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Entretanto, se estamos lutando ferozmente para não sermos vencidos nessa luta, ou se

A CONTINÊNCIA INTRODUÇÃO

XIV. 32. Entretanto, se estamos lutando ferozmente para não sermos vencidos nessa luta, ou se

estamos vencendo com uma facilidade surpreendente e inesperada, vamos dar a glória a quem nos deu a continência. Lembremo-nos daquele justo que disse na sua abundância: “Jamais serei abalado”, demonstrando como audacioso era atribuir para si próprio o que lhe foi dado do alto. Aprendemos isto da sua própria confissão, pois imediatamente acrescenta: “Tu, Senhor, por teu favor fizeste

permanecer forte a minha montanha; apenas voltaste o rosto, fiquei logo conturbado”.132 O

Governador de todas as coisas, através de sua medicinal providência, abandonou o salmista por um pouco de tempo para que ele não abandonasse (com um orgulho ruinoso) aquele que tudo governa. Portanto, se aqui – onde lutamos para conter e reduzir nossos vícios a nada –, ou se lá, no fim futuro – onde estaremos livres de todo e qualquer inimigo e peste –, tudo o que acontecer conosco é salutar

e, sendo assim, “aquele que se gloria, glorie-se no Senhor”.133

1 Cf. Sb 8,21. 2 Mt 19,11. 3 1Cor 7,7. 4 Sl 141(140),3.

5 Aqui, Agostinho está criticando a m oral m aniqueia, que prescrevia a observância das três regras, selos ou m arcas (signacula), a saber: “signaculum oris, manuum et sinus – selo da boca, das m ãos e dos seios” (De mor. Eccl. cath. et

mor. man., II, 10, 19), m ais especificam ente do prim eiro selo, através do qual exigia-se dos adeptos da seita um autopoliciam ento para não proferir qualquer palavra nociva: blasfêm ias, m entiras etc., conform e atesta Santo Agostinho, na

supracitada obra: “É próprio do selo da boca a abstenção de toda blasfêm ia, que consiste em falar m al dos bons; e daqui a opinião geralm ente adm itida de que a blasfêm ia são palavras m ás contra Deus; porque da bondade dos hom ens se pode duvidar, j á com relação à de Deus nunca” (Ibid., II, 11, 20). Para um m aior aprofundam ento do tem a, recom endam os nossa obra: COSTA, Marcos Roberto Nunes, Maniqueísmo: história, filosofia e religião, Vozes, 2003, cap. 4 – A moral

maniqueia, p. 88-111. Ver, tam bém , nota n. 47.

6 Sl 141(140),3-4.

7 Aqui, conform e com enta ARENDT, Hannah, Entre o passado e o futuro, Trad. de Mauro W. Barbosa de Alm eida, Perspectiva, 1992, p. 188-220, em relação aos filósofos antigos, especialm ente Aristóteles, Agostinho m udou radicalm ente os term os do problem a da liberdade, ao fazer dela a essência da vontade, e não a ação dela decorrente. Para Agostinho, a vontade opera até m esm o na ausência total da ação. Pois “o querer é um a faculdade interior, que não precisa se expressar em ação para possuir sua essência. Podem os obrigar alguém a fazer algum a coisa, m as nunca a querê-la” (BIGNOTTO, Newton, O conflito das liberdades: santo Agostinho, em Síntese Nova fase, Belo Horizonte, v. 19, n. 58, 1992, p. 333). Assim sendo, em Agostinho, a liberdade do hom em é experim entada, em prim eiro lugar, em sua relação consigo m esm o, com seus desej os, com suas lim itações. Só num segundo m om ento, a presença de outros hom ens, assim com o das instituições sociais e políticas vão ter sua im portância. Para Agostinho, a escolha por si só j á é um a ação, m esm o que não se m anifeste no m undo exterior. A interiorização da vontade e da ação significa transform ar a m oral individual em m oral das intenções, pois cada ato resulta de um a decisão da vontade, cuj a essência não é o “fazer”, m as a intenção. Nesse caso, toda responsabilidade recai sobre a intenção, pois, “se ela é boa, m as nos enganam os na hora do agir, o ato é bom , pois a vontade escolheu corretam ente; se, ao contrário, nos enganam os na escolha, m as praticam os o bem , ainda assim , o ato é ruim , pois a intenção o era [...] A m oral é um a m oral da intenção” (GILSON, apud BIGNOTTO, 1992, p. 342).

8 Mt 23,26. 9 Mt 15,11. 10 Mt 15,16-17. 11 Mt 15,18.

12 Mt 15,19-20. 13 Sl 14(13),1. 14 Rm 6,12-13. 15 Gl 6,17. 16 Cf. 1Cor 15,26. 17 Rm 7,18. 18 Rm 7,22-23. 19 Rm 3,20. 20 Rm 7,7. 21 Cf. Rm 5,20. 22 Rm 4,20. 23 1Cor 15,56.

24 A partir daqui, ao introduzir a necessidade da graça divina para que o hom em possa vencer o m al, a obra torna-se não só antim aniqueia, m as tam bém antipelagiana. 25 Cf. Rm 10,3. 26 Sl 85(84),13. 27 Rm 6,12-14. 28 Rm 8,12-14. 29 Gl 5,19-21. 30 Gl 5,16-18. 31 Gl 5,22-23. 32 Gl 5,24.

33 Jr 17,5. Aqui Agostinho critica os pelagianos, os quais, m antendo-se num a linha naturalista, ou intelectiva, afirm am que a graça divina foi concedida a todos os hom ens no m om ento do nascim ento. Todos tem os esse dom , ele é inerente à nossa natureza, que é essencialm ente boa. Daí que, “para ascender à santidade, não precisam os de um a graça diferente da que nos foi obtida, de um a vez por todas, pelo Salvador. A boa vontade é suficiente, se ao m enos se apropria dos m eios. Ou sej a, a graça específica de Cristo torna-se inútil, sendo idêntica à graça genérica da criação; essa graça é suficiente para a santidade” (GILBERT, 1999, p. 49). Agostinho, por sua vez, reconhece que os princípios defendidos pelos pelagianos – de que toda natureza em si é boa, um a vez que todo ser vem de Deus, e que o livre-arbítrio da vontade é a única causa do m al – devem ser tom ados com o axiom áticos. Entretanto, para não ter que negar a graça divina, ou “para não tornar inútil a cruz de Cristo”, é forçado a defender que a natureza hum ana encontra-se decaída, im possibilitada de levantar-se por conta própria.

34 Além dos pelagianos, aqui Agostinho critica os filósofos, os quais acreditavam que o hom em , por suas próprias forças, ou m ediante um esforço puram ente racional, podia alcançar a perfeição. É por isso que, apesar de reconhecer a grande contribuição dos neoplatônicos, especialm ente Plotino, cuj a doutrina do Noûs é análoga ao Verbo de São João (cf. Conf. VII, 9, 13 e De civ. Dei X, 29, 2), Agostinho lam enta que tais filósofos tenham caído em um lam entável fracasso, porque sua soberba envergonhava-os de confessar a encarnação do Verbo. Agostinho dedicaria três livros inteiros do Sobre a Cidade de Deus (Livro VIII a X, intitulados, respectivam ente, “Teologia Natural e Filosófica”, “Cristo Mediador” e “O Culto ao Verdadeiro Deus”), para elogiar a filosofia platônica, m as tam bém para m ostrar os seus lim ites, ou sej a, que pela razão filosófica não se chega à verdade, m as, tão som ente, a um a falsa verdade, ou soberba.

35 Nas Confissões, ao narrar a im portância que a filosofia neoplatônica teve em sua conversão, Agostinho m ostra que, apesar de serem os que m ais se aproxim am das verdades da fé, que chegaram aos últim os lim ites do que a razão hum ana pode dizer de Deus, nos neoplatônicos faltava um últim o degrau para se alcançar a verdade; que estes, ao identificarem o Verbo de Deus com o Noûs, ou razão natural, esqueceram que o Verbo não é som ente Deus, m as Deus encarnado; que o “Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Entendem os que, m ais tarde, depois de convertido, Agostinho diria que os “filósofos” chegaram até as portas do céu, m as não entraram , atolaram -se no seu próprio orgulho racional, ao pensarem que o m ais alto grau da felicidade, a eudaim onia, se encerrava no pleno desenvolvim ento da razão natural que eles im aginavam ter alcançado, ou com o diz COURCELLES, Dom inique de, Agustín o el genio de Europa, Trad. de Francisca Santa Cruz L., Caracas, 1998, p. 111: “Os platônicos acreditavam na autonom ia espiritual dos hom ens. Pois, segundo seu discípulo Porfírio, estas teriam sido as últim as palavras de Plotino: ‘Esforço-m e por fazer rem ontar o que há de divino em nós ao que há de divino no universo’. Deste m odo, o eu de origem divina não esperava um a libertação, só devia tom ar consciência de sua origem divina”. Por isso, Agostinho, denunciando o seu próprio orgulho racional e, ao m esm o tem po, o dos neoplatônicos, afirm a: “Tagarelava a boca cheia com o um sabichão, m as, se não buscasse em Cristo Nosso Salvador o cam inho para Vós, não seria perito m as perituro. Já, então, cheio do m eu castigo, com eçava a querer parecer um sábio; não chorava e, por acréscim o, inchava-m e com a ciência” (Conf., VII, 20, 26). As palavras de São Paulo m ostraram -lhe que a “verdadeira sabedoria”, sinônim o de “verdadeira felicidade”, não se encontra neste m undo, m as tão som ente em Deus, e que este não se atinge pela razão, m as, para alcançá-lo, é preciso transcender a razão; que só m ediante a hum ildade cristã, pela gratuidade de pensam ento, por contem plação, o hom em pode alcançá-lo.

36 Aqui Agostinho refere-se ao m aniqueísm o, o qual seguia o docetism o, que “é um a doutrina gnóstica do séc. II, segundo a qual o corpo de Cristo não era real, porém só aparente, bem com o negava que Ele fosse nascido de Maria” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo dicionário da língua portuguesa, 2ª ed., Nova Fronteira, 1986, p. 605). Ou sej a, “os m aniqueus atalhavam as dificuldades escriturísticas: rej eitavam em bloco o Antigo Testam ento. O Novo aceitavam , sim , m as negando, com o interpolado, tudo o que se refere ao Antigo. A genealogia de Cristo era um a destas interpolações. De resto, Cristo não tinha assum ido um corpo verdadeiro, m as só um corpo aparente; não podia ter, por isso, um a genealogia” (TRAPÈ, Agostino, S. Agostino: l’uomo, il pastore, il místico, Editrice Esperienze, 1971, p. 64).

37 Jo 1,14. 38 Lc 3,6. 39 Sl 65(64),3. 40 Jo 17,2. 41 Rm 3,20. 42 Gl 2,16. 43 1Cor 3,3. 44 2Cor 3,5. 45 Rm 13,1. 46 Gn 46,27.

47 Ao fazer um a leitura alegórica das palavras do Apóstolo, Agostinho pretende dem onstrar que, apesar de considerar a alm a ontologicam ente superior ao corpo, nem por isso o corpo, considerado com o parte inferior, deixa de fazer parte da natureza hum ana, conform e vem os j á nas obras com postas com o recém -convertido, com o em Solilóquios I, 12 e no Sobre a Vida Feliz, II, 2, e, principalm ente, no Sobre os Costumes da Igreja Católica e os Costumes dos Maniqueus, onde diz: “Que bem pode existir superior ao hom em ? É difícil saber se não se exam ina e resolve antes qual a natureza do hom em . Não se trata aqui agora da exigência de definir que é o hom em , quando quase todo m undo, ou pelo m enos m eus adversários (os m aniqueus) e eu estam os de acordo com a afirm ação de que som os um com posto de corpo e alm a. A questão é m uito distinta: qual das substâncias que m encionam os é a que constitui o hom em ? São as duas, ou o corpo som ente, ou só a alm a? – Resposta: O corpo e a alm a são duas realidades distintas e nem um a das duas sem a outra é hom em ; não é o corpo sem a alm a que o anim a, nem a alm a sem o corpo a que dá vida [...]. O que cham am os, pois, hom em ? É o corpo e a alm a, unidos com o dois cavalos que puxam um a carruagem ou à m aneira de um centauro” (De mor. Eccl. cath. et mor. man., I, 4, 6). Posição essa que seria reforçada nas obras da m aturidade, com o, por exem plo, no Sobre a Cidade de Deus, onde diz que não podem os denom inar o hom em nem só pela alm a, nem só pelo corpo: “É grande verdade não ser a alm a do hom em todo hom em , m as sua parte superior, nem seu corpo todo o hom em , m as sua parte inferior” (De Civ. Dei, XIII, 24). Ou sej a, m esm o que a alm a sej a um a substância superior, ela necessita de um corpo para com ele form ar um a substância com pleta: o hom em . Tem os, então, um a visão positiva do corpo, com o algo que faz parte, tam bém , da natureza do hom em , conform e diz na supracitada obra: “Com efeito, o corpo não é apenas ornam ento do hom em , adj utório exterior; faz parte de sua natureza” (Idem, I, 8). Nesse sentido, Agostinho superaria o dualism o m aniqueu e/ou platônico, no qual o corpo não passa de um acidente, de algo desnecessário à alm a e que, portanto, deve ser desprezado ou neutralizado pelo hom em , conform e com enta Stephen Duffy : “Agostinho contem pla a pessoa hum ana com o estruturada hierarquicam ente, sendo a alm a superior ao corpo. Sem em bargo, seria precipitado concluir que ele adere sim plesm ente às tendências neoplatônicas, ao dualism o m etafísico. O m odelo clássico de pessoa é o de um a m escla ou j ustaposição de alm a e corpo [...]. O m odelo do cristianism o prim itivo é o de um a unidade e integração [...]. Agostinho se desviou da antropologia neoplatônica em pontos cruciais: para ele o corpo não é um a prisão da alm a; nem tam pouco a presença da alm a no corpo representa um castigo divino. Antes, pelo contrário, Deus quis que os seres hum anos fossem corpo e alm a, e os criou desta m aneira” (in: FITZGERALD, Allan D., org., 2001, p. 86). Ver nosso artigo: COSTA, Marcos Roberto Nunes. O problema do corpo na filosofia/teologia patrístico-agostiniana, in: COSTA, Marcos Roberto Nunes; CORREIA JUNIOR, João Luiz (orgs.), Os mistérios do corpo: uma leitura multidisciplinar, Recife, INSAF, 2004, p. 105-128. 48 Jo 8,44. 49 Jo 8,44. 50 Sl 119(118),133. 51 Rm 6,14. 52 Rm 8,13. 53 Rm 8,14. 54 Mt 6,12. 55 Sl 141(140),3.

56 Neste capítulo, Agostinho critica todos aqueles que buscam um a causa determ inística para o m al, especialm ente os m aniqueus, que, para tal, criaram um sistem a ontológico dualista, anunciando a existência de dois princípios originantes: de dois m undos ou duas naturezas, conform e declara Agostinho, criticando-os: “Se os m aniqueus quisessem refletir, sem que um zelo funesto os levasse a defender o seu erro, e se tem essem a Deus, não blasfem ariam im piedosam ente ensinando que há duas naturezas, um a boa, a que cham am de Deus, e outra m á, não criada por Deus” (De nat. boni I, 41. Já, em outras obras antim aniqueias, aparecem outras nom enclaturas, com o, por exem plo, no Contra

Fort. man. I, 14, Agostinho fala de “duas substâncias”; no De mor. Eccl. cath. et mor. man., II, 2,5, no Contra Felic. man. I, 17 e no Contra ep. quam man. voc. fund. I, 13, de “dois reinos”, e ainda no Contra Felic. man. I, 17, de “duas terras” ou

“dois m undos”; no Contra Fort. man. I, 22, fala de “duas raízes”). Ou sej a, dois princípios ontológicos, e não dois deuses, conform e diz o m aniqueu Fausto, em debate com Agostinho: “É certo que confessam os dois princípios, m as a um cham am os de Deus e ao outro m atéria (hylê), ou para utilizar um a expressão com um e frequente, dem ônio” (Contra Faust. man. XXI, 1). Ver capítulo de nosso livro: COSTA, 2003, cap. 3 – A cosmologia maniqueia, p. 39-87. Dessa cosm ologia dualista, deriva um a m oral, igualm ente, dualista, em que acreditavam que o hom em não era totalm ente livre, pois um a de suas partes, o corpo ou a m atéria, era ontologicam ente m á, sendo o hom em determ inisticam ente condenado a praticar o m al, conform e diz Agostinho, em um a de suas obras antim aniqueias, o Sobre as Duas Almas, Contra os Maniqueus, ao narrar a sua condição enquanto fora m aniqueu: “Acreditava eu que m inha liberdade som ente poderia se identificar com um a parte de m im m esm o, a m inha alm a boa. A outra, a m aior parte de m im m esm o, era totalm ente estrangeira a este oásis da pureza. A febre de m inhas paixões, m inhas cóleras, m inha sexualidade, m eu corpo fonte de corrupção e tudo m ais pertenciam ao universo onde prolifera a natureza m á” (De duab. an. contra man. I, 1). Ou ainda o m aniqueu Fortunato, em debate com Agostinho, no Contra Fortunato Maniqueu: “Fortunato: Nós afirm am os que um a natureza contrária força a alm a a pecar” (Contra. Fort. man. I, 21). Ver capítulo de nosso livro: COSTA, 2003, cap. 4 – A moral maniqueia, p. 88-111.

57 Hb 5,14. 58 Mt 6,12.

59 Para Agostinho, o m al, ou m elhor, os efeitos do m al, em nada perturbam a ordem do universo program ada por Deus. Pelo contrário, m esm o os efeitos do m al (sinais do m al no universo) são perfeitam ente abarcados pela ordem , contribuindo para a harm onia de seu conj unto, conform e diz no Sobre a Ordem, respondendo à pergunta se os erros dos néscios tam bém estariam dentro da ordem estabelecida por Deus: “Tam bém a vida inconstante dos néscios não se faz ordenada por eles m esm os, m as a divina Providência a encaixa dentro de um a ordem e a assenta com o em certos lugares dispostos por sua lei inefável e eterna, sem perm itir-lhe estar onde não deve. Assim considerada em si m esm a, com um espírito estreito, nos ofende e enoj a por sua fealdade. Mas se levantarm os e estenderm os os olhos da m ente à universalidade das coisas, nada falarem os que não está ordenado e ocupando um lugar distinto e acom odado” (De ord. II, 4, 11). Mais do que isto, Deus pode até fazer bom uso dos m ales para m anter a ordem do universo, com o, por exem plo, através do castigo para corrigir o infrator, trazendo-o de volta à ordem . Por isso Agostinho diz: “Que coisa m ais horrível que um carrasco? Nem m ais truculenta e feia que seu espírito? E, no entanto, tem lugar necessário nas leis e está incorporado à ordem com que se deve reger um a sociedade bem governada. É um ofício degradante para o espírito, m as contribui à ordem alheia castigando os culpados” (De ord. II, 4, 12). Não que, com isso, o m al sej a algo necessário, ou que passe a ser um bem em si, m as Deus, na sua divina Onipotência, o perm ite e, um a vez o adm itindo, o encaixa na ordem . Por isso, na obra Sobre o Gênesis Contra os Maniqueus, rebatendo a pergunta dos m aniqueus: “É bom o diabo porque é útil?” (De Gn. contra man. II, 28, 42), Agostinho responde: “Pelo contrário, é m au enquanto é diabo, m as Deus é onipotente e bom , e até das m alícias do diabo obra m uitas coisas j ustas e boas. Ao diabo, pois, se lhe im puta sua m á vontade, com a qual se esforça para fazer o m al, e à divina Providência os bens que tira do diabo” (Ibid., II, 28, 42). Por isso, por exem plo, “a divina Providência perm ite que haj a m uitos hereges com diversos erros, para que, quando nos insultam e nos perguntam coisas que ignoram os, sacudam os a preguiça e nos aguce o desej o de conhecer as Letras divinas. Por isso disse o Apóstolo: ‘É necessário que haj a heresias, para que entre vós se m anifestem os bons’” (Ibid., I, 1, 2). Portanto, diz Agostinho no Contra a Epístola dos Fundamentos: “Ele (Deus) perm ite (o m al), quando o j ulga conform e a ordem e a j ustiça, segundo a hierarquia dos seres e os m éritos das alm as” (Contra ep. fund. 4).

60 Esta é exatam ente a questão levantada no Sobre o Livre-Arbítrio, quando, depois de chegar à conclusão de que a origem do m al está no livre-arbítrio da vontade hum ana, ainda no final do Livro I, Evódio – interlocutor de Agostinho – questiona: “Mas quanto a esse m esm o livre-arbítrio, o qual estam os convencidos de ter o poder de nos levar a pecar, pergunto-m e se aquele que nos criou fez bem de no-lo ter dado. Na verdade, parece-m e que não pecaríam os, se estivéssem os privados dele” (De lib. arb. I, 16, 35). Ou sej a, não será o livre-arbítrio um m al para o hom em , visto ser unicam ente por ele que pecam os? Não seria m elhor que Deus não no-lo tivesse dado? E, um a vez tendo sido dado por Deus,

não será Ele responsável indiretam ente por nossas m ás ações? O livre-arbítrio fora dado ao hom em para que este viva retam ente. Caso contrário, Deus não agiria com j ustiça, ao castigar o hom em infrator por seus pecados, ou ao prem iar o benfeitor, por ter usado livrem ente do livre-arbítrio para o fim a que lhe foi dado. O argum ento de Agostinho para defender que o livre-arbítrio fora dado ao hom em repousa sobre o princípio da j ustiça divina. Pois, prim eiro, se o hom em não tivesse livre-arbítrio, não seria m erecedor do castigo, j á que seu pecado não seria culposo. Segundo, se o livre--arbítrio tivesse sido dado igualm ente para levá-lo a pecar, Deus não poderia castigá-lo. Logo, é necessário que o livre-arbítrio tenha sido dado ao hom em unicam ente com o obj etivo de torná-lo reto, e que o prêm io ou o castigo recaiam sobre o hom em com j ustiça, conform e diz: “É verdade que o hom em em si sej a certo bem e que não poderia agir bem , a não ser querendo; seria preciso que gozasse de vontade livre, sem a qual não poderia proceder dessa m aneira [...]. Há, pois, um a razão suficiente para ter sido dada, j á que sem ela o hom em não poderia viver retam ente. Ora, que ela tenha sido dada para esse fim pode-se com preender logo, pela única consideração de que, se alguém se servir dela para pecar, recairão sobre ele os castigos da parte de Deus. Ora, seria isso um a inj ustiça, se a vontade livre fosse dada, não som ente para se viver retam ente, m as igualm ente para se pecar. Na verdade, com o poderia ser castigado, com j ustiça, aquele que se servisse de sua vontade para o fim m esm o para o qual ela lhe fora dada?”(De lib. arb. II, 1, 3). Portanto, para que a j ustiça divina recaia sobre o hom em , com retidão, é necessário que o hom em sej a livre: “Se Deus não tivesse outorgado o livre-arbítrio ao hom em , não poderia existir nenhum j uízo j usto que o castigasse, nem m érito ao bem obrar, assim com o tam pouco o preceito divino de fazer penitência pelos pecados, nem o m esm o perdão dos pecados que Deus nos tem dado por Jesus Cristo nosso Senhor. Com efeito, quem não peca livrem ente, não peca” (Contra Fort. man., 20). Entretanto,

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