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A entrada de africanas e africanos em terras sergipanas

No século XVIII, segundo Cândido Souza, boa parte dos traficantes de escravizados Cidade da Bahia residiam na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, nas proximidades do porto325. Após as viagens esses escravizados eram vendidos em lojas, alguns dos africanos encerravam sua viagem na Cidade da Bahia. Outros ainda iriam percorrer longas estradas ou ainda viajar em embarcações menores até alcançar seu destino final. A Cidade da Bahia foi o porto de entrada de africanos para a as capitanias de Minas Gerais, Goiás, Sergipe Del Rey, dentre outras326.

As rotas e maneiras que os africanos chegaram à Capitania de Sergipe Del Rey eram terrestres e marítimas. O principal porto de entrada para os africanos que viviam em Sergipe, nas mais diversas vilas, era a já citada Cidade da Bahia. Encontrei indícios de escravos africanos que foram traficados da Bahia para Lagarto, São Cristóvão, Santo Amaro, Povoação de Capela e em Estância. Em 1774, o Capitão José Pinheiro Lobo, morador de Vila Nova, comprou um escravizado em São Cristóvão327. Esta vila, que fazia fronteira com a Capitania das Alagoas, tinha senhores que adquiriam seus escravos na sede da Ouvidoria da Capitania de Sergipe Del Rey, africanos ou não. Ressalto que os moradores de Vila Nova se queixavam de não ter tido acesso à mão de obra escrava durante a primeira metade dos Setecentos328. Os africanos comercializados na Cidade de São Cristóvão eram, possivelmente, provenientes da Cidade da Bahia. Dessa maneira, deduzo que mesmo as Vilas sergipanas mais longínquas da Bahia recebiam africanos provenientes do Porto de Salvador.

Nos Setecentos têm-se a notícia de que João Lopes Fiúza, um dos grandes traficantes de escravos e plantador de fumo da Cidade da Bahia, também tinha propriedades nos sertões de Sergipe Del Rey. Segundo Souza, nestas propriedades eram produzidos o fumo, aguardente e farinha de mandioca, além do criatório de gado. O 1715-1750). In: Afro-Ásia, 36, 2007. pp.39-80; SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da Cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2000. SOARES, Carlos Eugenio Líbano. “INSTRUÍDO NA FÉ, BATIZADO EM PÉ”: batismo de africanos na sé da Bahia na 1ª metade do século XVIII, 1734-1742. In: Afro-Ásia, 39 (2010), 79-113. KARASH, Mary. Centro-africanos no Brasil Central, de 1780 a 1835. In: Diáspora Negra no

Brasil. Linda M. Heywood (org). São Paulo: Contexto, 2008.

325 SOUZA, Cândido Eugênio D. “Perseguidores da espécie humana”: capitães negreiros na Cidade da

Bahia na primeira metade do século XVIII.Salvador: dissertação de mestrado, história social, 2011.

326 KARASH, Mary.op. cit

327 Testamento de Capitam Joze Pinheiro Lobo, 22/12/1774, cx. 62. 328

NUNES, Maria Thétis. Sergipe Colonial I. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviedo Teixeira, 2006.p. 215

autor citado concorda com Kátia Mattoso que um mesmo personagem podia transitar entre a agricultura, o comércio e as atividades de crédito, sendo essas fronteiras muito tênues329. Assim, o Lopes Fiúza, por exemplo, era senhor de engenho, traficante e, ainda, possuía outras propriedades que produziam produtos importantes para a economia do período. Podemos inferir que ele fosse um dos fornecedores de escravizados para as terras sergipanas, pois alguns desses produtos possivelmente eram utilizados no tráfico negreiro como o tabaco e a aguardente. A farinha de mandioca também teve uma grande importância no tráfico, pois os escravizados durante a viagem comiam pirões de farinha de mandioca e, assim, iam se acostumando com a dieta das Américas330.

Nos testamentos realizados em Sergipe há o nome de alguns traficantes da Praça da Bahia. Antônio da Costa Roza, que vivia em São Cristóvão, devia a Verissimo dos Santos Marques a quantia de 438$000 réis. Esse traficante fez viagens com o navio Saudades do Sul para a Região de Congo e Angola no final dos Setecentos e inicio dos Oitocentos. Outro traficante identificado foi Inocêncio José da Costa, que além de comprar açúcar dos senhores sergipanos também era envolvido com os negócios do tráfico, pois seu nome consta entre os capitães do navio Nossa Senhora do Rosário e Almas que navegava para a Baía do Benim.331 O valor devido ao traficante indicia a compra de mais de um escravizado. E através desses indícios, temos algumas localidades que teriam sido os portos de saída e/ou locais que nasceram alguns dos africanos residentes nas terras sergipanas.

Em alguns casos, os senhores que residiam em Sergipe pediam para pessoas de sua confiança ou comerciantes de Sergipe que iam a Cidade da Bahia trazer para eles os africanos escravizados. Esse foi o caso de Pedro angola, o seu senhor, Joaquim de Santa Ana que residia na Vila de Lagarto, pediu para que seu irmão, João Baptista de Santa Ana, o comprasse na Cidade da Bahia. Pedro foi comprado em tenra idade por 126$000

329 SOUZA, Cândido Eugênio D. “Perseguidores da espécie humana”: capitães negreiros na Cidade da

Bahia na primeira metade do século XVIII. Salvador: dissertação de mestrado, história social, 2011.pp.71-72

330 ALENCASTRO, Luis. F. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII, São Paulo, Companhia das Letras, 2000.pp.251-252.

331 http://www.slavevoyages.org/tast/database/search.faces acessado dia 20 de fevereiro de 2014. AGJSE,

Cartório de São Cristóvão, Livros de Testamentos - Cx. 62 - Lv. 03 - pp. 54-61. 1800, Testador: Antônio da Costa Roza. AGJSE, Cartório de São Cristóvão, Livros de Testamentos - Cx. 62 - Lv. 03 - pp. 54-61. 1780, Testador: capitam José Alves da Roxa.

réis e, em 1814, tinha 26 anos332, possivelmente esse escravo entrou nas terras brasileiras no final dos Setecentos.

A mesma situação foi a de João de Andrade Vieira que declarou em seu testamento que devia ao Padre Francisco Moniz de Mello a quantia de 255$00 réis, provenientes de uma escrava que o religioso comprara na Cidade da Bahia a José Joaquim Machado333. Situações como essa foram mais comuns no século XVIII, momento que o número de comerciantes nas terras sergipanas era pequeno. Com a chegada de novos comerciantes e com o acúmulo de capital dos mesmos, outras possibilidades tornaram-se possíveis para as pessoas que desejavam ter africanos entre suas posses.

Pedro, angola, possivelmente não veio em um “lote” de escravos. Situação diferente foi vivida por Joaquim Catende e João, também angolas. Joaquim foi comprado com mais outros escravizados na cidade de Salvador pelo seu senhor, Domingos Dias Coelho e Mello, em 1828. Domingos, senhor do Engenho Grilo, na povoação de Itaporanga, resolveu ir à capital da Província vizinha para adquirir escravizados, possivelmente em um momento que estava renovando a mão de obra, ampliando ou formando um novo engenho334.

Em 1801, Clara Perpetua de Amorim, moradora de Santo Amaro, possuía entre os seus escravizados 20 africanos recém-chegados, 14 homens e 6 mulheres, que ainda não tinham sido batizados.335 Esta senhora provavelmente também adquiriu esses escravizados em grupo possivelmente na Cidade da Bahia, o trajeto percorrido por esses escravizados nos é desconhecido.

Em outras ocasiões os escravos que eram vendidos em Sergipe iam de comboio e, em alguns casos, andando por vários dias. Havia uma rota que passava por Lagarto e na freguesia de Nossa Senhora dos Campos do Rio Real que, depois, alcançava São Cristóvão. Foi assim que João, de nação angola, entrou nas terras sergipanas no início do XIX. Em 1826, o capitão Antônio Teles de Menezes, proprietário do engenho Dira, comprou o escravizado João a José Thomé, um comerciante baiano que vendera

332 AGJSE, Cartório de Lagarto, Cx. 01/1206 - Justificação cível de 15/02/1814. Justificante: Joaquim de

Santa Ana- morador de Lagarto.

333

AGJSE, Cartório do São Cristóvão, Livro de testamento, caixa 03.69 Página 75v, 18/07/1830. Testador: João de Andrade Vieira.

334 AGJSE, Cartório São Cristóvão, Cx. 03/33 - Justificação civil de 13/03/1848. Justificante: Domingos

Dias Coelho e Mello.

escravizados em outras Vilas da Província. O senhor de engenho além de João comprou também outro lote de escravizados336.

Existia uma rota de gado e de outros produtos que saia de Salvador passava por parte Recôncavo Baiano, Feira de Santana, passava pela atual Alagoinhas, em seguida Inhambupe, a ultima Vila baiana era Itapicuru. Nas terras sergipanas, Freguesia de Nossa Senhora de Campos, posteriormente a sede da Vila de Lagarto e em seguida Laranjeiras337. Possivelmente essa foi a rota também utilizada por traficantes que utilizaram as estradas terrestres para transportar escravizados.

No comércio entre a Bahia e as Minas existiam várias categorias de comerciantes ambulantes, dentre eles os camboieiros, que transportavam majoritariamente escravos, ou seja, os responsáveis pelo tráfico interno. Alguns comboios eram formados por 4, 16 ou 32 escravos, denotando que o número de escravizados variava conforme o lote. Estima-se que 40% dos africanos que chegaram à Bahia no século XVIII foram para as Minas, uma média de 1.560 cativos por ano, transportados por camboieiros338.

O comércio interno entre as Capitanias e, posteriormente, Províncias de Sergipe e Bahia era intenso. Percebe-se, desta forma, a força desse tráfico interno. Alguns dos escravos que eram conduzidos já tinham proprietário, os senhores encomendavam e pagavam aos comboieiros pelos escravizados que desejavam ou eles mesmos iam escolher seus escravizados nos mercados baianos. A outra possibilidade é que comerciantes compravam os escravos e os levavam para as terras sergipanas para serem vendidos. O já mencionado José Thomé possivelmente era uma espécie de comboeiro, já que circulou na Província com um lote de escravos que não era reduzido, pois o capitão Antônio Teles de Menezes comprou alguns escravizados ao comerciante que, por sua vez, vendeu outros escravos para outras pessoas339. Ele é, possivelmente, o comerciante, ou vendia escravizados que ele comprou ou revendia para um comerciante

336 AGJSE, Cartório São Cristóvão, Ação de justificação de João angola, Escravos, 06/06/1827, Cx.01.31,

1º oficio, São Cristóvão.

337 LOPES, Rodrigo Freitas. Nos currais do Matadouro Público: o abastecimento de carne verde em

Salvador no século XIX (1830-1873). Salvador: UFBA, 2009. (Dissertação de mestrado).. pp. 21-22; MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX: Uma província no Império. 2ªed. RJ: Nova Fronteira, 1992. p. 469.

338

RIBEIRO, Alexandre Vieira. O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador, c.1680 c.1830. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005, p. 195. (Dissertação de mestrado em história)

339 FURTADO, Júnia Ferreira. “Teias de negócio: conexões mercantis entre as minas e a Bahia durante o

século XVIII”. IN: Nas rotas do Império. Orgs. João Fragoso, Manolo Florentino, Antônio Carlos Jucá, Adriana Campos. Org. Vitória: EDUFES; Lisboa: IICT, 2006. PP.165-192

da Praça da Bahia, pois o senhor de engenho não menciona se havia encomendado esses escravizados.

Além dessas duas maneiras havia o comércio de escravizados utilizando embarcações. No início do XIX o Presidente da Província, Dr. Manoel Ribeiro da Silva Lisboa, foi informado que, em 1835, estava desembarcando inúmeros africanos nas praias das Vilas a beira mar, principalmente em Estância. Também afirmava que tinha uma sociedade de comerciantes em Estância que trazia escravizados africanos da Bahia340. Conforme foi citado no primeiro capítulo, havia na Povoação de Estância um grupo de 15 grandes negociantes que compravam seus produtos na Bahia e revendiam para pequenos comerciantes de Estância e de outras localidades da Província341. Esses comerciantes possuíam grandes fortunas, por isso podemos deduzir que os mesmos podiam traficar também escravos. 342.

Encontrei apenas uma referência a um tráfico proveniente de Pernambuco. Dentre os “produtos” que constavam em uma embarcação proveniente da Província de Pernambuco havia um escravizado africano que desembarcou na Vila de Laranjeiras343. A proximidade com a Capitania da Bahia e as diversas relações comerciais existentes podem ter contribuído para um maior afluxo de africanos da Bahia para Sergipe, do que da Bahia para Pernambuco, além das distâncias entre as capitanias/províncias.

Algum tempo após chegarem às terras sergipanas esses homens e mulheres africanos eram batizados por pessoas em condições jurídicas diversas. Tema que será tratado adiante.