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A ENTRADA DE FILHOS DE PAIS COM BAIXA ESCOLARIDADE NA USP

2 A USP NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS DE INCLUSÃO

2.5 A ENTRADA DE FILHOS DE PAIS COM BAIXA ESCOLARIDADE NA USP

As iniciativas governamentais das últimas décadas, com as ações afirmativas e as políticas de ampliação ao acesso do ensino universitário público, têm o objetivo de garantir às camadas mais excluídas da sociedade, o acesso ao ensino gratuito e de excelência acadêmica, dessa maneira, pretende alterar o padrão dos alunos nas universidades públicas, que tem se caracterizado por alunos de alto poder econômico e oriundos do ensino privado.

As ações do Governo Federal tem sido recorrentes nessa questão e mudanças já se fazem presentes, seja, pela aprovação da Lei das cotas, pelos projetos de inclusão social nas universidades estaduais, e até mesmo, pela mobilização da comunidade acadêmica, política, organizacional (ONGS), entre outras, nessa discussão.

A Universidade de São Paulo, com a criação do INCLUP, em 2006, tem proposto uma alternativa na inclusão dos alunos da escola pública, que por uma série de razões, desde aquelas de cunho prático, como a qualidade da escola pública na preparação do aluno para o vestibular, como aquelas de cunho simbólico, que introjetam no aluno um papel social que o distancia da universidade pública.

É fato conhecido que alunos de estratos socioeconômicos mais favorecidos têm amplo conhecimento sobre a USP e seu vestibular, razão pela qual o

interesse por uma universidade pública de qualidade faz parte do cotidiano familiar. O mesmo não ocorre com alunos de escolas públicas, para os quais referências sobre a USP são escassas e o fenômeno da auto exclusão exerce importante papel. Na maioria dos casos, os pais não reconhecem a educação como ferramenta para a mobilidade social. (BERTOTTI, 2013, p. 01)

Os dados estatísticos coletados no site oficial da FUVEST, apresentados anteriormente neste estudo mostram as mudanças, embora ainda tímidas, mais pontuais do INCLUSP, no padrão de ingresso da USP. Contudo, quando se trata de alunos de pais com baixa escolaridade, ou seja, os da primeira geração, aqueles alunos que os pais não tiveram nenhuma relação com o ensino universitário, a questão se torna mais contundente em termos de exclusão.

O gráfico a seguir mostra a relação de alunos da primeira geração, filhos de pais que cursaram até o ensino fundamental, mas não concluíram, e que estão devidamente matriculados na Universidade de São Paulo. Os dados foram coletados no site oficial da FUVEST e abrangem os anos de 2011, 2012 e 2013.

GRÁFICO 9 - Alunos de pais com baixa escolaridade matriculados na USP nos anos 2011, 2012 e 2013

Fonte: site oficial da FUVEST.

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 2011 2012 2013 Escolaridade do Pai Escolaridade da Mae

O gráfico 9, que mostra o número de alunos matriculados na última chamada, filhos de pai ou mãe que iniciaram o ensino fundamental, mas abandonaram entre a 5ª e 8ª série, apresenta: em 2011, das 11.328 matrículas realizadas, 541 foram de filhos de pai que cursaram o ensino fundamental, mas não concluiram e 434 foram de filhos de mãe que cursaram o ensino fundamental, mas não concluiram; em 2012, das 11.666 matrículas realizadas, 566 foram de filhos de pai que cursaram o ensino fundamental, mas não concluiram e 444 foram de filhos de mãe que cursaram o ensino fundamental, mas não concluiram; e em 2013, das 11.875 matrículas realizadas, 940 foram de filhos de pai que cursaram o ensino fundamental, mas não concluiram e 730 foram de filhos de mãe que cursaram o ensino fundamental, mas não concluiram.

A partir dos dados apresentados, se percebe que a presença dos alunos da primeira geração, ou melhor, de pai ou mãe que não tiveram relação nenhuma com o ensino médio e superior, é bem inferior, comparado com o número de alunos oriundos das escolas públicas.

GRÁFICO 10 - Referente a relação de alunos de escola pública e filhos de pais com baixa escolaridade matriculados na USP nos anos de 2011, 2012 e 2013.

Fonte: Site oficial da FUVEST

Alunos Matriculados na USP Oriundos de escola pública e Filhos de

pais com baixa escolaridade 2011,2012 e 2013

2011 Escola pública 26% Filhos de pai com baixa escolaridade

Média (pai e mãe) 4.3%

2012 Escola pública 27,90% Filhos de pai com baixa escolaridade

Média (pai e mãe) 4.3%

2013 Escola pública 27,8% Filhos de pai com baixa escolaridade

De acordo com os dados apontados no gráfico 10, há uma constante na média dos alunos com pai e/ou mãe com baixa escolaridade matriculados na USP, nos anos de 2011 e 2012. No ano de 2013 ocorreu um aumento de 2,7%, em média, nas matriculas dentro do perfil desses alunos.

Os dados mostram um panorama geral do número de matriculas de todos os cursos da Universidade de São Paulo, e nesse panorama é possível perceber as desigualdades de matriculas de alunos filhos de pais e mães com baixa escolaridade16.

Pierre Bourdieu afirma que a distribuição desigual do capital cultural nas diferentes classes sociais esta relacionada com o acesso à educação e o consumo dos bens culturais. Para ele ―a maioria dos diplomas universitários na França, por exemplo, são obtidos por indivíduos pertencentes às classes mais altas‖ (BOURDIEU; ZWARTZ, 1986, p.36), o que não difere da realidade brasileira, conforme os dados estatísticos da FUVEST, nos anos apresentados.

16

Os dados estatísticos coletados no site da FUVEST são: em 2011, dos 11.328 candidatos, pertencentes ao grupo de matriculados que responderam a questão: ―Qual o grau de instrução mais alto que seu pai obteve?‖, 541 (4.8%) responderam que o pai iniciou o ensino fundamental, mas abandonou entre a 5ª. 6ª série, dos 11.328 candidatos, pertencentes ao grupo de matriculados que responderam a questão: ―Qual o grau de instrução mais alto que sua mãe obteve?‖, 434 (3.85%) responderam que a mãe iniciou o ensino fundamental, mas abandonou entre a 5ª. 6ª série; em 2012, dos 11.666 candidatos, pertencentes ao grupo de matriculados que responderam a questão: ―Qual o grau de instrução mais alto que seu pai obteve?‖, 566 (4,9%) responderam que o pai iniciou o ensino fundamental, mas abandonou entre a 5ª. 6ª série, dos 11.281 candidatos, pertencentes ao grupo de matriculados, 11.666 que responderam a questão: ―Qual o grau de instrução mais alto que sua mãe obteve?‖, 444 (3,8%) responderam que a mãe iniciou o ensino fundamental, mas abandonou entre a 5ª. 6ª série; em 2013, dos 11.875 candidatos, pertencentes ao grupo de matriculados que responderam a questão: ―Qual o grau de instrução mais alto que seu pai obteve?‖, 940 (7,9%) responderam que o pai iniciou o ensino fundamental, mas abandonou entre a 5ª. 6ª série e dos 11875 candidatos, pertencentes ao grupo de matriculados, 11.191 que responderam a questão: ―Qual o grau de instrução mais alto que sua mãe obteve?‖, 730 (6,1%) responderam que a mãe iniciou o

3 USP-LESTE E ALUNOS FILHOS DE PAIS COM BAIXA ESCOLARIDADE

Cada caso não é um caso. Cada caso é uma pessoa. Cada pessoa carrega em si um baú de experiências, um mundo de sentimentos. E um universo de possibilidades [... ]. (GARDIN, 2013, p.57)

Esse estudo foi dividido em duas etapas. Na primeira etapa foi realizado uma investigação dos dados estatísticos para constatar o padrão de ingresso na USP, segundo os dados oficiais da FUVEST, apresentados nos capítulos anteriores. A segunda etapa se deu através de entrevistas, com o objetivo de, à partir do relato oral, compreender qual é a representação que os alunos, filhos de pais com baixa escolaridade e oriundos das escolas públicas, ingressantes na USP-LESTE, tem das dificuldades e condições para o acesso à universidade pública.

Essa pesquisa, inicialmente, tinha como proposta a abordagem dos alunos filhos de pais com baixa escolaridade, matriculados na Universidade de São Paulo (USP) como um todo, todavia, as dificuldades enfrentadas durante o percurso da pesquisa, para a obtenção dos sujeitos colaboradores, exigiram mudanças.

Dessa forma, houve a necessidade de um afunilamento do grupo dos sujeitos da pesquisa, e somente os alunos oriundos das escolas públicas e filhos de pais com baixa escolaridade, matriculados na USP-LESTE, se constituíram como tal.

A Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH), conhecida também como USP-LESTE, localizada na região da Zona Leste da cidade de São Paulo, oferece dez cursos de graduação e Pós-Graduação.

Na graduação os cursos são: Educação Física e Saúde, Gerontologia, Gestão Ambiental, Gestão de Políticas Públicas, Lazer e Turismo, Marketing, Têxtil e Moda, Obstetrícia, Ciclo Básico e Ciências da Natureza. Na Pós-Graduação os programas são: Estudos Culturais, Gestão de Políticas Públicas, Modelagem de Sistema Complexos, Mudança Social e Participação Política, Sistemas de Informação, Sustentabilidade, Têxtil e Moda e Interunidades.

O ingresso na USP-LESTE é realizado pelo tradicional vestibular da FUVEST, onde os candidatos oriundos das escolas públicas podem utilizar o Programa de Inclusão Social da Universidade de São Paulo (INCLUSP). A instituição disponibiliza 1.020 vagas anualmente nos diferentes cursos oferecidos.

Encontrar os sujeitos colaboradores da pesquisa foi um desafio, portanto, não houve delimitação referente ao curso de graduação no qual o aluno estivesse matriculado, a única exigência era de que ele fosse filho de pai ou mãe que cursou até o ensino fundamental e não concluiu, e estivesse matriculado na USP-LESTE.

O foco da segunda etapa da pesquisa se concentrou na história de vida dos sujeitos colaboradores, para que, através da sua narrativa, com base na expressão das experiências vividas, ele pudesse revelar fatos que mostrassem sua compreensão frente à problemática abordada.

Estudar a história de vida dos sujeitos colaboradores, em minha opinião, se constituiu uma variável fundamental para a formulação do material de análise dessa pesquisa. A partir da relação estabelecida entre o material coletado pelas entrevistas e os dados estatísticos disponibilizados pela FUVEST, foi possível elaborar uma compreensão frente à discussão aqui proposta.

A história narrada pode constituir um material que, segundo Cardoso (1998), ―[...] os historiadores não podem predizer o futuro (ou se enganam quando tentam), e não podem explicar o passado, mas só interpretá-lo.‖ (CARDOSO, 1998, p. 08)

Para se compreender uma instituição escolar, é fundamental que, além da análise dos documentos institucionais, das políticas públicas educacionais vigentes na época, seja considerado também como material de análise o relatos dos seus atores.

Para José Carlos Souza Araújo (2007) as pesquisas nas instituições escolares vão ―[...] além de sua materialidade revelada em edifícios e para além de sua estruturação organizativa (de caráter espacial, administrativo e pedagógico) configuram-se com orientações diversas do ponto de vista ideativo.‖ (Apud ARAUJO, [s.d], NASCIMENTO et al, 2007, p. xi)

As instituições escolares são criadas para corresponderem às suas propostas iniciais, com base em ideais que geralmente expressam as crenças dos seus fundadores. Evidentemente, as propostas de uma instituição escolar podem, através do tempo, ou por

intervenções governamentais, se alterar, porém, esse processo se constitui a longo prazo, e pode contemplar embates e resistências.

O pesquisador com a proposta de analisar uma instituição escolar tem de considerar essas variáveis, para que possa, através da pesquisa empírica, revelar as mudanças históricas que se desvelaram no processo de análise.

Esse processo de pesquisa é semelhante ao trabalho do historiador, que não constrói a história, mas sim se apropria nos fatos, segundo uma escolha, para então interpretá-los. Para Saviani [s.d]: ―O historiador também não constrói a história, mas é ele quem vai determinar os caminhos de uma pesquisa produzida na perspectiva da apropriação desse processo.‖ (Apud SAVIANI, [S.D], NASCIMENTO et al, 2007, p. ix)

A instituição se constitui por uma necessidade do homem, dessa forma, a tentativa de compreendê-la, não pode estar deslocada da sua relação com o social, visto que ela corresponde às necessidades do próprio homem. Conforme Saviani (2007):

As instituições são, portanto, necessariamente sociais, tanto na origem, já que determinadas pelas necessidades postas pela relação entre os homens, como no seu próprio funcionamento, uma vez que constituem como conjunto de agentes que travam relações entre si com a sociedade a qual servem. (NASCIMENTO et al, 2007, p.04)

Assim, propor uma análise de uma instituição, é sem duvida se debruçar nos fatos históricos narrados pelos documentos oficiais, na reconstrução do momento histórico e político em que a instituição foi fundada e localizá-la no tempo e espaço, mas também é considerar o relato de seus próprios sujeitos, que através da narrativa da experiência resgatada pela memória, poderão contribuir imensamente para uma compreensão real do funcionamento e das propostas da instituição, fornecendo informações que muitas vezes não estão registradas nos documentos oficiais.

Uma forma de se estabelecer o resgate da prática institucional é através do relato oral de seus participantes, que através da narrativa podem criar uma malha de informação indispensável para uma compreensão mais profunda do objeto de análise proposto.

O objeto do historiador não é construído por ele, enquanto pesquisador. O que lhe cabe é construir o conhecimento do objeto e não o próprio objeto. E construir o conhecimento do objeto não é outra coisa senão reconstruí-lo no plano do pensamento. (NASCIMENTO et al, 2007, p.15)

Na direção da construção de um malha histórica institucional, o pesquisador, por meio da articulação entre os dados de documentos oficiais e os dados coletados a partir dos relatos orais e escritos, pode criar, com base nas suas interpretações, uma forma de compreensão do seu objeto de estudo. Evidentemente, essa forma de análise não se torna a única, mas se constitui como uma possibilidade de compreensão frente à verdade autoral do pesquisador.

Muitos pesquisadores concentram seu foco de estudos nos documentos oficiais, por considerar que o relato oral pode conter fatos que não, necessariamente, correspondem à realidade vivida pelo sujeito na instituição, visto que, a memória pode ser enganosa, e também por considerar que o ato da narrativa também contempla a reconstrução da experiência, o que pode alterar o constructo original da vivência.

A alteração dos fatos pode ocorrer por interferências biológicas, ações químicas que alteram a memória e, consequentemente, o conteúdo narrado, ou em uma perspectiva psicológica, pela presença de mecanismos de defesa.

Embora exista a possibilidade de alteração dos fatos pela narrativa, o relato de experiência, em minha opinião, se constitui como uma ferramenta importantíssima para a compreensão da análise de uma instituição. Cabe ao pesquisador encontrar os sentidos das narrativas, e encontrar os pontos em comum entre elas, para assim, propor uma forma de compreensão e entendimento frente ao objeto de estudo.

Segundo Farge [s.d.]: ―não importa se os fatos que se tornam conhecidos são verdades ou mentiras; o que importa é que eles estão ali registrados por algum motivo. Cabe ao pesquisador questionar e descobrir qual é esse motivo‖ (Apud FARGE, [s.d], NASCIMENTO et al, 2007, p. 25).

Nesse estudo, analisei os dados coletados pela entrevista de uma forma singular, considerando os pontos em comuns e as histórias relevantes de cada colaborador, sem a pretensão de predizer um futuro ou criar generalizações infundadas, mas sim debruçar minha atenção aos fatos desvelados pela narrativa e interpretá-los segundo a base teórica deste trabalho.

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