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Eu chamo-me Rosário Rosa e sou Intensivista com formação de base em Medicina Interna, sempre trabalhei fundamentalmente em Cuidados Intensivos onde as questões de decisão de fim de vida se põem de forma pràticamente diária. Nós sabemos que cerca de 80% dos doentes que morrem nas Unidades de Cuidados Intensivos, morrem com algum tipo de suspensão de medidas: ou medidas de não-reanimação ou medidas de suspensão de terapêutica ou medidas de não iniciar terapêutica, inclusivamente no nosso SO, nos dados do estudo Helix sobre infecção em Cuidados Intensivos que nós temos, no último ano mais de metade dos doentes que morreram no SO, morreram com algum tipo de limitação das nossas terapêuticas.

Eu penso que é fundamental a equipa, e depois gostaria de falar um bocadinho sobre isso, a equipa pôr estas questões entre si e quando o doente está apto para isso, provávelmente também falar com o doente. A questão é: quem é que é a equipa, se deve incluir só os médicos, se deve incluir os enfermeiros, se deve incluir a família, ou outros técnicos, estou a pensar, por exemplo nos psicólogos ou até mesmo a assistente social. Eu penso que fundamentalmente, e se calhar um bocadinho ao contrário dos países anglo-saxónicos, eu penso que cabe fundamentalmente à equipa médica; agora o doente deve ser

incluído sempre que consiga ter autonomia para isso, o que também é um conceito complicado, não queria entrar muito por esse campo. Essas decisões devem ser colocadas à medida que o tempo vai passando, à medida que se conhece o doente, um bocadinho a perspectiva que ele tem, aquilo que ele conhece da doença e da evolução e acho que é obrigatório essas decisões serem afloradas com o doente e sobretudo dentro da equipa, a tempo. A outra questão que eu penso que é muito importante é que qualquer decisão que se tome não é irrevogável e pode em qualquer momento ser revogada, ou seja eu posso decidir agora que este doente não deve iniciar determinado tipo de terapêutica, porque não faz sentido, porque é fútil mas, se porventura a evolução ou alguma coisa vier alterar isso, eu penso que isso é um princípio, podemos sempre mudar a nossa decisão porque óbviamente podemo-nos enganar. A terceira questão é isto: qualquer doente é sempre tratado, e é assim um princípio que eu tenho: nós tratamos todos os doentes, penso é que é nossa obrigação tratá-los com aquilo que lhes vai fazer bem e temos também a obrigação de tentar perceber o que é útil para o doente e o que é que o doente quer e não contrariar aquilo que o doente quer. É claro que isto é muito complicado porque muitas vezes os doentes não têm uma percepção muito clara de qual é o prognóstico e de qual é a evolução da sua doença e esse é um dos problemas que temos, os nossos doentes não são muitas vezes bem informados e isso é uma área difícil, outra vezes o doente, que por qualquer motivo não está apto a e aí é decidir quem dos familiares ou das pessoas próximas quem também pode ter essa capacidade.

a obrigação, creio eu, de não fazer o encarniçamento terapêutico ou seja de não insistir em terapêuticas que, à partida sabe que não vão ser benéficas para o doente e o ser benéfico também é um conceito algo vago e complicado. O que é que eu entendo? Entendo que é útil não só prolongar a vida e isso é muito importante, mas prolongar a vida com um mínimo de qualidade e não só prolongar por prolongar. Eu penso que isso é também um dos meus princípios: que tipo de vida é que esta pessoa vai ter se eu lhe fizer mais esta ou aquela terapêutica, vai viver mais tempo presumivelmente mas vai viver bem ou vai viver com muitas limitações sem uma vida de relação ou sem uma vida social que seja muito boa ou até com algum sofrimento. Valerá isso a pena? É complicado e são decisões complexas mas , à partida é um bocadinho esse o meu princípio: é não só o prolongar a vida mas prolongar a vida útil seja o que for que isso queira dizer.

Outra questão também de fundo é esta: será diferente não iniciar terapêutica ou retirar a já existente? Há quem diga que sim, há quem diga que não, eu penso que, apesar de tudo há alguma diferença. Se calhar, em termos práticos depois não há, mas e até de acordo com a forma como nós, países do Sul da Europa nos posicionamos em termos éticos e até religiosos, eu penso que é um bocadinho diferente uma atitude activa de suspender de uma atitude mais passiva de não iniciar. Eu penso que há alguma diferença em relação a isso se bem que é polémico. E uma das coisas que eu já falei, portanto é que há sempre cuidados de tratamento a todos os doentes, nem que seja o conforto, o carinho e a higiene e isso para mim é terapêutica tão importante como as outras.

Isto seria aquelas ideias base que eu queria primeiro definir. Em relação às perguntas concretamente: um doente em fase terminal da sua vida biológica e perante uma interacção aguda se eu considero lgítimo, primeiro: não iniciar medidas invasivas tais como ventilação assistida, diálise ou algum procedimento mais cruento. Eu penso que sim, que é legítimo de todos os pontos de vista: ético, moral e deontológico, é legitimo não o fazer. É óbvio que isto tem que ser visto caso a caso porque de uma forma assim muito vaga dizer que em qualquer doente em fase terminal eu não faço nada disto, não é realista e não é verdade. Eu posso imaginar um doente que tem um tumor em fase terminal mas que tem ainda uma vida relativamente razoável que ainda pode viver durante dois, três meses em casa, pode organizar ainda a sua vida, despedir-se de famílias, fazer alguma coisa que ainda não fez e tem um episódio agudo, uma pneumonia ou uma crise de asma e que eu posso com uma medida invasiva, seja com ventilação seja até com uma atitude cirúrgica, prolongar, resolver-lhe este episódio agudo e prolongar-lhe a vida por pouco tempo mas que seja o suficiente para ele fazer algo que é importante para ele; portanto, se eu penso que é legítimo, sem dúvida e que há muitos doentes onde eu não iniciaria estas medidas mas também há outros onde eu iniciaria, acho que é uma decisao que passa muito pelo doente que temos à frente, por aquilo que nós achamos que vamos beneficiar o doente.

Suspender medidas terapêuticas manifestamente fúteis já instituídas, eu penso que isto é uma obrigação que nós temos porque se elas são manifestamente fúteis têm que ser suspensas, portantanto não as devemos sequer dar, e portanto se nós iniciámos algo que vemos que não está a resultar, eu acho que

isso deve ser suspenso. A ventilação, por vezes é uma medida fútil, não está a resolver coisíssima nenhuma, é complicado tirar um ventilador a um doente ou até extubá-lo porque sabemos que isso vai antecipar quase imediatamente a morte. Nos países anglo-saxónicos isso é feito, mais uma vez nos países do sul da Europa há alguma dificuldade em fazer isso, em ter uma atitude tão activa, suspende-se a diálise mais fácilmente, suspendem-se antibióticos, suspendem-se aminas mais fácilmente, a ventilação é um bocadinho mais difícil. Porquê? Por um lado porque antecipa muito rápidamente a morte e é um acto que tem quase imediatamente a evolução natural, por outro lado porque eu penso se há alguma coisa boa que nós podemos fazer é tirar as dores e manter os doentes mais ou menos adormecidos e sem sofrimento e a ventilação, se o doente já está ventilado, permite-nos fazer isso com alguma tranquilidade, deixar o doente a dormir. As outras medidas possivelmente, a suspensão, se são fúteis é o suficiente para não eternizar as coisas e portanto eu penso, por alguma forma é mais pacífico para o doente mantê-lo ventilado e com sedação, se bem que também se possa manter a sedação com o doente só com tubo ou a respirar espontâneamente. Eu pessoalmente, é mais difícil tirar o ventilador mas também admitia fazê-lo, penso é que não vai tanto na linha daquilo que é mais ou menos aceite e é hábito fazer na nossa sociedade. Portanto suspensão de medidas manifestamente fúteis, a palavra diz tudo, se são manifestamente fúteis, acho que sim, têm que ser suspensas. Três: não iniciar terapêutica mais simples tais como antibioterapia, colocação de sonda, hidratação...bom, aqui é mais difícil algumas coisas...se não há, se eu antecipo que esta terapêutica também vai ser fútil e não vai adiantar nada , eu também

acho que não a devo iniciar e não devo iniciar antibióticos, não devo colocar, se calhar, sonda nasogàstrica, nem, se calhar devo pôr um cateter para um acesso vascular para hidratar o doente. No entanto posso admitir que coisas mais simples como colocar uma sonda para alimentação ou hidratação possam ser feitas e mais uma vez também acho que tem que ser visto caso a caso...porque os doentes ou a família podem achar que é não tratar em excesso não pôr um soro porque está muito na ideia que o soro ajuda muito e permite muita coisa e apesar de tudo há um mínimo que nós podemos, não é que devamos, mas que podemos manter que é hidratação e alimentação; em casos extremos isso também pode ser questionável mas num doente que está em fase terminal, nós já não temos terapêuticas específicas para nada que possamos fazer e ajudar e em que eu acho que não devo iniciar, e em muitas situações e eu concordo plenamente que não devemos iniciar antibióticos, não iniciar quimioterapia, não iniciar uma série de medidas que não vão adiantar, não controlar, por exemplo uma diabetes com insulina em perfusão endovenosa, ou seja terapêuticas mais dentro do âmbito médico, não invasivas mas um pouco mais complexas, isso eu penso que não devemos iniciar. Alimentação e hidratação, eu por norma continuo a achar que podemos e devemos fazer, é o mínimo, é aquilo que é básico para todos os seres vivos e portanto eu acho que a hidratação, pôr um acesso venoso ou uma sonda de alimentação que é legítimo colocar, se bem que nalgumas situações, lá está, caso a caso admito que isso possa não ser feito mas isto é aquilo que eu faria e por fim a alínea quatro que diz manter o doente apenas com medidas elementares de conforto também me parece que isto é básico em qualquer

uma das atitudes, isto é nossa obrigação, é aquilo que nós temos obrigatóriamente de fazer a todos os doentes seja qual for a fase da doença, portanto eu acho que isto nem é discutível. Se o conforto do doente implicar não o picar, não lhe pôr sondas, não lhe pôr mais nada, isso eu também concordo. Se não, até se o doente achar que isso pode de alguma forma ser uma espécie de conforto, algum tratamento, nalguns eu poria um soro porque isso também psicológicamente pode ser útil para o doente, vai um bocadinho variar de doente para doente mas sempre tentar as medidas de higiene, o apoio, a conversa, a terapêutica da dor, isso eu acho que é básico e temos a obrigação de tomar.