elementos atitudinais circunscritos nas práticas esportivas e sociais, em especial assentados nas questões sobre gênero.

De acordo com Larrosa-Bondía (2002), a experiência (palavra que vem do latim experiri, provar; experimentar) não se configura como informação. Aliás, a informação é tida quase como uma antiexperiência, justamente por não deixar espaço para a experiência acontecer. Um sujeito pode estar com muitas informações, porém, se nada lhe toca, nada lhe acontece. O autor salienta o quanto, no mundo moderno, as experiências têm se tornado cada vez mais raras às pessoas, pela obsessão às opiniões (que também anulam as possibilidades de experiência), pela falta de tempo (os estímulos são fulgazes e instantâneos) e pelo excesso de trabalho (experiência não é conversão de créditos, mercadorias ou valor de troca). É o fato de a pessoa precisar sempre estar em atividade que não lhe é “permitido” parar e, não podendo parar, nada lhe acontece.

A experiência:

[...] requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião [...] cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA-BONDÍA, 2002, p. 24).

Como o autor nos sugere, se há experiência é porque houve abertura (para o desconhecido), exposição, receptividade, formação, transformação e paixão do sujeito. E para cada sujeito ela acontece de forma singular, de uma maneira única e impossível de ser repetida.

Nomeamos, portanto, de Metodologia da Experiência Crítico-Afetiva uma proposta que engloba as ideias de uma experiência genuinamente pautada pelos saberes corporais, que valoriza os saberes conceituais técnicos e críticos e seja mediada pelos afetos, atitudes e valores.

Nossa intenção não se reduz a inventar ou inaugurar uma nova proposta metodológica, mas definir uma proposição conceitual que represente o que foi realizado durante a pesquisa, principalmente pelo fato de perceber nas diversas facetas da Pedagogia do Esporte e/ou dos modelos de ensino do esporte a ausência de um “olhar” voltado para questões sociais emergentes (racismo, gênero, violência

etc.) de um modo geral e, especificamente neste estudo, para as questões do gênero na Educação Física escolar.

No próximo capítulo, apresentaremos o caminho percorrido para a implementação da unidade didática orientada pela Metodologia da Experiência Crítico-Afetiva e a investigação e análise correspondentes a todo o processo.

4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

A seguir, apresentaremos o percurso investigativo assumido pela pesquisa-ação, o contexto da pesquisa, as características dos/as participantes, os instrumentos de produção de dados, que foram os diários de aula, as narrativas individuais e em pequenos grupos e a observação das gravações em vídeo dos JEI e a maneira como analisamos os dados.