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Entre o Gestor e o Líder: a Predominância do Gestor nos Diferentes Quadros

Capítulo II. Enquadramento Legal da Administração da Escola

2. Entre o Gestor e o Líder: a Predominância do Gestor nos Diferentes Quadros

Para aferir do pressuposto avançado no título deste ponto, analisamos oito normativos legais publicados no pós 25 de abril que, na nossa opinião, visaram sucessivamente o aperfeiçoamento dos quadros jurídicos da administração da escola, começando, em 1974, pelo “estabelecimento de órgãos de gestão (…) representativos de toda a comunidade escolar”19; caminhando no mesmo ano para “a criação [de] estruturas

democráticas (…) assegurando a adequada representação dos docentes, discentes e funcionários administrativos e auxiliares”20; surgindo, em 1976, o lançamento de “bases

de uma gestão (…) verdadeiramente democrática” 21; consolidando a regulamentação

relativa à administração da escola através da denominação de regime a partir de 1989 até aos nossos dias com o estabelecimento do “regime jurídico da autonomia [das] escolas oficiais dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e [das] do ensino secundário”22, a aprovação

do “regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré- escolar e dos ensinos básicos e secundário”23, e, por fim, a aprovação do “regime de

19 DL n.º 221/74, de 27 de maio 20 DL n.º 735-A/74, de 21 de dezembro 21 DL n.º 769-A/76, de 23 de outubro 22 DL n.º 43/89, de 3 de fevereiro 23 DL n.º 115-A/98, de 4 de maio

autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré- escolar e dos ensinos básicos e secundário”24.

Num estudo mais atento desses normativos, verificamos que a referência à liderança surge no preâmbulo do DL n.º 118-A/98, de 4 de maio:

A autonomia constitui um investimento nas escolas e na qualidade da educação, devendo ser acompanhada, no dia a dia, por uma cultura de responsabilidade partilhada por toda a comunidade educativa. Consagra-se assim, um processo gradual que permite o aperfeiçoamento das experiências e a aprendizagem quotidiana da autonomia, em termos que favoreçam a liderança das escolas, a estabilidade do corpo docente e uma crescente adequação entre o exercício de funções, o perfil e a experiência dos seus responsáveis. Até à publicação desse DL, apenas era feita a alusão à gestão por um lado quando referidos os órgãos de gestão, e por outro, quando aludida a atividade propriamente dita de gestão que, em 1976, “exige a atribuição de responsabilidades aos docentes, discentes e pessoal não docente na comunidade escolar (…) [e] que acautele os interesses coletivos”25. Volvidos treze anos, é publicado o “regime jurídico da autonomia da

escola”26 no qual se afirma que uma profunda reforma do sistema educativo, iniciada com

a publicação da LBSE, “não se pode realizar sem a reorganização da administração escolar, visando inverter a tradição de uma gestão demasiado centralizada e transferindo poderes de decisão para os planos regional e local.”

Ainda, no “regime jurídico da autonomia da escola” de 1989, declara-se que “Entre os factores de mudança da administração educacional inclui-se, como factor preponderante, o reforço da autonomia das escolas.” Essa autonomia é definida, no n.º 1 do art.º 2.º, como sendo a “capacidade de elaboração e realização de um projecto educativo em benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes no processo educativo”, capacidade a desenvolver nas áreas cultural, pedagógica e administrativa.

Como já foi referido e transcrito, é necessário esperar nove anos, para ver mencionado o conceito de liderança na legislação, concretamente no DL n.º 118-A/98, de 4 de maio, surgindo intimamente associado à faculdade de autonomia das escolas. Neste diploma, a autonomia é definida no n.º 1 do art.º 3.º como sendo “o poder reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos domínios estratégico,

24 DL n.º 75/2008, de 22 de abril, alterado pelo DL n.º 137/2012, de 2 de julho 25 DL n.º 769-A/76, de 23 de outubro

pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projecto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados.”

Se em 1998, a palavra liderança aparecia uma única vez no preâmbulo DL supramencionado, em contrapartida, em 2008, no preâmbulo do DL n.º 75/2008, de 22 de abril, é ostensivamente referida em sete momentos, visto que, em primeiro lugar, é premente a “necessidade de revisão do regime jurídico da autonomia, administração e gestão das escolas no sentido do reforço da participação das famílias e comunidades (...) no favorecimento da constituição de lideranças fortes [a fim de] (…) promover a abertura das escolas ao exterior”; que, em segundo lugar, urge “reforçar as lideranças das escolas”, por se ter verificado durante a vigência do DL n.º 115-A/98, de 14 de outubro, que “boas lideranças e até lideranças fortes” souberam no terreno implementar a mudança e fazer a diferença destacando-se e ultrapassando as contingências de um enquadramento legal limitativo. Tendo a tutela registado esses casos de sucesso ao longo dos anos, tornou-se indispensável “criar condições para que se afirmem boas lideranças e lideranças eficazes, para que em cada escola exista um rosto, um primeiro responsável, (…) [um] director (…) constituindo um órgão unipessoal”, a quem são conferidos mais poderes “No sentido de reforçar a liderança da escola e de conferir maior eficácia, mas também mais responsabilidade”, na medida em que ao diretor é permitido “designar os responsáveis pelos departamentos curriculares” que têm assento no Conselho Pedagógico. Esse poder é, no entanto, escamoteado na revisão e alterações introduzidas pelo DL n.º 137/2012 de 2 de julho, quando no preâmbulo se anuncia que “com a nova constituição do conselho pedagógico confere-se-lhe um caráter estritamente profissional, confinando a sua constituição a docentes”. O mesmo será dizer que os responsáveis pelos departamentos curriculares são agora eleitos pelos seus pares, devolvendo um caráter mais democrático a representação dos docentes no Conselho Pedagógico.

Claro está que a liderança continua intrinsecamente relacionada com a autonomia cuja definição apresentada no n.º 1 do art.º 8.º do DL n.º 75/2008 de 22 de abril assenta na “faculdade reconhecida ao agrupamento de escolas ou escola não agrupada pela lei e pela administração educativa de tomar decisões nos domínios da organização pedagógica, da organização curricular, da gestão dos recursos humanos, da acção social escolar e da gestão estratégica, patrimonial, administrativa e financeira, no quadro das funções, competências e recursos que lhe estão atribuídos.”

Continuando com a leitura mais pormenorizada, os órgãos continuam a ser “de gestão”. Desde o DL n.º 221/74, de 27 de maio até ao mais recente regime de autonomia, de administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar, dos ensinos básico e secundário, os órgãos a quem cabe cumprir e fazer cumprir os princípios e objetivos educativos são designados de “órgãos de [direção], de administração e de gestão”.

No ponto 2.1 do capítulo anterior,tentamos esboçar a diferença conceptual entre liderança e gestão. À luz do que apresentamos, parece-nos interessante procurar nos Decretos-Leis supra analisados e, em particular, nas competências dos presidentes dos órgãos de gestão e dos diretores listadas, os aspetos que se inscrevem na esfera da gestão e os que se incluem na da liderança.

Do DL n.º 735-A/1974, de 21 de dezembro, ao DL n.º 115-A/98, de 4 de maio, julgamos que as competências dos presidentes do conselho ora diretivo ora executivo ou dos diretores não passam de meras funções de gestão ou até de administração, obedecendo a uma lógica gerencialista, em que a prestação de contas perante o poder central é o exercício diário do presidente ou diretor. Assim sendo, concordamoscom Afonso (2009), na medida em que, efetivamente, nos últimos anos, temos assistido a “sucessivas reconfigurações do enquadramento legal da gestão escolar com o objetivo de abrir a “caixa negra” das rotinas e procedimentos de gestão que reflectem uma lógica colegial de natureza corporativa.” (pp. 16, 17).

Apesar do último regime da autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos publicado em 2008, reforçar o poder do diretor com a atribuição de novos poderes e a concretização de uma liderança unipessoal, o diretor não deixa de ser “um subordinado a quem compete cumprir e fazer cumprir a lei numa “dependência face ao poder central, concentrado e desconcentrado, sobre quem recaem, individualmente, todas as pressões políticas e administrativas.” (Lopes & Ferreira, 2013, pp. 138, 139, citando Lima, 2011).

Desde a publicação do regime supra-mencionado, “As (pre)ocupações dos diretores situam-se entre a racionalidade técnicas e burocráticas, fortemente condicionadas pela pressão externa quanto ao cumprimento de normas e à eficácia de resultados, mas enfatizam também (pre)ocupações com questões democráticas assentes

em pressupostos que valorizam as pessoas e o seu bem-estar pessoal e profissinal.” (Lopes & Ferreira, 2013, p.152).

Em suma, apesar da introdução do normativo legal, o diretor continua a ser um prestador de contas face ao poder central estando limitado para exercer a sua função de líder, enquanto figura inspiradora que incentiva os outros à mudança inovando e questionando.