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Data: 04/11/2014

Transcrição 141022_001

L – Bom Emely,então qual o seu nome completo primeiro? E – Emely Vieira Salazar.

L – Sim e você então fez parte da Pastoral de Favelas, na década de 80?

E –Sim, fiz, eu fui uma das organizadoras do movimento aqui em Belo Horizonte. L – Sim, ai eu queria então que nessa primeira parte se você pudesse falar um pouco de como surgiu o movimento, qual eram os objetivos da Pastoral de Favela?

E – O movimento surgiu da própria necessidade dos favelados se organizarem né a gente tinha conhecimento com algumas lideranças, a partir da Igreja né, que a Igreja sempre trabalhou com os marginalizados, com os mais pobres né, então nós nos organizamos né, um grupo que foi se ampliando e tínhamos núcleos em algumas favelas de Belo Horizonte.

L – Sim e qual que era o objetivo do movimento?

E – O objetivo era organizar mesmo o favelado, que a principal demanda deles é moradia né, pra eles conseguirem a moradia, conseguirem que as favelas fossem urbanizadas né, era todo nesse sentido de melhores condições para os moradores das vilas e favelas.

L – Sim, e qual que era a forma de atuação do movimento para conseguir esse objetivo? E – O movimento a gente se reunia uma vez por semana, inclusive no salão da própria diocese da Igreja né e tínhamos núcleos...

L – Da Igreja São José?

E – Não, não, é da Igreja de Belo Horizonte, lá na praça da Liberdade, junto ao bispado, que eles cederam pra gente a sala.

L – Sim, sim.

E – E nós trabalhávamos empoderando né as lideranças, deles tomarem consciência, que é um direito deles, que é um direito humano ter moradia, ter condições de vida, então nós trabalhávamos nesse sentido deles saberem dos direitos deles, que não é favor eles reivindicarem que os poderes públicos tem dever de criar condições né, então a gente fazia esse trabalho e também junto ao poder publico né, a gente fazia esse trabalho, fazíamos um congresso uma vez por ano, era bem organizado e atuante o movimento sabe.

L – Sim, e quais foram as vitorias que você acha que o movimento teve nesse processo? E – Nós conseguimos que a lei de urbanização de favelas, nós conseguimos com Tancredo Neves.

L – Não foi no caso da lei do PRÓ-FAVELA, não? E – Lei do PRÓ-FAVELA.

L – Que foi a lei municipal então né? E – Foi uma lei municipal, é.

L – Isso ai que eu queria também perguntar, você acha então que houve participação do movimento na criação do PRÓ-FAVELA, do Pró-Sanear?

E – Claro que foi!Exigência do movimento, foi pressão sabe, foi uma vitória do movimento.

L – Como que se deu isso?

E – Deixa eu me ver se eu em lembro como que se deu isso né? O movimento foi a gente insistindo né e ai o governo, até que eu chamava de certidão de nascimento da favela...

L – Esse PRÓ-FAVELA?

E - ...é, que concedia né o titulo de posse em algumas vilas né, começou lá na CEMIG no Barreiro.

L – Na Vila CEMIG, no Barreiro. E – Primeiro na Vila CEMIG.

L –Então houve participação nos debates do PRÓ-FAVELA, dos favelados...? E – Sim, foi uma grande conquista, sabe.

L – Sim, sim, e qual que era a relação do movimento com a prefeitura de Belo Horizonte? Tinha alguma relação direta?

E – Não, não tinha uma relação direta não né, tinha pressão.

L – Sim, era mais pressão essa pressão do movimento para conquistar os direitos ali. E – é, é, é.

L – E quanto um outro ponto que eu queria perguntar, se você lembra, se houve participação do movimento na criação da URBEL, porque a URBEL também foi criada na década de 80?

E – Eu não me lembro disso não. L – Não, é?

E – A URBEL foi em 80? L –é 83.

E – Eu lembro a URBEL, tinha contato, mas não houve não. L – Não é?

E – Não.

L – E você lembra assim qual que é relação depois da Pastoral de Favelas com a URBEL, porque foi o órgão também que foi responsável por empreender ai também a política habitacional.

E – Não tinha assim uma relação oficial.

L – E como que o movimento via a questão da propriedade, do acesso a terra, dos despejos, que era também uma questão premente na época?

E – Como via o que?

L – A questão da propriedade, do acesso a terra, das remoções, que era uma questão central também das remoções forcadas né.

E- Bom a gente lutava contra as remoções né, nós resistíamos, nós tinha um advogado que trabalhava no movimento e quando tinha remoções, eu lembro na Avenida Sanitária, ali na Pompeia né, ele foi pra lá parou os tratores.

L – Você lembra qual advogado? E – Arutana Comério.

L – Arutana Comério?

E – Arutana é, ele era advogado da Pastoral né, então ele ia enfrentava, ia fazia um movimento né, ele era muito valente, muito...

L – Quando tinha uma remoção ele..? E – Nós íamos, reunia o pessoal, resistia né.

L – Entendi e você acha que, por exemplo, esse programa PRÓ-FAVELA ele foi um programa efetivo, que ele de fato contribuiu?

E – Enquanto funcionou né, hoje eu não tenho ideia do que aconteceu L – Sim, mas na época?

E – Mas na época a gente fazia assembléias, explicava, a gente vivia reunindo e explicando o que era o PRÓ-FAVELA, o direito que eles tinham, que tinha que cobrar e tal e fazia toda a movimentação né.

L – Sim, houve então reuniões, assembléias, manifestações de rua em torno desse PRÓ- FAVELA, passeatas?

E – Passeata eu não digo não, a gente fazia mais era assembléia nas vilas reunia o pessoal pra explicar que que era o direito que eles tinham, que eles tinham que resistir, que tinha que ir atrás sabe.

L – E discutia o PRÓ-FAVELA também?

E – Discutia o PRÓ-FAVELA, principalmente discutia o PRÓ-FAVELA né, ah fiz muita reunião por essa Belo Horizonte a fora.

E – é.

L – Mas você é daqui mesmo de Belo Horizonte, não?

E – Eu sou nascida do Vale do Jequitinhonha, mas estudei, moro aqui. L – Mas você é religiosa?

E – Sou, eu sou militante da Igreja Católica.

L – Sim, mas você é ligada a alguma ordem, congregação, não? E – Não.

L – é leiga? E – Sou leiga.

L – Ah você é leiga e ligada a Igreja Católica? E – Sempre fui.

L – Sempre, ótimo. Queria perguntar também o seguinte que os movimentos de 80 também falavam da questão da reforma urbana que era essa nova forma dever a cidade, como que o movimento participou dessa reforma urbana, como que você lembra mais desse período de atuação de reforma urbana, de transformação da cidade?

E – Bom, as favelas elas são urbanas, então a Reforma Urbana supõe o respeito às favelas né, então nosso principio era e é esse, porque via-se como a favela uma coisa a ser descartada, porque ela é atrapalha, enfeia a cidade né, e nós sempre lutamos que a favela ela é urbana, ela tem que ser incluída, a reforma urbana tem que contar com a presença da favela né.

L – Claro, sim, é você falou que o movimento fazia alguns congressos, como que era isso? Em torno de um tema único? Era anual?

E – Anual né, a gente discutia o que achavam que devia ser, eu me lembro que isso era um dos últimos congressos né, a gente assim “qual que é o problema, qual que é o tema?” ai um favelado falou assim:“uai a doença do favelado”, não, como é que ele falou, porque a gente estava discutindo a saúde né , discutia a saúde do favelado, assim: “mas a doença nossa é a favela, a própria doença nossa é a favela né”, então o tema foi esse, a saúde na favela, pegava um tema que envolvia sempre a questão da favela né. Costumávamos fazer ali no Colégio Santa Maria né.

L – No Floresta?

E – é então mobilizava gente... L – E reunia muita gente?

E – Muita gente, muita gente, vinha gente das vilas todas.

L – Sim, e vocês articulavam com outros movimentos da cidade? E – Não.

L – Era mais a pastoral mesmo? E – Era a pastoral mesmo.

L – E quem que eram mais assim os lideres da Pastoral de Favelas? E – Padre Piggi né.

L – Padre Piggi que atuou muito ai né?

E – é...Padre Piggi, tinha o Chico Nascimento que era uma grande liderança. L – Ele era de favela?

E – Favelado.

L – De onde você lembra? E – Era da Pedreira Prado Lopes. L – Chico Nascimento.

E – é, ele era o presidente da UTP que era União de Trabalhadores das Periferias, um cara muito inteligente, muito competente, uma liderança assim que você não tem noção...

L – E ele está vivo, você sabe? E – Ele morreu, há pouco tempo. L – Morreu Chico Nascimento.

E - O Filipe Cupertino que era lá do Barreiro, tinha o João Pio que era aqui da favela da Serra, eram lideranças que mobilizavam sabe.

E – João Pio e Chico Nascimento, Chico Nascimento era um cara muito inteligente ele entendia de lei, discutia com qualquer autoridade e era um semi-analfabeto.

L – Interessante. E qual que era a relação da Pastoral com a própria Igreja, com a Arquidiocese? O bispo era o Dom Serafim?

E – Dom Serafim. Todo apoio né, tinha todo apoio. L – Ele apoiava então a pastoral veemente?

E – é.

L – E ele, você lembra dele atuando com o movimento de fato, contra as remoções, indo nas favelas?

E – Quando precisava a gente ia lá e ele apoiava, ele falava assim, oh vocês que tão mexendo o que vocês falar tá certo, ele dava todo apoio e confiava né.

L – Sim e vocês chegaram a apoiar alguma ocupação assim diretamente na cidade, eu digo assim, além de uma favela já pronta?

E – Ocupação não, nós nunca apoiamos ocupação, a gente apoiava era contra a remoção.

L – Sim. Vocês não tinham então a pratica de ocupar de fato com o povo?

E – Porque ocupação é uma coisa agora mais recente, que é organizada, que os movimentos organizam ocupação né, faz levantamento, reúne e pá, vai lá.

L – Sim, é nessa época de 80 não era tão, os movimentos então não tinham essa pratica, nem mesmo a UTP, não tinha essa pratica de ocupar um terreno vazio, ocioso não né? E – UTP não.

L – Não, ótimo, e você lembra assim quais eram as tensões com a prefeitura? A prefeitura condenava o movimento?

E – Nem lembro quem era o prefeito na época.

L - Você lembra de algum prefeito que ia pro enfretamento com a Pastoral? E - Não num tinha isso não.

L – Tá e as ocupações da Igreja São José?Pastoral de favelas, eu li esses relatos, não sei se a senhora lembra, do movimento sem teto ocupar ali a porta da igreja São José e ficar lá acampado...

E – Quando?

L – Isso em 80, depois da época das enchentes, também. E – Sem teto?

L – é, na Igreja São José ali.

E – Lembro não, é o pessoal das enchentes né? Pessoal que ficou desalojado né? L – Sim, teve algumas enchentes grandes em 80.

E – Teve, teve, quer dizer a gente sempre apoiou o pessoal que tá sem teto, que foi despejado, que a chuva derrubou, nós sempre apoiamos né, pra pressionar a prefeitura pra dar teto, pagar aluguel, dar um jeito né, isso nós sempre fizemos.

L - E você lembra nessa época a prefeitura, que que eu ia te perguntar mesmo, é se esses programas, PRÓ-FAVELA, por exemplo, se algum desses movimentos, alguém da pastoral, por exemplo, depois foi trabalhar com o governo você sabe, com a URBEL? E – Do meu grupo ninguém.

L – Pastoral de Favelas não né, trabalhar depois pro governo? E – Não, e eu sou contra né.

L – Sim.

E - Porque os movimentos foram todos cooptados.

L – Os movimentos aqui da década de 80, todo mundo foi trabalhar pro governo, você lembra como se deu isso? Quem que participou?

E – Eu não sei se bem em 80 não né, mas até hoje né. L – Até hoje?

E – Até hoje, é como a gente fala, tem que falar assim baixo, mas a igreja hoje é o braço da prefeitura né e eu sou contra, sabe, todo mundo foi cooptado, todo mundo foi trabalhar. O projeto a prefeitura paga o projeto e a igreja faz as coisas, se da certo é a prefeitura, se deu errado é a Igreja.

L – é a Igreja.

L – Não, claro, não é eu acho que é isso um pouco do que eu queria conversar com você, tem alguma coisa que você lembre que queria colocar mais, não, sobre a pastoral? E – Você sabe como é que a pastoral acabou?

L – Como?

E – O PT acabou com a pastoral. L – Serio?

E – Foi.

L - A criação do PT ou o PT aqui de Belo Horizonte? E – O PT aqui.

L – A administração publica você diz?

E – Não, as lideranças, o PT, porque o movimento da Pastoral de Favelas, tava um movimento grande e ai eles começaram a infiltrar, porque eles são assim competentes, lideranças competentes, chegaram, pediam as palavra, e começou a propor coisa e a cooptar.

L – Cooptar as lideranças e você lembra mais ou menos que ano? E – Quando foi gente?

L – Essa inserção do PT dentro do movimento? Na década de 80 ainda? E –é, por ai.

L – Logo depois da criação, a UTP foi criada ali na década de 80, na redemocratização. E – Foi por ai.

L - Ai já no meio dessa criação do PT eles já começaram. E – Me lembro o Mares Guia né ia pra reunião da gente sabe. L – Walfrido?

E – Não, o João Batista. L – Ah o João Batista!

E – Eu era muito amiga dele, ai ele começou a ir pras reuniões né e assumir, propor coisa né e ai foi virando aquele negocio que deu mais né.

L – E você lembra dessa atuação essa transição, pra democracia da ditadura? Porque a Pastoral surgiu ainda era ditadura né?

E– é

L - E como que era um pouco essa atuação na ditadura e depois o movimento participou desse processo da redemocratização?

E – Quer dizer a gente atuava, ainda assim com muito medo né, é com muito cuidado, porque havia sempre aquela pressão né, tá sendo vigiado, tá isso, tá aquilo, mas tava na fase já de redemocratização né, então a gente começou a colocar as manguinhas de fora, a própria Pastoral já foi uma coragem né da gente organizar movimento popular né. L – Sim, sim, exatamente, já nesse bojo da redemocratização.

E – Eu tinha acabado de sair da cadeia né possível que você já vai de novo. L – é mesmo você foi presa pela atuação política?

E – Eu fui presa dois anos e quando eu sai né a minha primeira atuação já foi a Pastoral de Favelas, mas foi tudo bem sabe.

L – Ah ótimo, é isso ai, muito obrigado.

E – Eu não sei se eu pude ajudar, por eu não lembro muito assim de data, muita coisa. L – Ajudou, ajudou muito, pra mim muito importante entrevistar os personagens de quem tava de fato atuando aquela época né.

E – Uhum, e eu muito amiga do Piggi, nós dois continuamos acreditando (risos).

L – Sim, eu tive entrevistando o padre Piggi, e tive também com ele atuando mais diretamente nessa luta, não sei se você sabe, do Isidoro, ele foi lá em algumas reuniões, que eu estou acompanhando lá o Isidoro, as ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitoria, ai eu conversei com ele, fui lá depois entrevista-lo também.

E – é nas reuniões que a gente ia né, com a prefeitura, aqueles negócio todo, ele ia, mas eu ficava horrorizada por que ele falava na cara do povo, vocês não podem, num sei o que, e ai muita gente fica assim, ah que o padre Piggi ele é isso ele é aquilo, eu assim eu adoro o padre Piggi. Ai me lembro uma vez que ele foi preso, numa dessas invasões ai, ai o bispo “gente segura o padre Piggi, volta e meio ele vai preso”, e ele falava assim “eu não uai, eu to com o povo, se o povo vai preso, eu vou também”.

E –E a policia “não sai senhor, sai”, ele “não, eu também vou, onde o povo tá eu também to” e ai ele ia pra cadeia e eles ia atrás do Piggi, que que eu faço com o padre Piggi, uai onde o povo tá sofrendo ele tá também uai, e ele não saia, policia chegava e ele falava “você pode me trancar, mas eu não vou largara o povo aqui não, muito autentico!”

L – (risos) ótimo!

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