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2.7 OSCAMINHOS INVISIVEIS

2.7.2 Ensino

Desde a fundação da Loja Maçônica de Cachoeiro de Itapemirim – 1897 – localizada na rua 25 de março, próxima ao centro simbólico, essa organização mantinha em suas dependências uma biblioteca 325. Essa era frequentada por várias pessoas, inclusive por aqueles que não possuíam condições financeiras de manter uma biblioteca particular e, dessa forma, constituíam outro caminho, diferente daquele instituído pela cartografia.

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Entrevista concedida por Felipe Mello, em 7 de maio de 2017.

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Na entrevista de 7 de maio de 2017, Felipe Mello fez uma distinção: quem adquiriu os ônibus foi Victório Perim, que não possui relação econômica com os proprietários do Supermercado Perim do Guandu e do bairro Santo Antônio, bem como do Perim Center, no bairro Caiçara.

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MACIEL, 2003, op. cit., 76.

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Uma outra possível tática almejada não somente pelas crianças e adolescentes do Guandu, mas também de outros bairros periféricos, era a esperança de serem admitidos no Grupo Escolar Bernardino Monteiro, na Escola Pedro Palácios, que depois passou ser denominada de Liceu Muniz Freire. Isso porque, devido à qualidade de ensino oferecida por essas instituições de ensino, os estudantes viam como uma grande possibilidade de romper a estrutura social elitista por meio da meritocracia.

2.7.3 As organizações políticas

Em algum momento entre o ano de 1906 e início de 1907, um trabalhador conhecido apenas pelo primeiro nome - Paulo -, foi espancado arbitrariamente por um policial em meio a rua 25 de março, e o caso ficou por isso mesmo. Consternados com o episódio, Atanagildo Araújo e Alexandre Alves Martins mobilizaram outras pessoas e criaram, em 13 de janeiro de 1907, o Centro Operário de Proteção Mutua. Os objetivos da associação eram resolver “ [...] questões trabalhistas [...], formar um pecúlio que servisse para pelo menos dar um enterro ao sócio, criar uma escola para alfabetização de adultos, cursos de profissionalização e de corte e costura”326

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O Centro Operário de Proteção Mutua, em Cachoeiro de Itapemirim, chegou “a ter 1220 sócios, o que era uma quantidade muito grande para a cidade nos anos 10” 327 acabou se tornando um terreno onde varias astúcias se intercruzaram. Isso dito porque, é de estranhar que, um dos mentores da associação, Atanagildo Araújo, funcionário da Estrada de Ferro Caravelas, não fizesse parte da mesa diretora do Centro Operário de Proteção Mútua. Ora, talvez ele assim preferisse??? Mas qual motivo de uma organização operária vir aglutinar tanto estes quanto homens amealhados da sociedade cachoeirense? Por que desde a sua fundação, os presidentes da associação sempre foram os próprios prefeitos da cidade, médicos ou professores?

A criação do Centro Operário de Proteção Mútua se deu após as greves de 1903 e 1904 que ocorreram no Rio de Janeiro - as quais culminaram, naquele

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CARVALHO, 2005, op. cit., p. 59.

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último ano, na Revolta da Vacina -, como também no porto de Santos e em São Paulo. A partir daí, o governo do Brasil passou reprimir esses movimentos, através de um violento aparato policial e com a expulsão do território nacional de trabalhadores urbanos imigrantes, acusados de disseminarem, nesse primeiro momento das greves no Brasil, as ideias anarquistas328.

As revoltas e greves que explodiram no Rio de Janeiro e São Paulo no princípio do século XX, não eram norteadas pelos preceitos do movimento trabalhista, tal como surgiram na Europa ao longo do século XIX. A natureza das organizações de trabalhadores no Brasil eram desprovidas de uma ética individualista e, possuíam nitidamente os traços comunitários das irmandades religiosas, das festas populares das associações beneficentes 329.

Assim dito é possível concluir que os sócios do Centro Operário de Proteção Mútua em Cachoeiro de Itapemirim, não se consideravam iguais, mesmo porque eram patentes as diferenças de ordem social. Contudo, essas a cada último domingo do mês e, nos demais encontros promovidos pelo Centro Operário de Proteção Mútua, eram substituídas por um “[...] sentido integrativo de solidariedade vertical [...]”330, onde por algumas horas se concretizava a ideia de comunidade:

Abre-se uma janela do Centro Operário. Será a aula de Dona Palmira em 1920 ou há reunião para discutir os estatutos? Durante toda a minha infância eles discutiram os estatutos. Eu não podia entender nada, mas não havia pontos terrivelmente sérios. Era ‘Centro Operário de Proteção Mútua’ ou ‘Centro Operário e de Proteção Mútua’? Pela noite afora, ano após ano, um mulato meio velho e magro, de óculos, o dedo em riste, a voz rascante, atacava com extraordinária ferocidade aquele E. Não conseguiu derrubá-lo; os operários talvez se sentissem fracos sozinhos, precisavam daquele E que os conjugava com outras camadas sociais. Ficou o E, meu pai foi diretor, e quando morreu teve auxílio no enterro, tudo sem ser operário, tudo graças àquele E. Sem o E eu talvez não estivesse estudado ali, não me sentaria no comprido banco, onde o último da esquerda era o preto Bernardino e à direita o rosto lindo de Lélia, com seus cabelos doces e uma covinha quando sorria. Quando não estavam discutindo os estatutos, ou providenciando um enterro de sócio, com a bandeira do Centro em cima do caixão, os operários E

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CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados – o Rio de janeiro e República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 134.

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CARVALHO, 2003, op. cit., p. 141 a 143.

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todos que queriam proteção mútua estavam dançando; sons de pistom atravessam meu sonho infantil [...]”.331

Essa natureza do Centro Operário de Proteção Mútua acabava por criar um espaço para uma tática: muitos trabalhadores atravessavam a cidade, rompiam com as regras impostas pela divisão do espaço urbano para participarem das reuniões. Por exemplo, o ferroviário José Cupertino Baptista, morador do Guandu, levava os seus filhos – Deusdedit 332

e Demisthóclides 333 - às reuniões da entidade. Os dois, ainda muito jovens já trabalhavam: o primeiro, foi jornaleiro, ajudante de serviços gerais nos barracões da estação ferroviária e operário na Fábrica de Tecidos; e o segundo, ferroviário.

Mas também não é possível deixar de identificar nas relações travadas no interior do Centro Operário de Proteção Mútua uma combinação do patriarcalismo colonial 334 com o darwismo social que fomentava uma outra tática: os associados de menor poder aquisitivo não exerciam a liderança, apenas os coronéis, os médicos e advogados. Esses elementos da elite decidiam e / ou falavam em nome dos associados provenientes das classes sociais menos privilegiadas porque estes eram considerados incapazes de gerirem uma organização politica. E isso era fato, já que não possuíam escolaridade.

Assim, para os representantes das elites, ser um membro do Centro Operário de Proteção Mútua era uma oportunidade para se garantir, no momento das eleições, apoio politico e reservas de votos, não somente da entidade, como também de outros trabalhadores não filiados. Isso dito porque, um possível

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BRAGA, Rubem. Crônicas do Espírito Santo. Vitória: Fundação Ceciliano de Abel de Almeida / UFES e Secretaria da Educação e Cultura do Espírito Santo ed., 1984, p. 78 e 79.

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Advogado e professor em Cachoeiro de Itapemirim. BERMUDES, Sérgio. Liberto da morte. In: PARAISO, Bruno Torres Paraíso (org.). Deusdedit Baptista – cidadão em tempo integral. Rio de Janeiro: Booklink Ed., 2006, p. 9.

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Demisthóclides Baptista, advogado, em 1964, era presidente do Sindicato do Trabalhadores da Estrada de Ferro Leopoldina (Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais) e deputado Federal pelo estado do Rio de Janeiro. Quando retornou do exílio politico no Uruguai, deu continuidade as suas mesmas atividades até o seu falecimento em 199. In: FARIA, Antônio Augusto Moreira de e PALHARES, Dimas, Alberto Gazola. Memória, linguagem e transporte público: “Batistinha”, líder ferroviário até 1964. XX Congresso de Transporte e Trânsito, 2015, Santos/SP. XX Congresso Nacional de Transporte e Trânsito. São Paulo/SP: ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), 2015. p. 1 a 9. Disponível em: http://ongtrem.org.br/wp-content/uploads/sites/8/2015/07/ANTP-2015_Artigo-Batistinha_FINAL.

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candidato as eleições locais ligado Centro Operário de Proteção Mútua era visto como alguém muito próximo ao povo, o que vem explicar a presença de profissionais liberais filiados a associação335.

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