• Nenhum resultado encontrado

Ensino Superior

No documento Download/Open (páginas 32-36)

Capítulo I – A educação como mercado: uma análise da LDB

4. Ensino Superior

No que se refere ao Ensino superior, a LDB estabelece no Artigo 43 as finalidades que deverão ser perseguidas. Em sete incisos estão delineadas as preocupações que as instituições do Ensino superior em nova legislação deverão seguir. Dentre eles, o inciso VI se destaca na preocupação antes apontada nos demais níveis de ensino. Nele lemos: “estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade”.

Esta preocupação faz eco as exigências antes observadas e já comentadas no artigo terceiro da Lei. No que se refere às condições que as instituições de ensino superior terão que obedecer para cumprir suas finalidades, a LDB a partir do artigo 44 passa a relatar os limites bem como os objetivos a serem cumpridos. Logo a partir do inciso I do artigo 44, pode-se notar uma concessão aos interesses privados presentes na educação. No referido inciso figura a possibilidade dos chamados “cursos seqüenciais” que se caracterizam por uma atenção às demandas do mercado e não da pesquisa, uma vez que são regidos pelas

necessidades apresentadas por um determinado público consumidor, público este que se tornou alvo preferencial das instituições privadas do ensino superior.

O maior destaque dado pela LDB à normatização do ensino superior recai sobre as instituições públicas do ensino. Quanto as instituições privadas, as referencias encontradas estão no âmbito da regularização de suas atividades – processos regulares de avaliação e credenciamento – e também no estabelecimento do ano letivo, fato este comum às instituições públicas e privadas.

O tema da autonomia universitária aparece com destaque a partir do artigo 54, contudo parece ser pertinente somente às instituições públicas, uma vez que toda a caracterização da autonomia universitária diz respeito a organização e normatização do serviço público. Dessa forma, ainda que de maneira não explícita, a LDB coloca em diferentes patamares as instituições de ensino. Como o espaço dedicado às instituições públicas de ensino superior é maior do que aquele dedicado ao ensino privado, pode-se ler daí que a instituição pública tem o dever de atender a pesquisa e a instituição privada tem a vocação de responder ao mercado.

Quando tomamos em consideração as questões relativas ao ensino superior no Brasil, temos que levar em conta também o seu processo histórico. Ao contrário do que aconteceu nos demais países da América Latina, a universidade no Brasil só foi implantada após 300 anos de colonização.

As razões para esta demora podem estar ligadas ao desinteresse inicial que a metrópole (Portugal) manifestou pela colônia brasileira. O Brasil era apenas uma rota de passagem e nesta condição, não oferecia razões para um investimento na área educacional nem mesmo nos níveis mais básicos, o que dizer então do nível superior. Os doutores e bacharéis que aqui haviam à época do Império eram ou pertencentes ao clero ou filhos de grandes proprietários e comerciantes. Em ambos os casos eram formados nas universidades européias, em particular a Universidade de Coimbra, que até o século XVIII sofreu grande influência dos jesuítas, grupo religioso que comandava a catequização em terras brasileiras.

Um aspecto histórico importante no surgimento dos cursos superiores no Brasil deve ser aqui analisado. O primeiro curso superior criado no Brasil data de 1808 e se trata de uma escola de medicina, aberta em Salvador/BA, a fim de atender as necessidades trazidas pela transferência da família real para o Brasil. À época as tropas de Napoleão proibiram o ingresso de navios americanos na Europa fato este que impossibilitou o envio de jovens brasileiros para as universidades européias, como até então se fazia.

Em ordem cronológica os primeiros cursos superiores criados no Brasil foram: Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia (18/02/1808), Faculdade de Medicina (Anatomia) no Morro do Castelo no Rio de Janeiro (05/11/1808), Faculdade de Direito de Olinda, posteriormente transferida para Recife (11/08/1827) e Faculdade de Direito de São Paulo (11/08/1827). Em 1855, esses quatro cursos totalizavam 1076 alunos, sendo 584 destes alunos de Direito. A faculdade que contava com o maior número de alunos era a Faculdade de Direito de Recife, que possuía 320 alunos matriculados naquele ano.10

Essas referências históricas nos são valiosas na medida em que demonstram um dado importante: o ensino superior nasce no Brasil dentro de uma concepção individual e não universitária. São criados cursos pontuais e profissionalizantes, aptos a atender a demanda da época. Qualquer semelhança que observarmos na atualidade não será mera coincidência.

A primeira universidade brasileira data de 1920 e foi criada no Rio de Janeiro. Na verdade, foi a primeira tentativa de estabelecimento de uma universidade uma vez que se tratou de uma mera reunião de cursos dispersos unificados pela presença de uma reitoria. Essa mesma universidade na década de 30 passou a se chamar Universidade do Brasil mas não chegou, a princípio, incorporar um projeto universitário propriamente dito pois apenas representou a reunião de dois cursos privados – Faculdade Livre de Direito e a Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais -, com os cursos federais representados pela Escola Politécnica e a Faculdade de Medicina. A articulação dos cursos ficou a cargo do

10 Os dados foram coletados na obra LDB e Educação Superior: estrutura e funcionamento, de Paulo

Conselho Universitário e da Reitoria criados por decreto em 07 de setembro de 1920.

Chama-se de projeto universitário a visão capaz de integrar os cursos entre si, dando-lhes um núcleo comum (quase sempre representado na Faculdade de Filosofia) e a partir desse núcleo de formação comum, o ensino dos saberes específicos. Levando esses aspectos em consideração, a primeira universidade brasileira é de fato a Universidade de São Paulo (USP), criada em 1934 nessa inspiração integradora. Note-se portanto, que foram necessários mais de 400 anos de colonização e urbanização para que o país viesse a conhecer a sua primeira universidade nos moldes europeus.

A busca pelo ensino superior se intensifica nas décadas subseqüentes. Com a extensão da educação básica e do ensino médio – em processo que culminou na década de 60 -, mais pessoas buscaram a excelência da formação em nível superior. A partir da década de 80 o sistema público de ensino de nível superior já se encontrava totalmente saturado, de modo que as portas foram abertas para as instituições privadas:

“Como o poder público mostrou-se incapacitado para ampliar a oferta de vagas em sua própria rede de ensino, dado o esgotamento de seus recursos orçamentários, concederam-se facilidades à iniciativa privada para a abertura de novos cursos. O ensino superior pago, em período noturno, brotou por toda a parte, fazendo com que antigos educandários, principalmente religiosos, se convertessem em faculdades, além de atrair todo tipo de empreendedores, e até mesmo de aventureiros, movidos pela alta lucratividade desse novo negócio.” (SOUZA, 2001, p. 17)

Nesse contexto se insere a LDB. A saber, em um contexto histórico que revela a fragilidade da concepção do que é de fato o ensino superior, aliado a um oportunismo de ganhos e lucros ilimitados proporcionados por uma demanda crescente e um investimento público proporcionalmente inverso às necessidades apresentadas pelo setor.

No documento Download/Open (páginas 32-36)

Documentos relacionados