• Nenhum resultado encontrado

“O menino era ligado em despropósitos. Quis montar uma casa sobre orvalhos. A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos. (...) A mãe falou: Meu filho, você vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com suas peraltagens. E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos” (Manoel de Barros, 2010, p. 470)

Em um belo trabalho sobre o brincar e a transicionalidade24, I. B. M. Ferreira, (2009)

aponta para a riqueza de significados na poesia “O menino que carregava água na peneira”,

de Manoel de Barros (2010) – da qual retiramos o trecho acima citado. O poeta faz uma linha

de ligação entre a experiência do brincar de uma criança e a experiência de fazer poesia. A brincadeira com as palavras e a experimentação de novos sentidos é mais importante que os conceitos e o que já está pronto (I. B. M. Ferreira, 2009).

Atentemos para a metáfora que Barros (2010) usa, de “montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos”. Ela parece ilustrar tanto o caráter transicional da experiência brincante, como sua localização ao mesmo tempo potente e precária, entre a integração e a não- integração. É o aspecto do brincar que pode tornar-se assustador (Winnicott, 1971a/1992). O brincar e a criação artística se avizinham à loucura e, quando são fenômenos transicionais, abarcam a espécie de “loucura sadia” do fenômeno da ilusão.

A nosso ver, na experiência artística, tal paradoxal proximidade com a loucura pode, por um lado, intensificar uma vivência aterrorizante e desintegrada das criações subjetivas do indivíduo. Portanto, não é qualquer fazer artístico que gera integração psíquica. Por outro lado, a arte pode também facilitar que criações subjetivas encontrem-se de forma transicional com a realidade compartilhada, constituindo e desenvolvendo o self .

O favorecimento de experiências transicionais nos parece um importante fator criador da riqueza de vida e efeitos clínicos construtivos presentes em diversas experiências

24 “Construindo castelos sobre orvalho, brincam crianças e poetas”, capítulo do livro “A presença de Winnicott

históricas em que se cruzaram a arte e a clínica. Como colocamos no Capítulo 3, percebemos o trabalho com a transicionalidade como profícuo para o campo da atenção psicossocial, tanto nos trabalhos com arte como nos de outras naturezas. Consideramos então que, se os devidos cuidados forem tomados, é possível relacionar a potencialidade construtiva da experiência artística com as necessidades presentes na clínica ampliada. E então, nos é valiosa a bela frase de Lygia Clark (1943, citada por Outeiral & Moura, 2002, p. 5): “Nunca trate um psicótico como louco, mas sim como um artista sem obra de arte”.

Este capítulo aborda diferentes possibilidades do que pode ser a experiência de criação artística, apontando dificuldades e potencialidades presentes para que possa ser também transicional e criativa, no contexto da clínica ampliada. Partiremos das compreensões de Winnicott sobre a arte e os artistas e depois traremos contribuições de outros autores que situam-se em lugares próximos na psicanálise e que se debruçaram mais sobre a experiência artística em si.

Winnicott e a arte

“O pintor é feito um livro que não tem fim” (Fernando Diniz, n. d., p. 3). Assim como Freud (1906/1996), Winnicott (1971/1992 e 1959/1994) valoriza a arte e também reconhece a capacidade dos poetas e artistas de enunciar de forma estética o que ele está tentando desenvolver de um ponto de vista psicanalítico. Contudo, alguns comentadores de sua obra, como Newman (2003) apontam para o fato de que Winnicott não fala muito da criatividade do artista, dando ênfase à criatividade de todos os homens. “Importa-lhe muito mais o ‘fazer que emerge do ser’, a experiência contemplativa pressuposta ao fazer algo” (Newman, 2003, p. 112).

Nesse sentido, Winnicott (1970/1999 e 1971a/1992) parece estar preocupado em diferenciar a criatividade artística da capacidade para viver criativamente, no sentido de demonstrar que esta não necessita de nenhum talento especial. Entendendo a existência criativa como necessidade universal, Winnicott (1970/1999) acredita que ainda que o indivíduo conte com “um equipamento criativo pobre” (p. 37), ele pode ter a experiência de viver criativamente. Para o autor, é mais importante experimentar esta vivência do que se sair bem. Ou seja, a criatividade é o que realmente importa e não os seus produtos.

É claro que se a pessoa for muito original e talentosa seu desenho pode valer 20 mil libras; mas, para aqueles que não são Picasso, seria uma imitação escravizante e não criativa desenhar como Picasso. Para desenhar como Picasso, a pessoa tem que ser

Picasso – tudo o mais não será criativo. (Winnicott, 1970/1999, p. 37)

Winnicott (1970/1999) compreende que, uma vez que o indivíduo saudável cria somente o que descobre no mundo, também na arte não há como ser criativo no vácuo. Ou seja, depende-se do que já existe, só sendo possível ser original a partir de uma tradição (Winnicott, 1971a/1992). Por outro lado, mesmo considerando a importância do público para o artista, a autor afirma que quando ele pode viver criativamente, sente-se real e significativo, ainda quando suas produções não são apreciadas pelos outros (Winnicott, 1970/1999).

A criatividade para Winnicott (1971a/1992) e o encontrar do self que ela permite não estão, portanto, diretamente ligados a produzir objetos ou outros produtos artísticos. Uma pessoa empenhada na busca pelo self pode produzir algo de valor em termos de arte e ser um artista reconhecido e, no entanto, ter falhado em encontrar o self que está procurando. Para o autor, o self não é realmente para ser encontrado no que é feito a partir de produtos do corpo ou da mente, mesmo que sejam coisas valiosas em termos de beleza, inteligência e impacto. Se o artista está procurando pelo self (e não encontrando), então quer dizer que há uma falha no viver criativo. O produto criado final não cura a falta do senso de self. Para que seja possível ajudar as pessoas que procuram por achar a si mesmas nos produtos de suas experiências criativas, é necessário saber sobre a criatividade em si.

O autor faz uma comparação dizendo que é como se estivéssemos olhando um bebê em seus primeiros estágios e pulando para a criança que pega as fezes ou alguma outra substância com textura de fezes e tenta fazer algo a partir da substância. Este tipo de criatividade é válido e deve ser bem entendido, mas é necessário um estudo separado da criatividade em si como uma característica da vida e do viver total. Segundo Winnicott (1971a/1992), a busca pelo self em termos do que pode ser feito com produtos excremenciais é uma busca que pode estar amaldiçoada a nunca ter fim e ser essencialmente fracassada.

Por outro lado, o autor coloca, também, que a criatividade pode estar presente “na inspiração de um arquiteto ao descobrir subitamente o que deseja construir, e pensa em termos do material a ser utilizado, de modo que seu impulso criativo possa tomar forma e o mundo seja testemunha dele” (p. 100, grifo do autor). Desta forma, parece-nos que a produção artística pode ter um valor no que diz respeito ao fruir do self e ao viver criativo, se ela nasce do gesto espontâneo do indivíduo.

Mesmo que faça questão de diferenciar o viver criativo da criatividade propriamente artística, Winnicott também confere um posicionamento importante para a arte na vida do ser

humano. Em “Desenvolvimento emocional primitivo” (Winnicott, 1945/1982), inclui uma

memorável nota de rodapé sobre o tema: “Através da expressão artística, há a esperança de manter contato com nossos selves primitivos, onde se originam os sentimentos mais intensos e sensações amedrontadoramente agudas e ficamos realmente empobrecidos, se somos apenas sãos” (Winnicott, 1945/1982, pp. 285). A arte é vista como valorosa por ela permitir o contato com as experiências precoces do ser humano, que continuam a ter importância por toda a vida. Outros aspectos desta questão são abordados da seguinte maneira:

Pode ser verdade que há um elo mais íntimo entre normalidade e psicose do que entre normalidade e neurose; isto é, em certos aspectos. Por exemplo, o artista tem a habilidade e a coragem de estar em contato com os processos primitivos aos quais o neurótico não tolera chegar, e que as pessoas sadias podem deixar passar para o seu próprio empobrecimento. (Winnicott, 1959-1964/1983, p. 121)

Tanto nesta citação como na anterior, o autor aproxima os processos vividos pelo artista e o sofrimento psicótico. A arte parece ser uma vizinha saudável da loucura, em que os processos emocionais precoces podem ser aproveitados de forma enriquecedora. Entendemos assim que Winnicott reconhece o valor da arte para a vida humana, sem, contudo, romantiza- la. Ele compreende que o contato com a arte pode trazer a lembrança de momentos de desintegração, situando os indivíduos que a apreciam no fio da navalha entre a integração e a não-integração (Winnicott, 1967b/1999). Isto pode causar dor, porém não deve ser algo patologizado, fazendo parte da saúde e também do prazer gerado pela experiência artística.

Tais questões relacionam-se ao que Winnicott (1952/1982, 1971a/1992, 1988/1990) enfatiza em outros momentos, que é o papel da arte como fenômeno transicional na vida adulta. Neste sentido, a transicionalidade é um livro humano que não tem fim, aonde pode estar a arte, como nos aponta Fernando Diniz (n. d.). A arte pode ser um lugar de alívio da tensão de diferenciar eu e não eu.

Mourão (2012) entende que Winnicott é muito genérico ao falar sobre a criação e a apreciação artísticas em sua relação com a área intermediária da transicionalidade. Segundo a autora, ele não desenvolve o tema, limitando-se a comentários pontuais e se abstendo de aprofundar sobre a possibilidade da materialidade artística atuar como estimulante ou catalisadora de dinâmicas na área transicional. Mourão (2012) pensa que um dos motivos

pelos quais Winnicott não desenvolveu suas reflexões neste sentido é justamente para evitar que sua concepção de criatividade fosse confundida com a capacidade para criação artística bem sucedida ou aclamada.

Em contrapartida, Mourão (2012) também coloca que Masud Khan (1958/1982) expõe mais explicitamente as relações vistas por Winnicott entre seu pensamento e os campos artísticos e estéticos. Segundo Khan (1958/1982), D.W.W. via uma grande correspondência entre alguns conceitos da arte e da literatura e o seu conceito de objeto transicional. Cita como exemplos as colagens cubistas de Braque e Picasso e o conceito de epifania de Joyce. Estes apontamentos vindos dos campos artísticos apresentam características do objeto transicional: assimilam o dado ao criado, o imaginado e o encontrado, dando-lhe nova unidade e realidade. Khan (1958/1982) diz que foi por perceber estas correspondências que Winnicott, ao final da vida, interessou-se tanto pela experiência cultural e sua possibilidade de auxiliar o ser humano a realizar a si mesmo por meio de seu vocabulário de símbolos e atividades simbólicas.

Winnicott (1945/1982) também aproxima a criação artística dos processos oníricos, assim como faz com o brincar. Ao discorrer sobre a dissociação natural na vida do bebê, que se manifesta dentre outros lugares na dissociação entre a experiência de estar acordado e a de estar dormindo, coloca que recordar os sonhos é uma forma de quebrar um pouco tal

dissociação. Depois afirma que “A criação artística gradualmente toma o lugar dos sonhos ou

os suplementa, sendo vitalmente importante para o bem estar do indivíduo e, portanto, para a humanidade.” (Winnicott, 1945/1982, p. 278). Parece-nos então que aqui aponta a arte como uma possibilidade de integrar, de quebrar dissociações.

Podemos citar ainda o texto “Comunicação e falta de comunicação levando ao estudo de certos opostos”, em que Winnicott (1963a/1983) fala sobre a possibilidade da arte ser uma comunicação do verdadeiro self. Assim como o brincar, enquanto fenômeno transicional, a arte é uma das formas da comunicação indireta do self, que não pode se comunicar diretamente.

No artista podemos detectar, acho eu, um dilema inerente, que pertence à coexistência de duas tendências, a necessidade urgente de se comunicar e a necessidade ainda mais urgente de não ser decifrado. Isso nos faz contar com o fato de não podermos conceber o artista chegando ao fim da tarefa que ocupa sua natureza total. (Winnicott, 1963a/1983, p. 168)

Esta necessidade que o autor vê no artista de se comunicar e de não ser decifrado tem a ver com a realidade do eu privado de todo ser humano, em que “é uma alegria estar escondido mas um desastre não ser achado” (p. 169, grifo do autor). Ao mesmo tempo, é terrível ser descoberto antes de estar lá para ser encontrado. A arte pode ser uma forma de velar e revelar o self ao mesmo tempo. É uma forma de construir um abrigo para proteger o self e ainda assim comunicá-lo.

Winnicott (1988/1990) fala sobre dois tipos possíveis de artista, relacionando-os às questões do verdadeiro e do falso self. O primeiro tipo de artista trabalha a partir do falso self e com facilidade produz uma representação de uma amostra da realidade externa. Depois de usada esta habilidade para reproduzir, “ocorre a tentativa do verdadeiro self no interior do artista de relacionar esta primeira impressão exata aos fenômenos brutos que constituem a vivacidade dentro do verdadeiro self secreto” [itálicos nossos] (p. 129). Se conseguir fazer isso, o artista produz algo que tem valor não somente para reconhecimento alheio, mas também por ser característico de seu verdadeiro self. O produto artístico tem valor porque nele é possível observar a luta do artista por aproximar elementos originalmente tão separados.

O segundo tipo de artista “inicia seu trabalho com a representação bruta dos fenômenos secretos do self ou da vivacidade pessoal, que para ele tem significado, mas que num primeiro momento não tem sentido para os outros” (Winnicott, 1988/1990, p. 129). Este artista estaria à busca de tornar tais fenômenos inteligíveis, mas para isto seria necessário trair a si próprio. Desta forma, sempre fica insatisfeito com suas produções, independentemente do quanto forem apreciadas pelo público. Se as produções artísticas forem apreciadas em excesso, isto pode até mesmo fazer com que o artista se retraia inteiramente, pela sensação de ter sido falso com seu self verdadeiro. Novamente, o maior êxito do artista é quando ele pode integrar os dois selves.

O primeiro tipo de artista seria apreciado pelas pessoas que precisam entrar em contato com os seus fenômenos primitivos. Enquanto o segundo tipo de artista seria apreciado por pessoas retraídas, que se aliviam por encontrar um compartilhamento do que é pessoal e secreto, sem que isto seja demasiado.

Compreendemos estes dois tipos de movimento entre os selves possíveis na criação artística. Porém, não concordamos com a ênfase que Winnicott (1988/1990) coloca neste texto de que, no caso da arte partir do verdadeiro self tentando torná-lo inteligível, ela necessariamente cause a insatisfação do artista perante os seus produtos. Consideramos que este tipo de arte pode encontrar uma conciliação entre o impulso pessoal e a sociedade e pode

se constituir como um brincar. Configurando-se, assim, como algo concreto feito a partir do impulso pessoal criativo, que pode então ser testemunhado pelo mundo. Parece-nos que a compreensão de que isto pode ocorrer é colocada pelo próprio Winnicott (1971a/1992) em O brincar e a realidade, como já comentamos acima.

Em relação aos atores, Winnicott (1960c/1983) também aborda a questão do verdadeiro e do falso self:

Pode-se ver facilmente que muitas vezes esta defesa do falso self pode ser a base de um tipo de sublimação, quando a criança cresce para se tornar um ator. Com relação a atores, há aqueles que podem ser eles mesmos e também representar, enquanto há outros que só podem representar, e que ficam completamente perdidos quando não exercem um papel, não sendo por isso apreciados e aplaudidos (reconhecidos como existentes). (p. 137).

Este trecho nos aponta para a necessidade de se tomar cuidado no trabalho com teatro em Saúde Mental, para que ele incentive a expressão possível e protegida do verdadeiro self. Do contrário, pode incentivar aplausos ao falso self representando papéis e assim fortalecê-lo como defesa que afasta o indivíduo de si mesmo e da possibilidade de viver criativamente.

Milner (1972/1991) também faz comentários sobre o trabalho de Winnicott e suas relações com a estética. Diz que ele tinha um grande prazer ao realizar o seu jogo da espátula, que consistia basicamente em apresentar uma espátula de metal brilhante a um bebê e observar o seu comportamento e o de sua mãe neste momento (Winnicott, 1941/1982). Milner (1972/1991) entende que havia neste jogo uma forma estética que era utilizada por ele para suas observações. A forma estética o acompanhou no seu uso terapêutico do jogo do rabisco.

Estes jogos usados por Winnicott eram maneiras que encontrou de estruturar as suas consultas terapêuticas. Possibilitavam, ao mesmo tempo, diagnosticar e oferecer uma atividade com potencial terapêutico. Para Milner (1972/1991), “Cada relato destas sessões de

desenho exemplifica bem seu conceito tão bonito de espaço potencial – um conceito

essencialmente pictórico, ainda que ele o defina como ‘aquilo que acontece entre duas pessoas quando há confiança e segurança’” (p. 246). Safra (2005) compreende que a ilusão em si é um fenômeno estético. Já Godoy (2007) coloca que uma das espirais do pensamento de Winnicott é que “a experiência estética vivida no seio materno guarda as mesmas

102). Assim, o próprio viver criativo pode ser entendido como uma experiência estética com a realidade.

Winnicott (1949b/1994) fala diretamente sobre o trabalho com arte com pacientes psiquiátricos e outros pacientes hospitalizados. Segundo Hill (1948, citado por Winnicott, 1949b/1994), um professor de arte pode fazer toda a diferença entre perturbação e integração, por patrocinar pessoalmente o interesse e a atividade artística, seja apenas fornecendo uma moldura para pendurar gravuras produzidas, seja organizando sessões de produção artística.

Winnicott (1949b/1994) considera que Hill fortalece as “tendências boas” da terapia

ocupacional, que procuram encontrar a contribuição pessoal verdadeira que o paciente tem capacidade de dar. Ou seja, tais tendências não impõem uma forma de produzir artisticamente, o que significaria ser “ocupado” com algo, mas não ter uma experiência própria. Winnicott cita também um trabalho realizado por sua primeira esposa, que era artista e trabalhou na área de terapia ocupacional de um hospital psiquiátrico. Lá descobriu que a modelagem de cerâmica podia funcionar de maneira auto-reveladora para os pacientes. Winnicott (1949b/1994) diz que, desta forma, pode-se capacitar cada paciente à sua maneira a fazer uma ponte de mão dupla entre o inconsciente e o viver comum consciente.

Muita coisa acontece, mas o principal é que o paciente, por gradualmente descobrir suas forças integradoras positivas, fica capaz de olhar para o que está dentro do self, a fim de ver o que quer que esteja lá, sejam o caos, as tensões, a morte, assim como a beleza e a vivacidade inata (Winnicott, 1949b/1994, p. 423).

Winnicott traz diversas contribuições para se pensar a criação artística. Constrói concepções múltiplas sobre ela, embora não adentre a fundo e detalhadamente o acontecer desta experiência em si. Vejamos o que outros autores próximos abordaram mais especificamente sobre o criar artístico e as relações estéticas com o mundo. Traremos concepções de Marion Milner (1950/2010, 1952a/1991, 1952b/1991, 1956/1991, 1960/1991, 1967/1991 e 1972/1991). E também de Gilerto Safra (2005) e José Otoni Outeiral e Luiza Moura (2002), autores brasileiros contemporâneos, grandes conhecedores da obra do autor.

A arte como busca compensatória: fazer artístico, experiências traumáticas e falso self

“...yo soy la desintegracion...” (Frida Kahlo, 1942, citada por Outeiral & Moura, 2002, p. 21)

De forma poética, Outeiral e Moura (2002) nos apontam que a criatividade, uma capacidade mágica de transcender a realidade, pode ser um dos maiores mistérios humanos. Entendem os artistas como pessoas cuja capacidade criativa transborda o criador, brindando- nos com obras de arte, que enriquecem e facilitam o nosso viver.

No entanto, estes autores nos esclarecem, também, que muitas vezes a produção de obras de arte é algo que tem uma função compensatória de falhas importantes na vida dos indivíduos. Podem ser uma das formas usadas durante a vida inteira para procurar se constituir a partir do olhar do outro e também uma tentativa de domínio de um trauma.

Para Outeiral e Moura (2002), a pintora mexicana Frida Kahlo expressa isto no seu fazer artístico, tendo passado por várias situações difíceis na vida, como dificuldades familiares e um sério acidente de carro. Ela mesma afirma que, embora fosse tomada como surrealista, entende que não pintava sonhos e sim sua própria realidade (Kahlo, 1995, citada por Outeiral & Moura, 2002). Entendemos que assim ela queria dizer que dava uma expressão pictórica para os acontecimentos de sua vida e a maneira como os sentia.

Segundo Green (1988), citado por Outeiral e Moura (2002), a criança que tem a difícil experiência de depender das variações de humor da mãe, precisará dedicar esforços para adivinhar ou antecipar. Sua unidade comprometida do Eu, que fica esburacado, realiza-se ou no plano da fantasia, dando espaço à criação artística ou no plano do conhecimento, dando origem a uma rica intelectualização. Estas são formas de tentar dominar uma situação

Documentos relacionados