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Entra em pauta a velhice como um “problema social em si” na sociedade moderna

2 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

7 A “TRAGÉDIA DO ENVELHECIMENTO” COMO EXPRESSÃO DA “VELHA” QUESTÃO SOCIAL: ELEMENTOS PARA PENSAR E PROPOR UMA

7.1 Entra em pauta a velhice como um “problema social em si” na sociedade moderna

A ênfase na problematização do envelhecimento, no espaço público e na dimensão de segmento populacional, essencialmente forçada pelas questões relacionadas ao trabalho, só passou mesmo a ser desenvolvida, sistematicamente, a partir do século XVII, na Europa ocidental, com a transição do modo de produção feudal para o capitalista mercantil, quando “o envelhecimento das primeiras gerações de operários marcou a associação entre velhice, pobreza e incapacidade” (DEBERT; SIMÕES, 1994). Engels (2008, p. 136, grifo do autor) traz uma noção

dessa realidade deletéria, ao denunciar a situação paupérrima da classe trabalhadora na Inglaterra onde, nas suas palavras, “a sociedade comete, a cada dia, e a cada hora, o que a imprensa operária designa, a justo título, como

assassinato social”. Os operários, nas palavras de Engels, são levados a uma

“situação tal que não podem conservar a saúde nem viver muito tempo”, pois

naquela sociedade, pouco a pouco, suas vidas são debilitadas, “levando-os ao

túmulo precocemente”131

.

Tal realidade, ou seja, a situação de pauperismo associando velhice precoce, pobreza e incapacidade, demandou certa atenção na concepção burguesa sobre a proteção social, até então condenada pela ideologia liberal. Era preciso prestar algum tipo de assistência àquela população. Contudo, essa assistência aos pauperizados, vem dizer Fleury (1994), obedecia a uma lógica de proteção residual, filantrópica, cujo princípio seria o da caridade, provocando efeitos discriminatórios e

status de desqualificação atribuído aos assistidos. Não sem intencionalidade, os

indivíduos perdiam, ao demandarem esse modelo de proteção social, a capacidade de exercerem seus direitos civis e políticos. Realidade esta que não me parece anacrônica quando reflito sobre as atuais condições de vida de mulheres velhas e homens velhos confinados no que se convencionou chamar de Instituição de Longa Permanência para Idosos/as (ILPI), em se tratando, neste caso exemplificado, de

Instituições que não passam de meros “depósitos”132, destinadas a receber

indivíduos pobres, sozinhos e/ou abandonados, tão pobres que são levados a se

submeterem mui rapidamente às “normas” internas dessas “ILPI para pobres” –

131

Para ilustrar o seu argumento, no seu livro, Frederico Engels (2008, p. 147) faz referência a um relatório sobre as condições sanitárias das classes trabalhadoras, cujos dados demonstram que, “em Liverpool, em 1840, a duração média de vida era de 35 anos para as classes altas (gentry, professional men etc.), de 22 anos para os homens de negócios e os artesãos abastados e de apenas 15 anos para os operários, os jornaleiros e os servidores domésticos”.

132 Não faz muito tempo, desde que fomos surpreendidos, aqui no Brasil, pela barbárie sofrida – e não

há outra palavra – por pessoas idosas, quando, em 1996, o país se chocou com a exposição midiática de uma das maiores tragédias envolvendo casas geriátricas. A clínica Santa Genoveva, localizada no bairro de Santa Teresa/RJ, foi fechada pelo Ministério da Saúde após 156 idosos terem morrido, entre janeiro e junho, devido aos maus tratos sofridos. A falta de médicos, a má conservação de alimentos e água contaminada foram fatores que contribuíram para um quadro acentuado de diarréia e desnutrição o que, consequentemente, acabou provocando a maioria das mortes. Em 2005, os donos da instituição foram acusados por maus-tratos e lesões corporais seguidas de morte, mas foram absolvidos. O fato pode ser considerado um marco, pois acordou o país para uma realidade enconberta pelos muros da institucionalização. Contudo, não se trata aqui de tomar esse mau exemplo como parâmetro universal, pois há Instituições sérias, nas quais as pessoas vivem com dignidade. Eu, inclusive, estou sendo acolhida numa destas, aonde mulheres, assim como eu, vão e voltam por decisão e conta própria, e não consigo imaginar em que outro espaço encontraria as condições ótimas para estudar e produzir esta tese.

assim como existe o “SUS para pobres” –, perdendo rapidamente a noção de tempo e de espaço; a liberdade de ir e vir, pois, em nome da segurança há cadeados trancando os portões, sem que os “institucionalizados” recebam cópias das chaves; a liberdade de exercer o credo religioso, principalmente se a ILPI está vinculada a uma determinada “congregação” religiosa, onde os credos distintos provavelmente não terão espaço para serem exercidos; liberdade de manifestar a sexualidade, tomando como exemplo o fato de, em geral, as ILPI serem criadas para receber mulheres ou homens e, no caso de serem mistas, tendem a segregar os gêneros; enfim, haveria um rosário de perdas a serem colocadas aqui, mas eu estaria fugindo dos meus objetivos. Fica, portanto, uma provocação a ser considerada em se tratando dessa “política” que, a meu ver, é mais uma dentre as muitas que estão sendo negligenciadas pelo Estado e repassadas à rede privada, filantrópica, de assistência, sobre a qual, salvo o olhar dos familiares e conhecidos que visitam essas pessoas velhas institucionalizadas (quando são visitadas), e a fiscalização da Anvisa e do Ministério Público (quando são fiscalizadas), ficam praticamente isentas

do Controle Social133. Essa medida de proteção social, que provoca a perda dos

direitos civis e políticos, é uma das modalidades históricas de enfrentamento às expressões da questão social que serão aperfeiçoadas com o passar do tempo. Na contemporaneidade, exemplificando mais uma vez a partir de Netto (2010, p. 2), a

face da barbárie se evidencia na “articulação da repressão aos pobres com a

minimização dos programas de combate à pobreza” – é conveniente mencionar o

Benefício de Prestação Continuada (BPC)134, destinado ao velho pobre, um

autêntico exemplo da proteção ao capital pela via do incentivo ao consumo em

133

Para normatizar a adequação e o funcionamento de ILPI, no Brasil, a ANVISA aprovou, mediante a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 283, de 26 de setembro de 2005, “o Regulamento Técnico que define normas de funcionamento para as Instituições de Longa Permanência para Idosos, de caráter residencial [...]” (AGENCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2005). A respeito das ILPI, é recomendável a leitura do importante estudo coordenado por Ana Amélia Camarano (2008), pesquisadora do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), sobre as Características das Instituições de Longa Permanência para Idosos em todo país, publicado em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), em 2008.

134

A Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003, o Estatuto do Idoso, no Capítulo VIII, Da Assistência Social, em seu Art. 34 trata do Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantindo aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, 1 (um) salário-mínimo mensal, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) (BRASIL, 2003).

detrimento da proteção ao trabalho que se realizaria pela via da emancipação

humana135.

7.1.1 A expressão “questão social” no debate contemporâneo à luz da contribuição do Serviço Social

Por não haver um conceito único sobre a categoria questão social, faz-se necessário recorrer à produção de conhecimento do Serviço Social para esclarecer o que está sendo aqui adotado. Na dinâmica dos conflitos de interesses e lutas de classes e das respostas arrancadas/elaboradas pelo Estado às necessidades sociohumanas, Netto (2001, 2010) remete a gênese da expressão questão social à

terceira década do século XIX, quando foi usada – por críticos sociais de

diferenciados lugares do espectro ideopolítico – para definir “o fenômeno do

pauperismo” que “crescia na razão direta em que aumentava a capacidade de

produzir riquezas”, evidente na Europa ocidental, como resultado dos impactos da

primeira onda de industrialização, iniciada na Inglaterra, no final do século XVIII. Nesse contexto histórico, a questão social, ao expressar o fenômeno do pauperismo, tem relação direta com seus desdobramentos sociopolíticos marcados, principalmente, durante a primeira metade do século XIX, pela revolta dos pauperizados. Portanto, cabia na expressão questão social a perspectiva ideopolítica de uma reversão da ordem burguesa que legitimava o pauperismo. Em decorrência da Revolução de 1848, as expressões ideais do campo burguês foram abaladas, assim como a base da cultura política que alicerçava o movimento dos trabalhadores,

trazendo à luz o caráter antagônico dos interesses fundamentais, acarretou a dissolução do ideário formulado pelo utopismo [...] uma das resultantes de 1848 foi a passagem, em nível histórico-universal, do proletariado da condição de classe em si a classe para si (NETTO, 2001, p. 44, grifo do autor).

Após a Revolução de 1948, “um divisor de águas”, no dizer de Netto (2010, p. 5), haverá “a interdição da compreensão da relação entre desenvolvimento

135 Nas palavras de Guerra (2007, p. 143, grifo do autor), “esta ‘nova’ maneira de considerar a

assistência social, que se viabiliza por meio da Constituição de 1988 como um direito dos indivíduos e, por isso, como forma de atribuir cidadania aos ‘excluídos’, acaba constituindo-se no objetivo final da intervenção profissional. A cidadania, entendida como uma forma de igualdade no plano jurídico, encontra-se ancorada no direito burguês, já que a sua outra face compõe-se da desigualdade econômica [...]”.

capitalista e pauperização”. A expressão questão social deslizou para o vocabulário do pensamento conservador (laico e confessional), perdeu sua estrutura histórica determinada e passou a ser naturalizada. Nessa visão conservadora,

o cuidado com as manifestações da ‘questão social’ é expressamente desvinculado de qualquer medida tendente a problematizar a ordem econômico-social estabelecida, trata-se de combater as manifestações da ‘questão social’ sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa (NETTO, 2001, p. 44).

Iamamoto (2001, p. 10) chamará a atenção para o fato de, no debate contemporâneo, numa perspectiva sociológica, a questão social ser entendida enquanto disfunção ou ameaça à ordem e à coesão social, vindo a ser apresentada como uma “nova questão social”, resultante da inadaptação dos antigos métodos de gestão social, ou seja, produto da crise do Estado Providência. Tomando como exemplo Robert Castel (1998, p. 12), este, ao analisar a realidade na França, no início do século XX, critica o uso da expressão como sinônimo da questão da

exclusão e define a questão social como “aporia fundamental sobre a qual uma

sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura”. Para o autor, a exclusão, quer seja total ou parcial, é sempre o resultado de procedimentos oficiais e representa um verdadeiro status. Nessa linha de pensamento, resume Luiz Eduardo Wanderley (2000, p. 56), a questão social significa, desde logo, saber quem estabelece a coesão e em que condições ela se dá numa determinada sociedade. Outro autor, Pierre Rosanvallon (1998), associa e delimita a questão social no contexto das disfunções da sociedade industrial emergente, no final do século XX, e identifica o surgimento de uma “nova questão

social” a partir da inadaptação dos antigos métodos de gestão do social, no final dos

anos 1970, caracterizando a crise do Estado Providência. Na crítica encaminhada às visões expressas por Rosanvallon e Castel, Maranhão (2008, p. 96) destaca que, para o primeiro autor, a antiga questão social diz respeito ao conflito entre proletariado e burguesia, ou seja, a contradição entre capital e trabalho, representação superada pelo Estado Social europeu; da mesma maneira procede o segundo autor, ao assumir a ideia de que o atual quadro de exclusão traria um caráter inédito aos conflitos sociais contemporâneos. Assim, conclui Maranhão, para além da generalização de aspectos específicos da realidade europeia e das sérias implicações políticas dessas teses, o conceito de exclusão social, ao se ater aos

fatos empíricos, observáveis, fragmenta a realidade social e mistifica as determinações imediatas desse fenômeno.

Durante a pesquisa realizada nos anais, trazendo a discussão ao campo empírico, ficou nítida a contribuição dada pela ABEPSS a partir do momento em que instituiu a questão social como eixo temático ou grande eixo do ENPESS, criando um espaço para essa necessária discussão na produção de conhecimento do Serviço Social, seja em que campo ou área for. Mesmo porque, apesar desta ser uma discussão essencial ao Serviço Social, enquanto categoria profissional, no Artigo S32082 (SOUZA, 2010), que se propõe crítico, está colocada uma perceptível contradição no texto que discute a questão social, evidenciada pelo fato de abranger e agregar conteúdos críticos da produção de conhecimento do Serviço Social, inclusive, o conceito adotado por Iamamoto (referido adiante), e ao mesmo tempo deixar a impressão de ter sido adotado o conceito conforme defende Castel (referido anteriormente). Prosseguindo com a análise dos resultados da pesquisa a partir dos parâmetros definidos junto aos orientadores, creio ser oportuno, neste momento, registrar que, diferente de “centralidade do trabalho” e “reprodução social da velhice”, “questão social” foi o principal descritor e conteúdo mencionado (68,4% e 72,7%, respectivamente), vindo em seguida “totalidade social” (26,3% e 18,2%, respectivamente). Inclusive, dos cinco Artigos que apresentam estudos fundamentados na concepção teórico-metodológica dialética, quatro trazem questão

social como um de seus enfoques privilegiados. Para ser mais específica, abordam

o tema da “violência contra a pessoa idosa” como expressão da questão social. Em razão dos objetivos deste Capítulo, presumo ser importante comentar e/ou citar, desde aqui, alguns trechos extraídos desses Artigos. Assim, no Artigo S14080 (GUIMARÃES, 2008), não obstante haver na descrição de seu objetivo (“[...] promover um estudo analítico do fenômeno da violência contra a pessoa idosa [...] enquanto questão social e expressão do avesso da cidadania”) menção à violência sofrida pelos velhos como uma questão social, o fato parece ter sido mais um vacilo que uma constatação após a finalização da leitura do texto. Este vem trazer elementos críticos e categorias sociais, remetendo o conteúdo à visão totalizadora, obviamente, sendo aqui considerado o limite do espaço definido para esse tipo de produção acadêmica. Contribuição também encontrada no Artigo S33124

(GUIMARÃES, 2008), onde a violência é apreendida a partir das relações sociais capitalistas, no qual se faz a seguinte leitura:

importa frisar, que a sociedade capitalista tem uma natureza violenta, à medida que poucos têm muito e muitos não têm nada; à medida que o conjunto das relações sociais, no geral, é mercantilizada e o poder do dinheiro quase tudo compra ou quase tudo pode. Nessa sociedade, o ser idoso, no global, é considerado improdutivo como força de trabalho necessária aos processos principais de reprodução do capital: um ser julgado descartável como força de trabalho propulsora de lucros, embora seja fundamental como comprador de serviços e consumidor de mercadorias. Essa mesma sociedade obriga o idoso, muitas vezes, a permanecer no circuito do mercado de trabalho para poder sobreviver.

No Artigo S36106 (GÓIS, 2010), de maneira semelhante, é apresentada “uma reflexão acerca da violência [...] qualificando-a como uma expressão da questão social e como avesso da cidadania”, sendo oportuno ainda destacar que, segundo consta nesse Artigo, “a violência se expressa como manifestação da questão social dentro da lógica mercadológica das relações capitalistas, que reforça a idéia de competitividade entre indivíduos”. Em se tratando de desafios, aspecto retomado mais adiante, no Artigo S26087 (MULINARI et al., 2010), está colocado:

o desafio posto cotidianamente ao Serviço Social é fazer a leitura da realidade, delimitar quais são as expressões da questão social - já que esta é o objeto de trabalho do Serviço Social -, para que seja possível uma leitura critica e propositiva da realidade e assim articular estratégias e possibilidades para a intervenção profissional, e, por fim, possibilitar o acesso aos direitos.

Assim como procederam as autoras e autores desses Artigos que discutem categorias da teoria social crítica, diferente da perspectiva conservadora, interessa aqui adotar, conforme ensina Iamamoto (2001, p. 10), a “questão social enquanto parte constitutiva das relações sociais capitalistas, apreendida como expressão ampliada das desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social”. E Netto (2001, p. 45, 48, grifo do autor), sempre iluminado pela teoria marxiana, amplia o significado que deu origem à expressão e

esclarece que a questão social é um “complexo problemático muito amplo,

irredutível à sua manifestação imediata como pauperismo”, sendo a questão social – e suas expressões – “insuprimível sem a supressão da ordem do capital”. Ambos os

autores – Netto e Iamamoto –, à luz da teoria crítica, vão sustentar a tese da

inexistência de qualquer “nova questão social”. No entanto, esse não tem sido o único entendimento manifestado na produção de conhecimento do Serviço Social.

7.1.2 Outro entendimento sobre a “questão social” protagonizado pelo Serviço Social no Brasil nos anos 1980

Na década de 1980, Marcelo Salgado (1982, p. 18-19), compondo a equipe técnica do Serviço Social do Comércio (SESC), publicou o livro intitulado Velhice,

uma nova questão social, inegável contribuição ao debate sobre o envelhecimento

na época do seu lançamento. Apesar de não ficar muito claro o conceito adotado a respeito da expressão questão social, o autor indica a necessidade de ampliar as ações direcionadas a um grupo que se entendia minoritário, para uma atenção especial da coletividade, diante da magnitude da população envelhecida, exigindo “uma política ampla e expressiva que suprima definitivamente a cruel realidade que espera aqueles que conseguem viver mais”. Salgado denunciava a escassez de “pesquisas criteriosas sobre os diversos aspectos e condições de vida do idoso”, ao mesmo tempo em que anunciava a criação do Centro de Estudos da Terceira Idade

(CETI) do SESC/São Paulo, com a finalidade – segundo suas próprias palavras –,

precípua de pesquisar a questão social do idoso no Brasil, e de produzir estudos que possam melhor orientar a ação dos técnicos brasileiros que militam no campo da Gerontologia. Com relação ao SESC, considerada a época em que o livro foi escrito, vale salientar a sua relevância enquanto espaço socio-ocupacional para a atuação dos profissionais do Serviço Social. Neste caso, a referência se faz mais especificamente à Unidade em São Paulo, “entidade pioneira no continente latino- americano, em dirigir programas socioculturais a esse grupo etário”.

Quando, no campo da Gerontologia Social, a produção do Serviço Social se fazia por essa via de pensamento, em outra via, a importante contribuição de Haddad (1986) a respeito das questões pertinentes ao estudo sobre o envelhecimento humano, embasada na perspectiva crítica marxiana, foi apresentada no seu livro A ideologia da velhice. O conteúdo foi dedicado a conhecer o sistema de representações sobre a etapa final da vida humana, através da compreensão de três ordens de discursos citados como dominantes pela autora: da Gerontologia e Geriatria; do Estado brasileiro e do SESC. Ao analisar o discurso ideológico, tomando como referência as publicações do SESC, inclusive citando o CETI, Haddad (1986, grifo do autor) enfatiza a preocupação da entidade com o que foi denominada “questão social do idoso”. Na sua crítica, a autora entende que o

objetivo do SESC assenta-se em, pelo menos, três ordens de paradoxos que vão desde a incompatibilidade entre o “problema social do idoso” e as soluções buscadas via instituições; passando pela identidade entre o “problema social do idoso” e “marginalização social”; à via da “educação” apontada como solução para o referido problema. A socióloga será contundente ao afirmar que tais paradoxos desconsideram a “tragédia do envelhecimento” enquanto extensão da tragédia de vida no interior do modo de produção capitalista, produto das relações sociais historicamente determinadas, ocultando, intencionalmente, a desigualdade social e, por decorrência, as condições objetivas de existência do aposentado da classe trabalhadora, que não é marginalizado, mas explorado e oprimido (HADDAD, 1986, p. 89). Na sua análise, vale o registro, a Educação Permanente propagada pelo SESC,

reflete o imaginário endoidecido pela crença cientificista na solução do “problema da velhice” a partir do próprio homem. Por enconbrir as condições reais de vida do velho da classe trabalhadora, acaba, numa ânsia louca, por responsabilizar o idoso pela tragédia em que se vê mergulhado. [...] Ao lado do sentimento de responsabilidade, é inculcado no velho o sentimento de culpabilidade. [...] Trata-se de uma educação da alienação, para a alienação e pela alienação. A educação alienante, inerente a essa mistificação pedagógica, faz parte do que denominamos a lógica da questão da velhice na ação do Serviço Social do Comércio (HADDAD, 1986, p. 93).

Na crítica realizada por Haddad, gerontólogos e geriatras, a partir da análise de seus discursos, serão denominados “ideólogos a serviço da classe dominante”, cujas representações sobre a velhice, não levando em conta as condições objetivas de trabalho na sociedade capitalista, fazem parte da pseudoconcreticidade. Nas palavras da autora,

as ligações da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) com organismos internacionais como a ONU e o Centro Internacional de Gerontologia Social (CIGS) vão além das proclamações das trocas de informações entre comunidades científicas: a hegemonia exercida por esses organismos está implícita nas declarações de geriatras e gerontólogos brasileiros e se expressa nas propostas feitas por eles (HADDAD, 1986, p. 35).

Para Haddad (1986, p. 36), esses ideólogos atuarão na perspectiva de disseminar uma proposta de “preparação para o envelhecimento” condizente com o receituário expresso pela ideologia burguesa, predominante no sistema capitalista internacional, ignorando as forças reais que explicam o processo de surgimento da problemática da velhice. Assim, a “pedagogia da velhice” encerra em si mesma uma