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2.3 A entrevista semiestruturada como principal estratégia de coleta

As questões de pesquisa conduziram para a utilização da entrevista como técnica principal de coleta de dados. Possivelmente a forma mais comum de coleta de dados na pesquisa qualitativa em educação (MERRIAM, 1998, p. 70), a entrevista implica uma realidade de interação abordada por Triviños (1992):

71 As ideias expressas por um sujeito numa entrevista, verbi gratia, imediatamente analisadas e interpretadas, podem recomendar novos encontros com outras pessoas ou a mesma, para explorar aprofundadamente o mesmo assunto ou outros tópicos que se consideram importantes para o esclarecimento do problema inicial que originou o estudo. (TRIVIÑOS, 1987, p. 137).

Szymanski também identifica na relação entrevistador-entrevistado as condições comuns às interações sociais, tais como “relações de poder e desigualdade (...), a construção do significado na narrativa e a presença de uma intencionalidade por parte tanto de quem é entrevistado como de quem entrevista” (2004, p. 11). Neste caso, a entrevistadora é professora do CEP-EMB desde 1981, atuando em diferentes áreas até entrar para o NCP em 1999, onde tem atuado como professora e, durante algum tempo, como coordenadora. Apenas dois entre os entrevistados nunca chegaram a ter aulas com a entrevistadora no NCP, e, dentro do Núcleo, entrevistados e entrevistadora conviveram em diferentes medidas.

Dentre as diversas gradações dos tipos de entrevista, no que diz respeito à estruturação, optei pela semiestruturada que, segundo Triviños (1987), tem como ponto de partida alguns questionamentos básicos, apoiados pelo referencial teórico da pesquisa, e que possibilita o surgimento de outras questões, à medida que chegam as informações dos entrevistados. Segundo o autor, “desta maneira o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa” (TRIVIÑOS, 1987, p.146). Essa ferramenta foi escolhida em função de algumas características, tais como: possibilitar o acesso a uma grande riqueza informativa, através da perspectiva dos cantores; oferecer ao investigador a possibilidade de complementar as informações depois da entrevista; proporcionar maior profundidade, na fase inicial do estudo, ao apresentar novas categorias ou orientações, permitindo inclusive a definição de novas estratégias e outros instrumentos (TRIVIÑOS, 1987, p. 146).

Dessa forma, foi elaborado um roteiro, com duas sessões, sendo uma parte introdutória, descritiva, que buscou informações como: nome completo, nome artístico, idade, naturalidade, dados da vida musical atual. As questões seguintes foram bastante abertas, tentando garantir assim ao entrevistado a “liberdade e espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação” (TRIVIÑOS, 1987, p. 146) e favorecendo o surgimento de novas categorias.

72 (...) a maior parte da entrevista é guiada por uma lista de assuntos ou questões a serem exploradas, e nem a palavra exata, nem a ordem das perguntas são determinadas de antemão. Este formato permite ao pesquisador reagir à situação presente, à visão de mundo emergente do requerido, bem como a novas ideias sobre o tema (MERRIAM, 1998, p. 74).34

Neste trabalho o principal referencial teórico para estudar a aprendizagem inicial dos cantores populares vem do trabalho de Lucy Green que, através de uma etnografia realizada na Inglaterra, e trazida a público através do livro How Popular Musicians Learn (2001), estudou as motivações, habilidades e objetivos que estão por trás do fazer musical de músicos populares. As características da aprendizagem dos músicos populares mapeadas pela autora foram utilizadas para planejar a primeira parte da entrevista deste trabalho. A partir dessas características, foi elaborada uma “lista de assuntos”, conforme sugerido por Merriam acima. Na segunda parte, a “lista de assuntos” foi elaborada a partir de questões surgidas na literatura, da experiência da autora no CEP-EMB e do questionário.

As duas seções de entrevista individual planejadas inicialmente foram registradas em áudio. A primeira seção teve como objetivo conhecer as percepções dos cantores populares sobre a aprendizagem musical que vivenciaram antes do ingresso no CEP-EMB, e o que levara esses cantores a procurar a Escola. A questão colocada foi: “Fale de suas primeiras lembranças em relação à música. Como foi sua história com a música e com o canto, sua vivência na música, o seu percurso?”

O objetivo da segunda seção foi saber como os cantores percebiam a aprendizagem musical na Instituição e como viam os processos de aprendizagem que vivenciaram ou estavam vivenciando antes e dentro Escola. A questão inicial aqui foi: “Na primeira parte da entrevista você falou da sua experiência com a música fora das instituições de ensino (relembrar), e das suas expectativas ao ingressar na Escola de Música. Agora eu gostaria que você me falasse da sua experiência dentro da Escola”. A intenção de fazer duas seções em dias distintos deveu-se ao entendimento de que, dessa forma, seria mais fácil separar os relatos sobre a aprendizagem em contextos diferenciados. O roteiro para as entrevistas está disponível no Anexo III. Foram

34 (…) the largest part of the interview is guided by a list of questions or issues to be explored, and neither

the exact word nor the order of the questions is determined ahead of time. This format allows the researcher to respond to the situation at hand, to the emerging worldview of the respondent, and to new ideas on the topic (MERRIAM, 1998, p. 74).

73 elaboradas também: 1) uma carta de apresentação da pesquisadora (Anexo IV) e 2) um Termo de Consentimento, assinado por todos os entrevistados (Anexo V).

Assim, foi feito um piloto com Alexandre Lucena. A entrevista transcorreu bem, no entanto houve um excesso de intervenções da entrevistadora/pesquisadora, que acabou transformando a “lista de assuntos” em questões, tornando a entrevista longa. Ficou clara a tendência, como entrevistadora, de fazer comentários e perguntas diretivas e inserir conceitos estranhos às falas dos entrevistados. Por exemplo, por já ter ouvido, antes da entrevista, Alexandre se referir à importância que tinha para ele a “divisão”, a entrevistadora introduziu o conceito em uma pergunta sobre o que ele admirava nos cantores. Por sorte, Alexandre foi muito firme em dizer: “Não, adiantar e retardar, a minha mãe falava assim”. Por se considerar que não houve grandes danos à veracidade das informações e como a entrevista foi muito proveitosa, chegou-se à conclusão de que deveria ser aproveitada para o trabalho.

Como consequência da entrevista-piloto, buscou-se, portanto, nas entrevistas seguintes, um equilíbrio entre os comentários dedicados à fluência da conversação, o respeito aos caminhos através dos quais a sua narrativa se desenvolvia e a atenção ao foco da entrevista (GIL, 2008, p. 118). O resultado disso foi a redução do tempo do encontro com o segundo entrevistado e a possibilidade de fazer as duas partes da entrevista no mesmo dia, apenas com um breve intervalo entre as duas seções, sem prejuízo da definição dos objetivos de cada uma. Essa solução resolveu também dificuldades relacionadas à disponibilidade dos cantores para estarem presentes em dois encontros. Assim, apenas dois dos cantores, Alexandre (piloto) e Jorge (que tinha limitações de tempo), foram entrevistados em dois encontros, em dias diferentes.

Para melhorar o desempenho da entrevistadora, possibilidades de intervenção foram planejadas, utilizando as categorias trazidas por Szymanski (2004, p. 35 a 52), em sua proposta de entrevista reflexiva: expressões de compreensão, sínteses, questões de esclarecimento, questões focalizadoras, questões de aprofundamento.

Apesar de a literatura ser recorrente ao recomendar que o pesquisador garanta aos entrevistados o anonimato (Bogdan & Biklen, 1994, p. 135; GIL, 2008, p. 116), creio que o tema das entrevistas levou a uma tendência contrária ao anonimato entre os cantores. Ao serem questionados sobre o estabelecimento de um pseudônimo para uso na dissertação, todos recusaram o anonimato, preferindo serem identificados pelo nome

74 real. Foi inferido dessa atitude que há entre os cantores uma vontade de explicitar seus pontos de vista sobre o assunto, o que foi considerado bastante positivo para que a entrevista pudesse realmente fazer aflorar suas perspectivas acerca da própria aprendizagem em contextos informais e formais. A partir disso, e por sugestão de um dos entrevistados aceita por todos, foi possível também incluir as gravações e as fotos.

Em relação às entrevistas, é relevante acrescentar que foram encontros marcados por uma grande generosidade e disponibilidade de todos os cantores, que também pareciam estar à vontade com as questões colocadas. Além de muito produtivos, foram encontros extremamente agradáveis para a entrevistadora.

As entrevistas aconteceram entre agosto de 2009 e março de 2010, nos espaços possíveis: Alexandre (nas duas entrevistas), Elaine, Jorge Eduardo (na primeira entrevista), Roni e Ricardo e Sérgio me receberam nas suas casas. Alan e Mônica vieram à minha casa. Engracia e Jorge (na segunda entrevista) foram entrevistados na Escola.