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Entre a redação e a sala e aula: (re) posições de sujeitos

Telejornalismo local: redes de memória e processos de docilização

2.3. Entre a redação e a sala e aula: (re) posições de sujeitos

As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas. Michel Foucault

Em minha prática profissional, após anos de docilização na política editorial da organização, através de uma sucessão sutil de “recompensa e punição” e, portanto, já inserida na teoria organizacional7, na cultura organizacional do telejornal, passei a incorporar as estratégias da política editorial da organização. Neste processo, fazia parte de minhas atividades também inserir os novos sujeitos produtores de mídia que vinham trabalhar comigo.

Traquina (2005), quando analisa a teoria organizacional, cuja ênfase está num processo de socialização organizacional, apresenta a condição do jornalista em relação à sua condição de trabalho. Para isso expõe os seis fatores do sociólogo norte-americano Warren Breed que promovem no jornalista o conformismo com a política editorial das organizações:

1- A autoridade institucional e as sanções- o jornalista se dociliza por receio às sanções. No telejornal cabe ao editor chefe ou chefe de redação e reportagem, o poder de decidir quem irá fazer a cobertura de um acontecimento, a forma de escrita do texto, a imagem a ser apresentada; 2- Os sentimentos de obrigação e de estima para com os superiores – o

jornalista, por conta dos laços de amizade, que se criam com o tempo, sente obrigação para com a empresa e admiração pelos mais experientes;

3- As aspirações de mobilidade- desejo de alcançar uma posição de relevo na organização. Contrariar a orientação da política editorial pode ser um obstáculo;

4- A ausência de grupos de lealdade em conflito: Mesmo com todas as tensões de uma redação, o local de trabalho dos jornalistas é relativamente pacífico. Os assuntos internos não sofrem interferências das organizações sindicais. Em muitos casos, as chefias fazem parte do sindicato. Nos últimos dois anos

7 Teoria proposta pelo sociólogo norte-americano Warren Breed, durante uma publicação sobre o assunto na revista “Forças Sociais”, na década de 50)

de redação participei das ações sindicais, mas nunca a interferência chegou a essa relação do micro poder.

5- O prazer da atividade- A prática do jornalismo é uma “cachaça”, ardente e ao mesmo tempo prazerosa. Essa inclusive é a frase da maioria das redações de jornalismo quando o profissional é questionado sobre o porquê continuar fazendo o que faz e sob as condições em que faz. Em telejornalismo, esse sentimento se acentua. O testemunho pessoal de acontecimentos significantes, a convivência com pessoas “notáveis ou célebres” acelera e intensifica a relação do telejornalista com a organização.

6- As notícias como valor – As notícias são um valor máximo. Não há hora para a notícia. O trabalho dura 24 horas. É preciso ir em busca da notícia, é preciso vencer a hora do fechamento. Isso torna a relação do jornalista e da direção harmônica em torno de um interesse comum, a notícia.

Essa padronização mascarada em rotina faz parte das relações de micro poder que guiam a dinâmica de quem está no mercado, nas redações jornalísticas. E até o ingresso na carreira de docente, o lugar de onde olhava para a produção da notícia estava bastante circunscrito às redações.

O primeiro momento significativo de minha vida profissional que passou a me colocar no duelo entre o estranhamento e a familiaridade em relação à produção da notícia foi o início de minha atuação como docente do curso de jornalismo, em 2007. Embora não tivesse consciência, naquele momento, estava entrando em uma nova ordem, que também envolvia seus próprios dispositivos de disciplina, uma forma de resistência que adotou uma outra conduta de subjetivação do meu corpo útil ao exercício do poder.

O exercício do poder não é um fato bruto, um exercício institucional, nem uma estrutura que ser mantém ou se quebra: ela se elabora, se transforma, se organiza, se dota de procedimentos mais ou menos ajustados. (FOUCAULT, 1995, p.247)

Começava aí o processo de pluralização do meu olhar para a complexidade do que é produzir a notícia.

Os cursos de jornalismo estão em diálogo com o exercício da profissão, mas na condição de professora, houve uma mudança de ritmo, pois a pressão exercida pelo

deadline, neste novo espaço, não existe com a mesma força discursiva da redação de um

ampliado a partir do contato com vozes teóricas e práticas que se voltam ao âmbito da pesquisa. Começam aí os questionamentos do que representava minha história como jornalista na sociedade.

Também foi a partir da experiência com a sala de aula que surgiu meu interesse pelos povos indígenas. Através de um trabalho desenvolvido em 2012, como professora, em parceria com a também docente, mestre em comunicação e cultura, Viviane Menna e com alunos de jornalismo e publicidade do projeto Agência Experimental da Faculdade Estácio do Pará, percebi o quanto notícias referentes aos povos indígenas eram silenciadas, interditadas ou excluídas. O resultado da pesquisa foi a construção de um HQ, revista em quadrinhos, criada para ser ferramenta de informação às mais diferentes etnias indígenas sobre os discursos por trás da redução das emissões, por desmatamento e degradação florestal, REED.

Atualmente, está em vigência um acordo que prevê aos países em desenvolvimento, detentores de florestas tropicais, compensação financeira internacional, caso consigam promover a redução das emissões de carbono oriundas de desmatamento. Esta informação, no entanto, naquele momento, ainda não circulava entre os interessados direto, os indígenas.

Segundo informações do Conselho Indigenista Missionário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, publicadas em março de 2012, no site do órgão, o REDD, na prática se transformou numa manobra econômica. Empresas estrangeiras passaram a aliciar indígenas da Amazônia, propondo contratos que preveem a exploração sobre créditos de carbono, obtidos a partir da preservação da floresta. A empresa passa a ter direito de vender os créditos obtidos e, a qualquer benefício ou certificado a partir da biodiversidade local. Por esse tratado, os indígenas são impedidos de promover qualquer atividade que possa afetar, negativamente, a concessão de créditos de carbono e precisariam de autorização até mesmo para erguer casas ou abrir novas áreas de plantio. O acordo não está previsto em lei, portanto não tem validade jurídica, mesmo assim, é uma realidade presente.

No entendimento do Cimi, esses contratos são ilegais, inconstitucionais e juridicamente inválidos, uma vez que atentam contra o usufruto exclusivo os indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas. No mais, tais contratos já trazem prejuízos aos indígenas e tais acordos não podem servir para justificar a não demarcação de terras, como sugere de forma sutil algumas matérias jornalísticas que tem sido veiculadas pela imprensa. (Publicado em 14/03/12, WWW.cimi.org.br)

Esse tipo de notícia não circula na mídia de modo a esclarecer indígenas e sociedade sobre todos os parâmetros ilegais que o acordo prevê. Falar da presença indígena no telejornalismo da TV Liberal surge, então, da emergência de uma pesquisa que intensifique os estudos sobre a construção das subjetividades indígenas na imprensa, o que, ainda hoje, são silenciadas.