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2 QUADRO TEÓRICO E DIGRESSÃO HISTÓRICA SOBRE QUESTÕES

4.3 Políticas Públicas de Limpeza Urbana de Guarulhos: instituições, atores e ideias

4.3.3 Ponto de Entrega Voluntária

O Ponto de Entrega Voluntária – PEV é a política pública proposta para solucionar o problema do descarte irregular de resíduos de construção civil e volumosos em logradouros. São equipamentos públicos nos quais os moradores pode entregar seus resíduos. Antes dos PEVs, a política pública ofertada aos moradores de Guarulhos que precisavam destinar esses

tipos de resíduos era o “Cata-Treco”58, que não era frequente e, então, as pessoas que não contratavam caçambas, descartavam seus resíduos de forma irregular nas vias públicas,

córregos e terrenos vazios da cidade. Segundo Tarcísio da I&T: “antes do Elói, tinham ruas inteiras que eram cheias de descarte de RCC”. Visivelmente, os serviços de limpeza corretiva

não eram suficientes para manter a cidade limpa.

Este quadro é preocupante, haja vista que a geração dos resíduos de construção civil equivale a duas vezes, em massa, a quantidade dos resíduos domiciliares (PINTO; GONZÁLES, 2005). Segundo estimativa do Plano Diretor de Resíduos de Guarulhos, foram

58 Coleta de resíduos de construção civil e volumosos realizada por caminhões da Prefeitura ou empresa contratada para o serviço, em dia pré-determinado pelo executivo e informado à população com antecedência para que esta última coloque na calçada seus resíduos.

gerados 1.860 toneladas desse resíduo, por dia, na cidade. Sendo caracterizado conforme descrito na figura a seguir.

Figura 6 – Caracterização da estimativa de Resíduos de Construção Civil em Guarulhos

Fonte: Plano Diretor de Resíduos Sólidos de Guarulhos (2011).

A ideia do PEV foi trazida para o município por uma comunidade epistêmica encabeçada por Tarcísio, que havia implantado a mesma política no município de Santo André/SP, no final da década de 1980, e em Belo Horizonte/MG, na década de 1990, como casos mais emblemáticos, mas também em outras cidades.

Segundo Tarcísio, a ideia do PEV foi formulada em Santo André em 1980, onde recebeu o nome de Estação Entulho, a partir da identificação do descarte de resíduos como um problema na cidade e das condições que o município disponibilizava para resolver o problema. Portanto, foi uma solução criada a partir da realidade local e adaptada em cada cidade onde foi implementada.

existiam muitos bota fora e a ideia foi criar ou estimular lugares para recebimento de concreto, madeira. E Guarulhos avançou muito nisso, tem uma cobertura de PEVs maior do que outros municípios nesse sentido59.

Foi uma ideia que se propagou e ganhou diferentes nomes e formatos, em Belo Horizonte foi chamado de Unidades de Recebimento de Pequenos Volumes, em São Paulo, Ecopontos, e assim por diante.

Segundo o entrevistado:

A mesma abordagem que fizemos em Belo Horizonte em 1993, eu estava aplicando ela em dois mil e pouco em Guarulhos e isso vai se refletir no Plano Diretor [de Guarulhos] em 2010. A modelagem é a mesma, mas vai sempre renovando, nunca é igual, ela vai crescendo, cada vez mais consistente60.

59 E4, consultoria I&T, segundo entrevista concedida em 28/06/2016. 60 Idem.

A implementação da política dos Pontos de Entrega Voluntária em Guarulhos é resultado de diversos fatores, mas os principais são: interesse da Prefeitura em diminuir o descarte irregular de resíduos na cidade, contratação da consultoria I&T, e interesse da PROGUARU em instalar estrutura de reciclagem de entulho.

A chegada da consultoria I&T em Guarulhos se deu no final da década de 1990, na gestão do Prefeito Jovino Cândido (PV), quando técnicos da Secretaria de Meio Ambiente, responsável na época pela limpeza urbana, abriram diálogo com Tarcísio, considerado referência nacional em gestão e manejo de resíduos da construção civil.

Conheci os trabalhos de Santo André e percebi a potencialidade dos PEVs como local que tinha a capacidade de atrair de forma preventiva resíduos que deixavam a cidade suja. [...] foi o gabinete do Jovino que viu a iniciativa em diversas cidades paulistas e em Minas Gerais61.

Essa aproximação culminou na elaboração de um diagnóstico, feito pela I&T, sobre o manejo de resíduos na cidade e na contratação desta consultoria pela PROGUARU, em 2001, com o objetivo de instalar uma usina de reciclagem de RCC no bairro Cabuçu.

No ano seguinte, a Prefeitura de Guarulhos contratou a mesma consultoria para a

implantação do Programa “Guarulhos Limpa”, sendo a primeira etapa um aprofundamento do

diagnóstico da quantidade e dos locais de descarte irregular de resíduos sólidos, a segunda etapa a proposição de soluções, e a terceira a implantação de soluções.

Os PEVs em Guarulhos são instalados em espaços públicos, portanto seu tamanho e formato variam dependendo do espaço público disponível na região. Apesar disso, pode-se afirmar que há um padrão na formatação dos PEVs; minimamente são compostos por caçambas, baias e local de apoio para os funcionários e banheiro. Em 2006/2007, os PEVs começaram a passar por reformas, e em 2012 foi montada uma equipe de reforma dos PEVs que ganharam edificações maiores para os funcionários e novas adequações. Até janeiro de 2017, existiam 19 PEVs na cidade, ou seja uma rede. Os endereços dos PEVs estão no ANEXO B. O Departamento de Limpeza Urbana utiliza a estimativa que o PEV recebe os resíduos de construção de munícipes que moram em um raio de 1,5 km. Na Tabela 2, a seguir, podem ser verificados os tipos de materiais e as quantidades recebidas nos PEVs de Guarulhos em 2016.

Tabela 2 – Resíduos recebidos nos PEVs de Guarulhos em 2016 Resíduo Quantidade (t) Entulho 23.791 Solo 2.236 Gesso 2.468 Madeira 6.029 Amianto 510 Resíduos Secos 468 Pneus 139 (27.800 unidades) Poda 356 Rejeito 7.000 TOTAL 42.997

Fonte: Departamento de Limpeza Urbana, 2017.

Uma forte disputa de ideias que ocorreu dentro do subsistema de limpeza urbana envolvendo os PEVs relaciona-se à defesa, por parte de alguns atores, da ideia que antecedeu o PEV, chamada Cata-Treco ou Cata-Bagulho, que se caracteriza como a coleta realizada por um caminhão da Prefeitura, de móveis velhos e entulhos, na porta da casa das pessoas.

As duas ideias estão ancoradas em princípios diferentes, enquanto o PEV busca organizar o descarte de resíduos, educando o munícipe sobre as suas responsabilidades enquanto gerador de resíduos e garante a reciclagem dos matérias recebidos, o Cata-Treco ou Cata-Bagulho perpetua o entendimento equivocado de que os resíduos gerados são apenas de responsabilidade da Prefeitura, que atua coletando-os na residência das pessoas. Alguns dos defensores do Cata-Treco são vereadores e administradores regionais62, ou seja, pessoas que ocupam cargos estratégicos e sofrem pressão da população que quer ver seu problema resolvido. Em 2014, o Legislativo Municipal aprovou a Lei nº 7.246/2014, criando o Programa Cata-Treco em Guarulhos como uma tentativa de retomar a ação na cidade. No entanto, a Prefeitura de Guarulhos acionou o Ministério Público, o qual definiu vício de iniciativa e inconstitucionalidade63, dando parecer favorável para a Prefeitura.

62 Equivalente a subprefeito.

63 O Parecer completo do Ministério Público de São Paulo está disponível em:

<http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Assessoria_Juridica/Controle_Constitucionalidade/ADIns_3_Parece res2015/TJ%20-%202023496-05.2015.8.26.0000%20-%20GUARULHOS>.

Segundo a ex-secretária de serviços públicos, Maria Helena Ribeiro:

[...] acho que avançamos em muitas coisas em Guarulhos, uma delas foi o Ponto de Entrega Voluntária e não fazer mais o cata bagulho. Avançamos bem mais que outras cidades que permaneceram neste processo. Porque é uma responsabilidade do cidadão. Ele tem que se responsabilizar pelo resíduos que gerou e ele ter a iniciativa de aproveitar o máximo na casa dele [durante a obra], reutilizar e depois levar até o PEV com consciência. E não aquela questão antiga de passar o caminhão e todo mundo vai colocando para fora o entulho64.

Contudo, não é algo rígido e inflexível, o Cata-Treco está presente nas metas do PDRS de Guarulhos e é executado pela Prefeitura quando necessário, conforme este depoimento:

Sou contra o cata-bagulho porque isso que cria a questão de consciência do morador, se ele gerou ele tem que ir até o PEV levar. Mas isso não é uma questão rígida. Por exemplo, nós fizemos cata-bagulho no Anita Garibaldi, em uma ação anti-dengue, era um bairro com muito bagulho, a gente fez uma ação junto com a [secretaria] da saúde, mas foi uma ação coordenada. Mas não para institucionalizar isso na cidade inteira, pois seria um retrocesso. Quem está dirigindo o sistema de limpeza tem que ter essa sensibilidade. Então assim, qual a melhor política a se fazer em cada situação? Como a gente vai investir o recurso? É melhor investir o recurso com o caminhão na casa das pessoas, ou é melhor investir em PEV? Não tem dinheiro para tudo e a gente sabe que a cidade mais limpa é a que menos suja65.

Em vista disso, o PEV foi uma política pública formulada fora de Guarulhos por uma comunidade epistêmica conhecida nacionalmente na temática dos resíduos. Esta mesma comunidade implantou o PEV no município e levou a experiência dos aprendizados para outros municípios e para o governo federal. Os resultados demonstram que o PEV é uma política preventiva exitosa, representando uma redução de 33% na limpeza corretiva, após 8 anos de sua implementação (GUARULHOS, 2011).

Em Guarulhos, a ideia dos PEVs foi fortalecida com a criação de um novo arcabouço institucional sobre gestão integrada de resíduos de construção civil. Conforme descrito no tópico 4.3.3, os PEVs fazem parte de um Sistema de Gestão Integrada de Resíduos, instituído por lei municipal. Cabe destacar que este sistema definiu a obrigatoriedade da Prefeitura em implantar, sempre que possível, agregados reciclados nas obras públicas.

Objetivando organizar o setor econômico envolvido na gestão dos RCC e volumosos frente às novas regras, o governo Elói e a I&T se reuniram várias vezes com caçambeiros e donos de recicladoras de RCC e de Áreas de Transbordo e Triagem privadas. E, como resultado

64 E1, Secretaria de Serviços Públicos, segundo entrevista concedida em 18/07/2016. 65 Idem.

desses encontros, houve um incremento desse tipo de serviço na cidade, visando um novo nicho de mercado que estava surgindo. Esses empresários viram no novo arcabouço institucional uma oportunidade de mercado, pois a compra de agregados reciclados pela Prefeitura em grandes quantidades aqueceria o mercado. Contudo, anos após a aprovação da lei, a Prefeitura não a cumpriu.

Assim, em 2008, os donos de recicladoras de RCC e de Áreas de Transbordo e triagem se uniram e provocaram o Ministério Público para que a Prefeitura fosse forçada a cumprir a lei. Desse modo, a Prefeitura assinou mais um TAC junto ao Ministério Público sobre a gestão de resíduos na cidade. Isso influenciou mudanças administrativas e de gestão, e como resultado semestralmente todos os órgãos da administração pública direta e indireta que realizam obras na cidade enviam relatórios para o Ministério Público prestando informações sobre o cumprimento da meta referente ao uso de agregados reciclados em obras.

Segundo o funcionário do DELURB, após a aprovação da Lei nº 6.126/06, o DELURB vinha, sem sucesso, tentando convencer as demais secretarias que realizavam obras na cidade a utilizarem o agregado reciclado. Então, segundo este funcionário, a provocação dos empresários junto ao Ministério Público ajudou a fortalecer o argumento do DELURB.

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