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Entrevista dirigida com Camila Faccioni, arquiteta pesquisadora da exploração econômica de propaganda em espaços urbanos.

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Atualmente, com a lei ‘Cidade Limpa’ há um clamor público de que a exploração da paisagem urbana como suporte de propaganda ‘rompeu os limites do razoável’.

Como você enxerga a relação dos meios de comunicação externos com a paisagem urbana?

A utilização da paisagem urbana como meio de comunicação não é um tema atual. Desde as sociedades mais antigas, inclusive a da Roma Antiga, a cidade é que comportava os painéis onde se pintava e escrevia as leis da sociedade. Mais tarde, a Igreja também utilizava os locais da cidade com maior " uxo e concentração de pessoas para pregar as suas ideologias. Esta descrição está mais detalhada no capítulo 3 do meu livro. O que importa é que o meio urbano é aquele que concentra um maior contingente de pessoas, em função do trânsito lento e da circulação urbana. Com o advento da televisão e da mídia de massa a publicidade exterior não perdeu a sua força, pelo contrário, se fortaleceu como uma mídia de apoio para os meios de comunicação de massa. O que eu quero dizer é que a sociedade humana sempre se utilizou do espaço da cidade (nos momentos históricos em que existiu o conceito de “cidade”) para se comunicar. A revolução industrial, o capitalismo, a propaganda e a grande variedade de produtos e mensagens visuais é que se altera conforme caminha a evolução social. Por isso, a relação entre os meios de comunicação e a paisagem urbana é uma relação simbiótica e que, para sobreviver não pode ultrapassar determinados limites.

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De fato, as inserções da propaganda na paisagem urbana são de uma força tremenda na composição de sua identidade; seja para quali" cá-la ou desquali" cá-la. Gostaria que apontasse um forte caso positivo e um negativo.

Se considerarmos que a Torre Eiffel, em Paris, foi construída como um instrumento de publicidade para as estruturas em aço (foi uma torre construída apenas para uma feira e era para ser desmontada

assim que a feira chegasse ao ! m), podemos dizer que ela é um dos principais ícones urbanos da identidade parisiense e francesa. Falando mais especi! camente de mensagens publicitárias, acredito que Times Square (Nova Iorque), Guinzá (Japão) e Las Vegas são exemplos positivos da relação extrema entre mídia exterior e identidade visual urbana. Num caso paulista, podemos falar da Avenida Paulista, que não teria o mesmo impacto em identi! car a avenida mais conhecida de São Paulo, não fosse pelas cores dos seus luminosos (luminoso do Itaú, cobertura de edifícios, fachadas), pela forma marcante de alguns dos seus edifícios (SESI,SENAI,GAZETA) e da comunicação visual do seu mobiliário urbano de identi! cação das ruas que a cruzam.

Exemplos negativos são todos aqueles que nos impedem de reconhecer o lugar. As ruas Teodoro Sampaio, Santa I! gênia e Rua da Consolação são ruas de um comércio especializado que, através dos seus anúncios de fachadas não nos permite identi! car onde estamos, a não ser pelos produtos expostos, nomes das lojas ou descrição dos produtos vendidos.

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Você comenta em seu livro ‘Paisagem Urbana’ que em sociedades pouco preocupadas com o cenário urbano, ‘a mídia exterior tem conseguido interferir intensa e negativamente na composição da imagem ambiental’ [p50]. Com a lei ‘Cidade Limpa’, toda a sinalização de fachada e de propaganda está sendo violentamente combatida/reduzida.

Como técnica e observadora na área de paisagem urbana, você observa uma ‘força maior’ [que não a prefeitura] coordenando a composição da ‘Cidade Limpa’, ou entende como resultado de um desenvolvimento técnico- político-econômico convencional?

Uma sociedade na qual a educação básica é valorizada, a comunidade tem o conhecimento do modo como o ar ! ca poluído, as águas sujas,

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o lixo é recolhido, en! m, aumenta o conhecimento de que cada ação do cidadão se re" ete na sociedade como um todo. Podemos concluir que a cidadania só é completamente possível se há educação. A sociedade (não só a brasileira) não dá muita importância para a paisagem urbana porque as conseqüências de uma paisagem urbana ruim e poluída, não são mensuráveis, são abstratas. Neste sentido, somente o fato de a sociedade estar discutindo o assunto já é um aspecto positivo.

Em outras cidades como as européias (Barcelona, Paris, Berlin, Londres) e algumas cidades norte-americanas (Washington), a discussão sobre mídia exterior e uma drástica diminuição da sua veiculação no espaço urbano, já estão mais avançadas. Neste sentido, podemos entender que as transformações sofridas pela publicidade externa (dos “outdoors” para o mobiliário urbano) é um caminho natural que se iniciou em cidades de países capitalistas desenvolvidos, de onde as cidades brasileiras imitam inúmeros modelos. Por outro lado, há um “lobby” muito grande das grandes empresas de mobiliário urbano para se instalarem no Brasil. Estas empresas sabem que a circulação de capital em publicidade exterior na cidade de São Paulo é muito grande e enxergam um grande ! lão para ampliar os seus negócios.

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Ainda na ‘Cidade Limpa’, surge o ‘santo graal’ da mídia exterior: o mobiliário urbano é a única estrutura que poderá conter, legalmente, grandes

situações de propaganda, controlado por poucas " rmas, observado pela Prefeitura. E aprimorado pela alegação [um tanto parcial] que ‘o equipamento urbano valoriza o entorno’.

Essa leitura do mobiliário como nova vedete é válida? Pode-se avaliar uma ‘grande jogada’ para mudar o suporte da mídia? Isso pode ser visto como uma ‘limpeza’ dos outdoors, talvez uma mídia que tenha se popularizado demais?

Como já foi respondido na questão anterior, existe um “lobby” muito grande das empresas internacionais de mobiliário urbano para entrar na cidade de São Paulo. Algumas delas já estão em Salvador e no Rio de Janeiro. Logicamente a publicidade exterior veiculada em mobiliário urbano é melhor do que aquela veiculada nos “outdoors”. Elas são menores e mais adequadas à escala humana, ocupam espaços

menores, estão sempre associadas à elementos que desempenham uma função social (abrigos de ônibus, relógios urbanos, etc.) e, de certa forma, podem valorizar o entorno no qual são instaladas, pois necessitam de calçadas mantidas e o espaço deve estar mais limpo para que se destaquem.

Num período em que a cidade de São Paulo não era tão verticalizada e adensada, os “outdoors” podiam desempenhar melhor as suas funções, pois se destacavam na paisagem e podiam ser visto por um grande número de pessoas simultaneamente. Com a nova estrutura urbana, os suportes de madeira e chapas metálicas nos quais são colados os papéis impressos com a publicidade, se tornaram modelos ultrapassados.

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O sistema de propaganda em mobiliário urbano trabalha com manutenção, limpeza, rodízio da publicidade, etc. Infelizmente, as melhores peças [equipamentos] estão em pontos centrais, de alta representação econômica. Nas periferias, ponto de ônibus não tem luz, banco ou teto – se resume a um ‘palito’ espetado na calçada.

A mídia exterior ‘pré-mobiliário-com-propaganda’ também não tinha interesse de atingir locais sem poder econômico. Essa analogia fortalece a relação do mobiliário como mera ferramenta da mídia exterior, pois o equipamento não tem distribuição democrática pela cidade?

Assim como Times Square ! ca num ponto valorizado de Nova Iorque e as melhores peças publicitárias de São Paulo estão nas regiões mais valorizadas, não seria e nem será diferente com o mobiliário urbano. A tendência natural é que sejam instaladas as melhores peças nas regiões centrais e as periferias continuarão sendo ignoradas pelas grandes empresas vencedoras da licitação de Mobiliário Urbano e pelo poder público municipa. Na Lei 14.223, a conhecida “Lei Cidade Limpa”, há a menção a algumas

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Abrigos de ônibus em São Paulo

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peças do mobiliário urbano que poderiam ser instaladas em São Paulo como veículos de publicidade exterior. Uma destas peças é um “sanitário público auto-limpante”, que não é compatível com as necessidades atuais, com o espaço urbano disponível e nem com a cultura local. Logicamente esta peça faz parte da linha de produção já existente e instalada em muitas cidades do mundo, pelas grandes empresas internacionais de mobiliário urbano que tem como objetivo principal se instalar no Brasil.

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Pode-se abstrair que essa revitalização via ‘derrubada de outdoors’ e ‘implantação de mobiliário urbano com propaganda’ estão intimamente ligadas: o mobiliário não entra como melhoria da paisagem urbana, mas como nova ferramenta de mídia. Em alguns casos, nota-se até uma deformação da peça para absorver a propaganda.

Sobre o desenho [o objeto em si], o que você, como arquiteta, avalia da evolução do mobiliário urbano em São Paulo? O que poderia comentar sobre peças desenvolvidas como ‘suporte de propaganda’, sem grandes relações com o cidadão?

Quais parâmetros você acredita que são apontados ao arquiteto/designer na elaboração das peças? Exemplos nesse sentido?

Existem dois parâmetros que os arquitetos devem se ater com relação ao mobiliário urbano. O primeiro deles se refere à sua instalação na cidade. Devem ser elaborados parâmetros técnicos que determinam a instalação destas peças em solo urbano. Estes são a quantidade de pessoas usuárias, os " uxos de pedestres, dimensão das calçadas e outros locais de instalação, dentre outros. O outro parâmetro se refere ao desenho das peças, que deve obedecer à ergonometria, facilidade para instalações elétricas e hidráulicas, aspectos de conservação de energia (desenvolvimento sustentável), racionalização do desenho para servir a um número grande de usuário de uma só vez, racionalização das peças para facilitar a manutenção e a utilização de peças base para outras mobílias da mesma linha, criação de uma identidade visual urbana que não seja demasiadamente exagerada para não se desgastar, ser facilmente visualizada pelos usuários e, ao mesmo tempo, ser discreta para não se sobressair à arquitetura, áreas verdes e outros elementos urbanos, devem estar inseridas numa hierarquia, ou seja, quais elementos devem ser visualizados primeiro, e em segundo lugar, etc...! nalmente, a publicidade não é adequada a todas

as peças do mobiliário urbano, mas somente àquelas que permitem a visualização das mensagens de forma íntegra, clara e sem prejudicar a utilização da peça pelos usuários. Objetos como lixeiras e cercas de árvores não deveriam veicular mensagens publicitárias, pois estas são tão pequenas que se transformam em ruídos visuais e não conseguem transmitir as mensagens de forma adequada.

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No seu livro, você aponta as divisões do prof Nestor Goulart [‘SP e outras cidades’] em algumas épocas – acabamos de sair da ‘metrópole’. Pela seqüência, a próxima seria um nível ‘global’, com SP alinhada a poucas outras pelo mundo. Nesse sentido, a exploração da mídia exterior em mobiliário ser realizada por " rmas internacionais reforça esse aspecto. Pode-se aventar uma exploração da paisagem urbana em escala global, com sua propaganda apontando em várias cidades simultaneamente?

Acredito que a comunicação visual urbana caminha juntamente com o desenvolvimento econômico e social. Desta forma, cidades com características econômico-sociais semelhantes às de São Paulo, tendem a apresentar uma paisagem urbana semelhante à paulistana. Com a alta globalização das informações, culturas, hábitos e costumes, as cidades tendem a ! car cada vez mais parecidas, o que é um processo que se iniciou com o exagero dos painéis publicitários e vem culminar com as peças de mobiliário urbano padronizadas e uniformizadas que as grandes empresas multi-nacionais vêm instalando nos espaços urbanos.

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APÊNDICE 02

Transcrição de entrevista livre com Tatiana Sitta, representante da fabricante de bancas de jornal