• Nenhum resultado encontrado

Entrevista – Morador A (1ª parte) – 21/04/

COMPONENTE C DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL E GESTÃO 1 Montante de fundos

3. Entrevista – Morador A (1ª parte) – 21/04/

Ivilana - O que é que você entende por cidadania?

Morador - Bom, primeira coisa é... acessos a direitos....hum.. saber como acioná-los né.

É ... cidadania me parece que é uma ... é noção de, primeira coisa é a noção de que a pessoa ela é feita pra que... as necessidades dela sejam respondidas, socialmente, digamos assim, então me parece que é um pouco ... a idéia é relacionada um pouco a direitos humanos....tipo, concebo um pouco assim. Aqui, no Brasil, aqui na Bahia também essa noção começa assim um pouco a se desenvolver, mas ainda tá muito precária, por que o Estado não entende a pessoa enquanto cidadão ainda. Apesar de tudo, ter a cidadania ter virado moda, então tudo que você vai é serviço ao cidadão, é não sei o quê cidadão, Prefeitura de participação, mas na verdade não são participações efetivas. Por exemplo, um outro dia teve um senhor aqui que fez uma coisa, interditou a rua, e fez uma construção indevida, ai a gente procurou os locais pra fazer uma denúncia. Olha, tu liga no 101,156,150, sei lá, da Prefeitura, você tem que ir lá e mas, mas na propaganda se diz que por telefone você faria, então... nesse nível pensa que no.... que tá engatinhando ainda a noção de cidadania, então é, vai precisar de muito chão ainda, pra que... primeiro a gente se reconheça enquanto gente, porque quanto mais área pobre, mais essa noção de cidadania é dada como favor, parece que cidadania deve algum favor e... não responde as necessidades básicas ainda das pessoas, então... é muito fácil... é muito fácil dizer, que está se fazendo uma ação cidadã, mas se está nivelando pelo mínimo, sempre nivelando um pouco por baixo. Ivilana – Certo, e o que é que você entende por participação cidadã?

Morador - Primeiro, pra participar exige que o sujeito tenha consciência de alguma coisa, quer dizer, se conceba com alguma coisa... não só como beneficiário no sentido de alguém que vai receber uma coisa, mas como alguém que se move pra atingir é ... essa ... esse objetivo né, quer dizer, pra se mover tem que ter uma consciência, e tem que ter algumas coisas muito bem delimitadas: tem que ter um censo de humanidade, dignidade, tem que ter uma percepção de fim, como agente de mudança... de alguma coisa.

Bom, se não existe isso, é...você fica numa certa passividade, você como se esperasse dos outros que te dessem uma chave pra viver, e na verdade o movimento é inverso, é a pessoa que se move diante das coisas, porque tem consciência de que foi feito né, é... tá vivendo pra ter o melhor, digamos assim. É difícil falar de participação popular em situação de pobreza.... (é pesado isso...) por quê? Por que às vezes as pessoas estão lutando pelo básico ainda, pra se manter, acordar de manhã e ter o que comer... se você não tem o que comer de manhã, você vive numa emergência.... se você não tem um trabalho, você vive na emergência... se você não tem uma escolarização básica, você vive na emergência... então, veja que vai criando uma teia de situações onde a pessoa, se não tem essa ... essas condições básicas, pra viver em sociedade, digamos assim, o protagonismo vai diminuindo... então é muito fácil falar em participação, mas é difícil enfrentar essas questões anteriores. Por exemplo, pensa você... por que a participação pressupõe que, que além do Estado, o sujeito social, ele intervenha na sociedade, logo, o sujeito social que não tem essas condições respondidas a priori, ou seja, como condições básicas, a primeira oportunidade de intervir na sociedade vai ser pra satisfazer essas necessidades não pra ... e ai ele pode fazer um trabalho social cujo fim é que ele ganhe dinheiro...puxa, é perverso isso...é meio, meio difícil ... mas se não tem a ... se não tem essas condições iniciais básicas respondidas, a pessoa pode até fazer um trabalho social, isso é uma critica na verdade ... na década de 90 mudou o protagonismo das associações... O que era comunitário passou a ser Serviço Social, ou passou pior, passou a ser Projeto Social, que significava que antes, até a década de 80, a luta das associações era uma luta comunitária. Na década de 90, acabam as suas associações, podem até, você vai pensar que existem associações, mas tenha cuidado, por que não é associação, então... pessoas que gerenciam Projetos Sociais, você não vai ter nenhuma associação aqui, por exemplo né, que tenha só ... Que tenha só, que tenha mobilização comunitária. Nenhuma associação mobiliza mais ninguém, por quê? Por que a associação geralmente ela agora está se restringindo a prestar serviço, ou seja, contrata pessoas nas condições mais precárias possíveis mas que são as que existem aqui dentro ou em qualquer outro lu gar e prestam serviços, então cê vai ter escola, vai ter projeto, vai ter reforço, vai ter bolsa, vai ter tudo que você imaginar, mas pra... beneficiar, quer dizer... pra conferir aquilo que as

pessoas não tem, nesse sentido a associação não é mais associa ção, ela pode ser uma gerenciadora de projetos.

Ivilana – Ou ela tá substituindo algum gancho do Estado, que deixou de ... de fazer....

Morador - Deixou de fazer, isso. Substituindo o Estado, o pessoal não tem mais acesso ao Estado... não tendo acesso ao Estado, tem acesso à associação, transferindo pra associação, essa, esse mecanismo que era do Estado. O Estado sai, vai, ele vai entrar via associações e as pessoas perdem de vista de que quem deveria garantir era o Estado, então vai para garantia da associação. Como na relação beneficiário, ninguém responde o desejo total de ninguém, como a relação poderia ser de engajamento, passa a ser de cobrança, passando a ser de cobrança você dá a passividade pra as pessoas, como a resposta eu só espero... e aqui você tem... É pesado falar disso, mas é um mecanismo difícil, por quê? Você agora não encontra mais referências comunitárias, você vai encontrar pessoas, por exemplo, você tá me encontrando aqui, por quê?! Por que você está me encontrando aqui? Se eu fosse um Presidente da associação, você não estaria me encontrando aqui?

Ivilana – Estaria te encontrando via CONDER. Morador - Via CONDER!

Então, perceba que essa é uma mudança do vínculo comunitário, por que até a década de 80 aqui, você encontrava pessoas, você agora encontra via instituições, então à exceção de mim que escrevi esse bendito livro, que vai me trazer dores de cabeça tremendas um dia, mas é ... você, então a pesso... então nessa relação se perde um pouco o protagonismo, então você não vai ter gente que vai estar transitando como se tinha os antigos lideres, os mestres, as pessoas que educaram a gente, que ensinaram pra gente que educação é uma coisa fundamental, que você pode mudar a realidade fazendo mobilização, que você pode mudar a realidade pegando esses meninos que tão aí, ensinando coisa boa, dizendo que musica presta, que o mundo é mais do que aqui. Na relação beneficiário-associação ou beneficiário do Governo, beneficiário do Governo você inibe a participação dando um cala -boca. Ivilana – Agora eu fiquei com uma dúvida, por que... na minha cabeça e pelo que todo mundo fala, Novos Alagados é um exemplo de participação, de mobilização comunitária, pelo menos até então eu achava isso. E você mesmo está me dizendo que até a década de 80 foi, por que vocês deixaram isso se perder?

Morador - Por causa da institucionalização das associações. Essa é uma visão minha, não é uma visão partidária, aliás as pessoas até detestam isso, por que acaba um pouco o mito, mas, é por que, por experiência própr ia, eu trabalhei muitos anos em algumas associações aqui, e o esquema é pequena empresa, pode ser que é bonito dizer que é participação... Agora... é uma comunidade diferente, cê vai dizer que é uma comunidade, então até a década de 80 , até a década de 80, isso aqui é um lugar protagonista, só que não tem parâmetro em Salvador, não tem, cê pode pensar... o Calabar, sim, o Calabar nasceu por causa do pessoal daqui, por causa de Vera. A Escola aberta de Calabar, a primeira Escola Popular daqui da Bahia é essa aqui. Escola Popular Novos Alagados que Vera veio na década de 70, pegou o método do Paulo Freire, pegou essas meninas, (Moradora X) deveria ter 15,16,14 anos, assim como outras, pegou e formou no método Paulo Freire, botou todo mundo pra ensinar, ou então pegava a gente que ficava rodando por aqui nas palafitas, eles pegavam a gente, aqui tinha biblioteca em 1980, em cima da maré tinha uma biblioteca....então esse contexto de... de... de... de gente que tinha cultura, gente de mobilização... deu um diferencial pra comunidade tremendo, então é uma comunidade que querendo ou não, você tinha que se defrontar com pessoas que tinham cabeça, que pensavam e que não tavam só no nível da emergência, então até a década de 80, o que foi formado, foi formado, quer dizer no sentido de que conferiu uma ... um protagonismo a todas as pessoas, quer dizer, se lutou pela água, se lutou pela luz, se lutou pela escola.

Só que isso, isso entendido enquanto espaço de organização comunitária. Por que também a associação se preocupava com isso, a, até década de 80 a Sociedade 1º de Maio era a única associação daqui, no sentido de que era uma associação respeitável. E.. vai fazer 30 anos daqui a 1 ano, me parece, então..que a contribuição da Associação 1º de Maio é tremenda, é uma contribuição de base que, que... por que as pessoas se doavam a essas, a essas causas e ajudavam as pessoas em situação de pobreza a entender que elas eram maiores do que a situação de pobreza. Claro que, por exemplo, eu

tenho criticas ao trabalho, muitas críticas, mas esse ponto você não pode colocar em dúvida, eles são responsáveis, pelo diferencial que tem nesse bairro, abriram caminhos ...

Ivilana – E onde estão eles? Morador - Não sei te dizer.

Ivilana – Saíram da comunidade?...

Morador - É, a Vera e o Lázaro saíram, Lázaro faleceu no ano passado, a Vera saiu, alguns lideres, os mais antigos, faleceram. E hoje você tem, vai encontrar gente que, os funcionários, a Coordenação, a Presidência, pessoas muito capacitadas que se envolvem muito na comunidade, mas então... e mesmo se quisesse retornar um... um.... uma mobilização comunitária, me parece um pouco difícil por causa dessa relação assistência beneficiário e muito, hoje você encontra as pessoas e seus respectivos cargos, mas não sei se você encontra mais as pessoas enquanto mobilizadores. Não mobiliza mais, o único caso de mobilização que eu conheço é esta associação, mas que já virou associação nesse mês agora. É a família do Morador Y e da Moradora Z que mora no 19 de março, é uma família que não tinha associação nenhuma, mas a rua 19 de março... festas, brincadeiras, jogos... é trabalho, catequese, tudo que você imaginar uma família fazia, então isso, isso... é uma mobilização comunitária quer dizer tem...faz a comunidade ter uma vida, digamos assim....

Ivilana – Mas não tinha nada religioso por trás dessa ...

Morador - Tinha um viés religioso... catequese, organização de grupos, mas ao mesmo tempo tinha uma característica de associação, por que eles faziam festas e todas essas coisas. Fora, mas é uma família que me impressiona por que não tinha ... não tinha a questão do cargo da pertence a uma associação. Nesse sentido era mais um movimento próprio, mas você não vai encontrar movimento próprio, não.

Ivilana – Certo, e como foi a participação mesmo, essa mobilização, enquanto a CONDER e a AVSI estavam aqui fazendo esse trabalho de reurbanização e um trabalho.... dito de mobilização também, que as pessoas estavam participando por rua ou por quadra e reclamando, como foi isso... de fato? Morador - Isso, foi muito conflituoso, eu acompanhei alguns momentos, não acompanhei o processo todo, então antigamente não é, que... tenho até que falar bem da AVSI, por que me... me... me dava o meu salário, quer dizer, mas foi muito conflituoso, por que... Então a idéia de participação ela é... participar e reivindicar. Participar significa na ca... nossa senhora ...

É eu se... sintetizaria que a participação aqui foi reivindicação, ou seja, vinha um projeto pré- estabelecido no sentido de que tinha uma, você tem que ter uma norma inicial e diante dessa norma inicial se propunha isso pra comunidade e, isso gerava uma serie de discussões, por exemplo, eles devem falar melhor pra você do que eu. Mas, se não fosse esse conjunto de discussões, tiveram muitas discussões, formação de lideres, um monte de encontros, eu participei de alguns só, mas não agüentei muito a barra por que era um nível que não me satisfaz muito... que Graças às discussões algumas coisas foram mudadas, tamanho de casas é... é, espaços, como as casas seriam construídas, aqui isoladas, se conjuntas, quer dizer, essas coisas todas foram resolvidas, resolvidas entre aspas. É. E a relação foi conflituosissima, por que na verdade em tudo tem o jogo de interesse. A cabeça romântica da gente às vezes pensa que não, que quem mora na favela não tem interesses, tem interesses pesados no sentido de que é o poder que tá entrando, quer dizer que minha rua aqui, minha rua ficou mais de 20 anos passando esgoto no meio e não tinha ninguém que conseguia resolver, também na época era, era... Essa indústria da pobreza é uma coisa impressionante, quem.... quer ganhar em cima da pobreza, é uma coisa .... Então, ah, o conflito se deu justamente por isso, por que é, só depende, mas mantém uma força, tem uma historia aqui dentro. Se for no caso da CONDER, precisariam dar as mãos um pouco com isso, com essa associação pra chegar num consenso, sei lá, alguma coisa que fosse mais, mais próxima da participação.

Ivilana – É só uma dúvida – quando você falou “o nível não me agradou”, você tá falando em nível, em termo de... é ... nem sei como colocar isso, termo de manipulação de interesse ou você tá falando nível em termo de ... da coisa verbal.

Morador – Vamos fazer uma pausa ...

Ivilana – (...risos) é essencial, essa parte é essencial, é isso que eu quero ...

Morador - Nós voltamos a falar disso – por favor, dê uma pausa, pelo amor de Deus....