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Entre o Pragmatismo e a Compreensão: As relações entre a Antropologia e a Administração

No nosso trabalho problematizamos a importância da etnografia para os estudos de organizações empresariais. A relação entre a administração e a antropologia tomou impulso nos últimos vinte anos. Duas razões são apontadas para esse fato: o uso do conceito de cultura e o método etnográfico. Quanto a primeira questão, sem querer defender a primazia do uso do conceito de cultura pelos antropólogos, afirmamos que este conceito foi usado pela teoria das organizações sem qualquer referência a antropologia (Mascarenhas: 2002). De tal forma que o a noção assumiu na disciplina em questão( Administração) uma feição instrumental, utilizado-se em sistemas classificatórios para uso em processo de intervenção e mudança, não valorizando-se os aspectos simbólicos na economia e no espaço empresarial. No limite, a teoria das organizações não considerou que as empresas estão inseridas na sociedade, e consequentemente, são permeadas pela cultura. Nas palavras de Ruben, Serva e Castro (1996: p.74) na Administração existem “culturas a partir de um registro numa junta comercial”.

No que diz respeito à etnografia, ou melhor, ao pouco uso do método etnográfico nas pesquisas sobre cultura e organizações levou a certo distanciamento entre as disciplinas. No entanto, Mascarenhas (2002) aponta três momentos em que a antropologia fez contribuições aos estudos de administração: os anos 20, os anos 50 e

60 e o momento atual. As primeiras pesquisas em administração, que tiveram influência da antropologia, remontam aos anos 20 e ao início da escola de relações humanas. Mascarenhas (2002) aponta esse período como de intensa contribuição da antropologia para a administração, e Jaime Júnior (2002) considera a experiência de Hawthorne 2 como a raiz histórica da discussão sobre as dimensões simbólicas do universo organizacional. Elton Mayo investigou os locais de trabalho nas fábricas, enfocando a importância das relações humanas e dos fatores informais na organização do trabalho. No estudo de Hawthorne demonstrou que não só os fatores econômicos determinam a produção no trabalho- princípio defendido pela administração científica - mas, também, a satisfação, a qual, por sua vez depende dos fatores humanos e sociais. Ou seja, as relações humanas espontâneas, manifestadas nos grupos informais, favoreceriam o aumento do trabalho. O trabalho de Mayo se opõe aos princípios da administração científica que preconiza a racionalidade e a centralização do trabalho , preceito elementar da organização da empresa.

A colaboração da antropologia aparece tanto na metodologia da investigação, quanto nos pressupostos teóricos e éticos, expressos na visão do homem e da sociedade.

A experiência de pesquisa de Mayo foi realizada com grupos de trabalho separados da fábrica, o pequeno grupo de trabalho. O desenho operacional da pesquisa, embora não tenha sido realizado segundo os parâmetros clássicos da observação participante, onde o pesquisador se insere no grupo estudado, serviu para

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Pesquisa realizada na Companhia Western Eletric (Chicago) que, revelou, entre outras coisas, o papel do grupo informal, no comportamento produtivo do trabalhador.

demonstrar a diferença ente a realidade dos trabalhadores e as premissas normativas da administração.

Nos anos 50 e 60 a técnica da observação participante foi utilizada por estudiosos de Manchester e um dos seus líderes,Tom Lupton, a utilizou com a intenção de analisar situações que servissem como base para teorizações de aspectos maiores da organização social. Na atualidade Chanlat (1996) tem usado deste tema da pesquisa para questionar as organizações empresariais de dentro. Este autor tem desenvolvido trabalhos para desconstruir as bases do pensamento da gestão a fim de chamar atenção sobre o fator humano. Para ele é indispensável à gestão tradicional inserir-se num debate filosófico-político e dar aos jovens gestores uma formação cultural e humanística, a fim de recuperar a dignidade do cidadão e da humanidade. Também este tipo de estudo, a partir de dentro, tem revelado que as novas práticas de gestão são formas mais sofisticadas de controle humano e também mostram estudos críticos sobre a diversidade cultural na empresa revelando as oposições universalismo/ diversidade e modernidade/tradição,com o intuito de criação de novos modelos de gestão capazes de integrar a eficácia produtiva e os aspectos psico-afetivos e culturais.

O método etnográfico permite em pesquisas organizacionais, e neste trabalho em particular, analisar as relações sociais de um ponto de vista microscópico (Mascarenhas: 2002) Isto é, permite analisar as estruturas simbólicas que fundamentam a ação social nas organizações, entender os processos sociais de associação e de dissociação no contexto da empresa permitindo uma compreensão mais abrangente das relações sociais e da ação humana no contexto nas organizações.

Para além dos sistemas normativos, a atuação humana, se dá em termos de símbolos, valores, significados. Então, para conhecermos uma atividade empresarial devemos compreender os modos de expressão, os embates, as alusões, os chistes, as formas de comportamento, enfim, os valores daqueles que fazem parte dela e não apenas de um segmento. Fazer etnografia como afirma Geertz (1978) é fazer a leitura de um texto, escrito de maneira não convencional, mas que é cheio de contradições, incoerências, falhas, lacunas, , mas que são exemplos de comportamentos relevantes. Assim é que a antropologia, por meio do método etnográfico, pode abordar análises e interpretações abrangentes e abstratas através de um conhecimento extensivo do infinitamente pequeno.

Não podemos também deixar de registrar aqui, como afirmam Ruben, Serva e Castro (1996) que as bases metodológicas da antropologia tomaram como princípio menosprezar as dimensões simbólicas de aspectos centrais das sociedades modernas como o mercado e as organizações empresariais. Assim é que, neste trabalho, concordamos com Sahlins (2003) quando afirma que o simbolismo das coisas materiais é para nossa sociedade um dos mais importantes.

Retomando as questões, estudamos a cultura na organização de uma pequena empresa familiar. Partimos do ponto de vista que a cultura se expressa através de símbolos que expressam significados. Portanto, a suposição da racionalidade utilitária esquece dimensões ocultas das práticas econômicas como o mundo dos valores. Dessa forma acreditamos que a lógica cultural interfere na lógica prática. Por conseguinte, a pequena empresa familiar constrói concepções próprias de produção e comercialização fundamentadas na divisão social e sexual do trabalho, nas

concepções do que é família e nas organizações das relações sociais do trabalho capazes de manter a sobrevivência da empresa familiar e da família.

Não usaremos o conceito de cultura organizacional no sentido que é utilizado na administração, ou seja, de forma gerencialista e pragmática. Para nós cultura é algo que se leva para as empresas, onde, é possível encontrar-se formas variadas de gerir as empresas. Portanto, a pequena empresa familiar utiliza-se da lógica familiar, do gênero, da origem e posição social, entre outras coisas para moldar sua forma de administrar. Logo, o uso do método etnográfico e da técnica da observação participante, conjugado a outras técnicas de pesquisa, permitiram analisar como as concepções e as formas de organização da família e do gênero traduzem valores e significados para a gestão da empresa.

Assim a forma de organização dos capítulos foi feita com vistas a aproximar/responder ao problema do trabalho. Este trabalho foi dividido em seis capítulos. O primeiro capítulo trata da questão da família e procuraremos apresentar as discussões atuais sobre família mostrando não apenas a família como um dado objetivo inscrito na realidade, mas como um valor. Apresentaremos também nesse capítulo uma reavaliação das perspectivas dos estudos sobre família no Brasil e um debate sobre a noção de família na antropologia clássica. A discussão sobre família nos dará pistas sobre a organização da empresa familiar uma vez que essa se utiliza da lógica familiar como modelo de organização das relações humanas no ambiente de trabalho.

O segundo capítulo trata do conceito de gênero. Constrói uma reflexão que fundamenta o conhecimento das desigualdades de gênero no mundo do trabalho.

Contextualizamos os conceitos de gênero e trabalho sem suas perspectivas teóricas, apresentando o percurso destes conceitos e por último os arcabouços teóricos que embasam esses estudos no Brasil e no mundo.Gênero é um componente importante para o entendimento da pequena empresa familiar porque é um elemento de suporte das relações sociais que tencionam os arranjos simbólicos e organizacionais no ambiente de trabalho.

O terceiro capítulo trata de delinear a ligação da cidade do Recife e especialmente as áreas centrais (bairro do Recife, Santo Antônio e São José) com o comércio. Verificamos o caminho seguido pelo capital comercial nos três bairros em questão, tratando-os como elementos que acentuaram as características particulares de cada um desses bairros. Isto nos permitiu visualizar as especializações comerciais e os cenários construídos para a atuação do comércio nessas áreas principais da cidade. Centramos-nos no bairro de São José que é o cenário onde se realiza a pesquisa. Este se organizou de tal forma que permitiu o desenvolvimento de uma atividade comercial constituída de pequenas empresas familiares que junto com os elementos família e gênero montaram um comércio com características culturais próprias.

No quarto capítulo discorreremos sobre a caracterização do comércio e perfil dos trabalhadores. O nosso objetivo nesse capítulo é de apresentar um quadro geral que permita situar o comércio de Pernambuco, e especialmente do Recife, dentro do que ele significa para a atividade econômica da área. Também fazemos um delineamento dos trabalhadores do comércio mostrando o que distingue essa atividade para homens e mulheres. A conjuntura sócio-econômica do comércio em Pernambuco, e especialmente, a capital Recife, delineou uma atividade comercial grande ofertante

de postos de trabalho, com volume de comércio limitado, de grande exploração do trabalho mas que o perfil da mão de obra, de baixa escolaridade, faz que enxerguem na empresa uma grande família.

O quinto capítulo trata da pequena empresa e da lógica familiar. Pretendemos mostrar como, no contexto da economia capitalista, podemos situar o comércio em pequena escala, isto é, a forma familiar de produzir, no interior de relações sociais destacando os aspectos de família. O gênero e divisão sexual do trabalho é o tema do sexto e último capítulo. Esses elementos são conjugados moldando os aspectos culturais que repercutem na dinâmica e na organização de uma pequena empresa de comércio.