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Entre o “perigo espanhol” e as tentativas de aproximação

(1910-1931)* Número de profissões

4. Entre o “perigo espanhol” e as tentativas de aproximação

Iberismo e hispanismo foram conceitos plurais. Fala-se de iberismos e de hispanismos. Jornalistas, escritores, políticos, professores universitários ou diplomatas, cada um formulou a sua própria visão iberista ou hispanista. Incluindo nas suas páginas figuras que não apresentavam um pensamento uniforme, a imprensa periódica, espaço aglutinador de diferentes ideologias, atesta essa diversidade. Reagia-se de modos díspares a vários episódios envolvendo as relações entre Portugal e Espanha. Qualquer alteração política em cada um dos países poderia levar a que o mesmo autor mudasse de opinião. Alguém que num primeiro momento tivesse começado por ser anti-iberista poderia posteriormente passar a nutrir simpatia pela Espanha (veja-se o exemplo de António Sardinha).

O debate em torno dos hispanismos e dos seus contrários teve algo de maniqueísta. Se muitos viam a Espanha como um país amigo com que se deveria manter e, se possível, aprofundar os compromissos económicos, intelectuais e culturais existentes, outros encontravam em tudo um pretexto para demonizar o país vizinho e aludir a um “perigo espanhol”. No Opinião, diário republicano conservador, periódico que em 1917 apoiou a Harmonia Ibérica, campanha iniciada pelo madrileno Imparcial, descrevia-se certeiramente a forma como esse perigo era alimentado: a despeito das melhores intenções dos governos, havia sempre quem promovesse um “perigo espanhol”, que não era um perigo imediato, inquietante, sem descanso, mas um alarme suficiente para que os portugueses não ficassem toda a vida descansados718. Em que consistia esse “perigo espanhol”? Basicamente, num receio

de invasão, num temor nem sempre sustentado por factos de que Portugal fosse integrado na Espanha como mais uma das suas regiões719. António Sardinha, o amigo da Espanha e não o das conferências da Liga Naval, viria a satirizar este perigo, referindo que não passava de um “entretenimento dos nossos ócios de povo exaltado e contemplativo”720. O emprego do verbo reagir adequa-se na medida em que muito se escrevia nos periódicos nacionais em reacção a artigos saídos na imprensa espanhola ou a acontecimentos que, seguindo o estilo usado na época, ou feriam ou

718 “Portugal na Península”, Opinião, Lisboa, nº 646, 1/4/1918, p. 1.

719 O receio não era apenas de invasão, revelava-se também em questões como as disputas pesqueiras, a

compra de propriedades por parte de espanhóis ou o contrabando.

720 António Sardinha, “Ainda a entrevista de Miramar”, Nação Portuguesa, Lisboa, 2ª série, nº 5,

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engrandeciam o patriotismo lusitano. Quando soava o alarme iberista, era raro o responsável político português que não assumisse uma postura de indignada revolta por estrangeiros (espanhóis) se imiscuírem em assuntos que só a Portugal diziam respeito. Como referiria o deputado Manuel Moreira Júnior721 em sessão parlamentar de 26 de Novembro de 1906, não se poderia admitir que estrangeiros viessem cercear a independência portuguesa, difundindo mensagens que pouco contribuíam para a harmonia social722. E quando alguém se atrevia a escapar a esta quase unanimidade patriótica, demonstrando simpatia pelo país vizinho, não faltava quem recorresse ao velho ataque político que consistia em largar apodos como “iberista” ou “amigo da Espanha”. Na referida sessão parlamentar, que teve lugar quatro anos antes da revolução que implantou a República, protestava-se contra espanhóis como Lerroux, que com um republicanismo iberista inflamado só engrandeciam o “sentimento de amor pela autonomia da pátria”, e ao mesmo tempo atacava-se os republicanos portugueses com argumentos que pareciam extravasar os limites da razoabilidade. João Franco, então presidente do conselho de ministros e ministro do Reino, referia que era com “tristeza” que se assistia às “constantes” e “perigosas” aproximações entre republicanos dos dois países e lembrava que entre os momentos negros do republicanismo estavam o “distante jantar de Badajoz”723 ou o silêncio dos republicanos portugueses perante os recorrentes “ataques” à integridade nacional desferidos por jornalistas de nacionalidade espanhola724. De nada valia que republicanos como António José de Almeida garantissem que o Partido Republicano Português se mantinha afastado de qualquer partido republicano europeu ou que o seu directório não recebia um único jornal espanhol: entendia João Franco que os republicanos portugueses estavam mancomunados com os republicanos espanhóis num projecto de união ibérica. Independentemente do ano ou da cor política e ideológica, aceitava-se com dificuldade em Portugal que algum responsável político ou intelectual espanhol opinasse sobre matérias que poderiam afectar a independência nacional. O mesmo se aplicava a portugueses que se atravessem a tornar público o desejo de ver a Península Ibérica próxima a vários níveis.

721 Médico e deputado pelo Partido Progressista. Ministro da Marinha e Ultramar (1904 a 1906) e

ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria (1909 a 1910).

722 Diário da Câmara dos Deputados, nº 37, 26/11/1906, p. 3.

723 Em Junho de 1893, celebrou-se um congresso republicano em Badajoz em que participaram

federalistas dos dois países.

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O sentimento de que existia um “perigo espanhol” ou os receios de uma invasão não eram completamente infundados em Portugal. A pretensão de hispanizar a Península Ibérica através da anexação de Portugal esteve entre as principais intenções da política externa espanhola pelo menos até à Primeira Guerra725. Apesar de as relações entre os dois países terem melhorado durante a contenda europeia, manteve-se o “litígio ibérico”: a crise em Portugal servia para justificar as ambições iberistas de Afonso XIII, monarca que até às vésperas da Primeira Guerra defendeu junto das potências europeias a conveniência e o interesse da Espanha numa “solução ibérica”726. A partir de 1904, a política espanhola foi de aproximação à França e à Inglaterra, países que fomentaram um maior protagonismo da Espanha como forma de contrariar os desígnios alemães. Sectores das elites espanholas pensavam expandir- se em Marrocos e em Portugal. Os responsáveis políticos franceses procuravam consolidar o apoio britânico para a sua expansão em terras marroquinas (que devia ser completado com um entendimento paralelo com a Espanha), e por isso assinou-se um acordo franco-britânico sobre Marrocos, completado com um entendimento paralelo franco-espanhol (1904). Marrocos passava para mãos francesas, enquanto a Inglaterra ficava com liberdade de acção no Egipto727. O regicídio fragilizou a posição externa portuguesa: a Espanha aproveitou a aproximação à Inglaterra e à França para tentar conseguir uma ascendência sobre Portugal. Convencido de que a revolução republicana desobrigaria a Inglaterra de defender Portugal, Afonso XIII não escondia que pensava desde 1908 numa união ibérica, mais ou menos voluntária728. Em 1911, rebentou nova crise em Marrocos, com soldados franceses a ocuparem Fez e a Espanha a responder com a ocupação de Larache, Arzila e Alcácer-Quibir. Crendo que a Espanha se aliara à Alemanha, os responsáveis políticos franceses buscaram apoio junto da Inglaterra. Assim, até meados de 1912, a Espanha, isolada, enfrentou uma situação de tensão com a França e a Inglaterra por causa de Marrocos e, por conseguinte, o clima tornou-se pouco favorável para aventuras em Portugal. No entanto, na segunda metade de 1912, a Espanha aproximou-se da Entente ao concluir

725 Hipólito de la Torre Gómez, “A I República e a Espanha”, A Primeira República Portuguesa:

Diplomacia, Guerra e Império, Coordenado por Filipe Ribeiro de Meneses e Pedro Aires Oliveira, Lisboa, Tinta da China, 2011, p. 117.

726 Id., Ibidem, p. 121.

727 O acordo de Algeciras (1906) confirmou a expansão francesa em Marrocos. O acordo internacional

foi completado no ano seguinte, pelo entendimento de Cartagena entre a França, a Inglaterra e a Espanha.

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um novo acordo com a França729. Assinado este acordo, as ambições do rei espanhol tornaram a vir ao de cima. Na visita que fez a Paris em Maio de 1913, Afonso XIII ofereceu a beligerância espanhola ao lado da França numa possível guerra europeia, exigindo em troca a anexação de Portugal730.

Tendo presente a sua conduta durante o período preparatório das incursões realistas, sentia-se deste lado da fronteira que os políticos espanhóis aceitavam a custo a existência de um regime republicano mesmo ao lado do seu país. Como diria o diplomata Freire de Andrade731, o reconhecimento “meramente protocolar” da República pelo governo espanhol levava os governantes portugueses a viverem situações verdadeiramente humilhantes, reveladoras de uma grande impotência732. Durante os primeiros anos de República, a Inglaterra não contribuiu para extinguir os receios sentidos em Portugal. Eram conhecidas em Londres as ideias de Afonso XIII para Portugal. Em Fevereiro de 1913, Afonso XIII avisava Arthur Hardinge, embaixador inglês em Lisboa e anti-republicano, de que a Espanha exigiria o território metropolitano português caso a Alemanha e a Inglaterra partilhassem as colónias portuguesas733. Além disso, a Inglaterra nunca apoiou verdadeiramente a

República734. Consciente destes problemas, Freire de Andrade afirmava que o facto de existirem diferentes regimes políticos em Portugal e Espanha constituía uma causa de dificuldades e desconfianças que muito convinha desfazer. O diplomata assinalava ainda que a presença dos conspiradores na fronteira se tornava particularmente irritante por mostrar uma "vontade de ser desagradável da parte” dos governantes espanhóis 735.

729 Id., Ibidem, p. 276.

730 Id., Ibidem, p. 282.

731 O general Freire de Andrade foi governador interino de Lourenço Marques e governador-geral de

Moçambique (1906-1910). Tendo aderido ao Partido Republicano Português após a revolução de 1910, exerceu alguns cargos diplomáticos de relevo. Foi ministro dos Negócios Estrangeiros em 1914, representou Portugal na Conferência de Paz em Paris (1918-1919) e na Sociedade das Nações nos anos 20.

732 A condescendência das autoridades espanholas para com os conspiradores monárquicos era

exemplo de uma situação humilhante. Cf. MNE, AHD, Legação de Portugal em Madrid, nº 104, Confidencial, 7/6/1914.

733 Rui Ramos, A Segunda Fundação, História de Portugal, Dirigido por José Mattoso, vol. VI, Lisboa,

Estampa, 2001, p. 435.

734 A aprovação da Lei da Separação em começos de 1911 foi pretexto para a Inglaterra adiar o

reconhecimento da República. O governo francês reconheceu formalmente a República depois de aprovada a Constituição e eleito o presidente da República, só depois se juntou a Inglaterra.

735 Era prudente o tom com que Freire de Andrade se referia à Espanha. Dizia, por exemplo, que seria

necessário tactear para chegar a um acordo que tratasse todas as questões em litígio e procurar chegar a um entendimento económico que evitasse fazer de Portugal um país dependente unicamente da aliança com a Inglaterra. MNE, AHD, Legação de Portugal em Madrid, nº 104, nº 59, 4/7/1914.

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Desde o começo ao fim do regime republicano, e durante os primeiros anos da ditadura, as elites portuguesas balancearam entre a amizade, a fraternidade e os desejos de cooperação, e o ódio irracional à Espanha. O objectivo neste capítulo passa por tentar interpretar os principais argumentos esgrimidos pelos hispanistas e pelos seus opositores durante acontecimentos históricos muito relevantes para as relações ibéricas e fornecer respostas para questões como as seguintes: foram a aproximação peninsular e o perigo espanhol temas considerados fundamentais para as elites portuguesas? Tiveram estes temas relevância política? Será igualmente pertinente procurar descobrir se alguma das tentativas de aproximação peninsular teve algum efeito real de aproximação ou se tudo acabou por se resumir a um iníquo plano de intenções. Será que, de todo o diálogo entre hispanistas e anti-iberistas, se pode extrair um pensamento articulado que não se restrinja à histeria anti-espanhola ou a meros desejos de comunhão espiritual ibérica ou ibero-americana? Tendo em mente que as elites espanholas não só não se sentiam ameaçadas com hipotéticas propostas de aproximação portuguesa, como eram muitas vezes quem propulsionava as campanhas de pendor iberista ou hispanista, será importante tentar perceber como reagiam ao que deste lado da fronteira se ia dizendo sempre que estalava uma polémica.

4. 1. As incursões monárquicas

Nos primeiros meses de 1911 saíram de Portugal numerosas famílias abastadas. Em Inglaterra, no Brasil, em França e em Espanha, estas famílias foram constituindo apoio relevante aos emigrados que se juntavam a Paiva Couceiro736. Centrado na Galiza, o projecto contra-revolucionário monárquico consistia em organizar na fronteira um exército de voluntários capaz de restaurar a Monarquia em Portugal com o apoio da população737. A vontade dos conspiradores não era o regresso à Monarquia Constitucional (até porque o próprio D. Manuel, temendo que os planos conspiratórios dos monárquicos fizessem o jogo de Afonso XIII, não lhes

736 Miguel António Dias Santos, Antiliberalismo e contra-revolução na I República (1910-1919),

Dissertação de Doutoramento em História apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2009, p. 61.

737 Em Portugal Novo, publicação fundada por portugueses emigrados em Espanha, dizia-se: "Pugnar

pela restauração monárquica por que milhões de portugueses anseiam.” Cf. Portugal Novo, Tui, nº 1, 10/3/1912, p. 1.

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concedia grande apoio738) mas colocar um fim ao “despotismo” do governo provisório. Propunham-se assumir o poder com a colaboração de uma junta governativa, contra a bancarrota e o “descalabro” e a favor da ordem social e de uma “liberdade sem ficções nem argúcias” 739. Parafraseando o director do monárquico legitimista Nação, João Franco Monteiro, se o governo respeitasse as crenças, a propriedade e os direitos dos monárquicos vencidos, faria passar por ridículos quaisquer conspiradores. Porém, estando o país transformado num vulcão agitado, descontente, espezinhado por “meia dúzia” de republicanos, compreendia-se, e louvava-se até, o aparecimento de conspiradores dispostos a enfrentar governantes “injustos”740. O "Manifesto" de Henrique Paiva Couceiro741, distribuído com a Primeira incursão da Galiza, evocava precisamente o terror da "minoria republicana": abandonada pela opinião geral, a República entrara no período de desvarios e corrupção. Punha-se a circular a mensagem de que existia uma República "sanguinolenta, feroz e anárquica" que tinha no regicídio a sua génese742. Os monárquicos na Galiza procuravam acentuar esta ideia de enfraquecimento, distribuindo pelo mundo rural manifestos e panfletos contra a República743.

A República contava com um ambiente internacional hostil e os conspiradores foram apoiados, mesmo que veladamente, por Monarquias como a inglesa, a alemã e a espanhola. O governo de Lisboa manter-se-ia prudente nas críticas à Espanha porque uma ruptura diplomática só favoreceria os conspiradores. A imprensa surgia por isso como o melhor veículo do governo para criticar os monárquicos e as autoridades espanholas. Refere Hipólito de la Torre que, no diálogo tenso com Madrid, o governo português mobilizou a imprensa, que desde o princípio seria uma importante arma para fazer uma pressão diplomática que nenhum governante estava em condições de fazer744. Tratava-se de um jogo para pressionar indirectamente o

738 António José Telo, Op. Cit., p. 273. 739 Rui Ramos, Op. Cit., p. 399.

740 João Franco Monteiro, “Movimento Conspirador”, Nação, Lisboa, nº 15135, 20/5/1911, p. 1. 741 Henrique Paiva Couceiro foi um militar, administrador colonial e político português que se

notabilizou nas campanhas de ocupação colonial em Angola e Moçambique. Em Julho de 1910, publicou no jornal monárquico Correio da Manhã uma carta assinada Agá Pê Cê, anunciando a necessidade de uma contra-revolução. Na revolução de 1910, comandou o Grupo de Bateria a Cavalo. Foi o único oficial que fez fogo sobre o acampamento Republicano da Rotunda e o Parque Eduardo VII. A 8 de Outubro, apresentou ao Ministério da Guerra a sua demissão.

742 Miguel António Dias Santos, Op. Cit., pp. 34 e 45. 743 Id., Ibidem, p. 46.

744 Hipólito de la Torre Gómez, Antagonismo y fractura peninsular. España-Portugal 1910-1919,

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governo espanhol sem ter de enfrentar as consequências das acusações que se fazia745. Portugal tinha as “mãos amarradas atrás das costas”, sabendo que qualquer crise com a Espanha seria enfrentada sem poder contar com a intervenção de um país tradicionalmente aliado (a Inglaterra), que olhava com desconfiança para a República746. Atentando no que escreviam os representantes diplomáticos em Madrid, constata-se que existia uma enorme preocupação em relação ao que se fazia e dizia em Espanha sobre a situação portuguesa. Multiplicavam-se as referências a notícias que davam conta da existência de uma campanha difamatória contra o governo provisório. Oliveira Calheiros referia-se, por exemplo, a artigos publicados na Época difamando as políticas dos republicanos747. O mesmo correspondente acusaria o madrileno Imparcial de fazer considerações sobre a suposta influência das associações secretas em Portugal. Preocupava-o também que se afirmasse em periódicos como o ABC, El Liberal, o Correo Español748 ou o Imparcial, todos conservadores, que a revolução republicana nascera de um acto de indisciplina do exército português ou que havia dois governos em Portugal, o que governava no Terreiro do Paço e o das sociedades carbonárias749.

O perigo monárquico tornou-se evidente para os republicanos quando, a 20 de Março de 1911, o governo provisório decidiu prender Paiva Couceiro, depois de este ter tornado pública uma exposição escrita em que negava o seu reconhecimento à República750. A partida de Couceiro para Vigo deixou os republicanos em polvorosa. Desde Janeiro de 1911 que a região da Galiza vinha acolhendo os que não apoiavam o novo regime político. Desde proprietários e aristocratas a capitalistas, e a oficiais do exército e funcionários demitidos ou figuras religiosas, muitos foram os que rumaram àquela região espanhola. Até Outubro, a emigração para Espanha não parou de crescer nos distritos fronteiriços do Norte751. As autoridades mandaram vigiar as fronteiras para evitar o recrutamento de homens para a Galiza e a introdução de armas

745 Id., Ibidem, p. 66.

746 António José Telo, Op. Cit., p. 275.

747 MNE, AHD, Legação de Portugal em Madrid, Maço 4, Série A, 9/1/1911.

748 Veja-se o que se dizia em Março de 1912 sobre a República no Correo Español: “Cai a República

porque os seus governantes são incapazes e tontos, [...] porque não se pode cimentar um regime com lodo e barbárie.” Cf. Correo Español, Madrid, nº 7079, 13/3/1912, p. 1.

749 MNE, AHD, Legação de Portugal em Madrid, Maço 4, Série A, nº 13, 14/1/1911. Calheiros

afirmaria inclusive que fizera publicar no Liberal um artigo desmascarando os “manejos dos elementos reaccionários estrangeiros empenhados em desacreditar o nosso país”. Cf. Ibidem, A. nº 42, 4/3/1911.

750 Couceiro intimava os republicanos a entregarem o poder ou a organizarem eleições livres que

deixariam o povo escolher entre o regime monárquico ou o republicano.

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no país. O perigo monárquico forçava as autoridades a adoptarem medidas como a mobilização militar de Junho e Julho752. Com a chegada à Galiza do capitão Jorge

Camacho (Junho), iniciou-se uma nova fase da organização dos monárquicos. Segundo Vasco Pulido Valente, foi Camacho quem conseguiu formar um exército753 composto por jovens voluntários maioritariamente oriundos de “gente conhecida das boas famílias de Lisboa e do Porto”754. Estes jovens, nobres idealistas cuja fé monárquica tinha sido reacendida pelos desastres republicanos, surgiam como “os heróis de um Portugal antigo que se queria restituir à nação”755.

Nunca houve um apoio formal do governo espanhol às incursões, mas não se pode negar que existiu uma certa cumplicidade. O governo espanhol e as autoridades locais toleravam a presença destes monárquicos mas não permitiam a sua concentração. Os conspiradores viviam quase na clandestinidade e eram obrigados a dispersar por diversas aldeias entre Vigo e Ourense. A permissividade espanhola para com os conspiradores monárquicos era motivo de preocupação até para Augusto de Vasconcelos, um dos maiores defensores republicanos de uma aproximação ao país vizinho. Confessava o diplomata que, quando partira para Madrid, a 24 de Maio de 1911, uma das questões que mais o preocupavam era o da permanência perto da fronteira dos emigrados que tinham tomado a seu cargo a tarefa da restauração monárquica. Vasconcelos cedo percebeu que o governo espanhol era responsável pela intranquilidade que se instalara em Portugal: por um lado, permitia que “um bando de agitadores” praticasse manobras militares perto da fronteira, por outro, mantinha em Lisboa um representante, o marquês de Villalobar, que, sem manter a ponderação que o seu cargo exigia, andava de porta em porta fazendo propaganda contra a República e assustando os monárquicos, já “por natureza” propensos ao terror756. As relações de

752 Durante esse período foram convocados cerca de dez mil reservistas das sete divisões do Exército.

Cf. Id., Ibidem, p. 113.

753 Um exército com cerca de mil e trinta e quatro homens.

754 “Basta dizer alguns nomes: o conde de Mangualde, o conde de São Tiago, D. Pedro de Lencastre e

Távora, D. Canavarro de Almeida e Brito, José Pedro Folque, D. Vasco de Carvalho Daun e Lorena (Pombal), Tomás Saavedra, D. Francisco Pais de Sande e Lemos, Fernando Bacelar, Inácio Pizarro de

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