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Data: 20/03/2019 Hora: 09h30 Local: instalações da

APADIMP

Intervenientes: aluna do IESF e Terapeuta

Tema: Efeitos do Snozelen no bem-estar e qualidade de vida de pessoas com

deficiência profunda

Aluna- (A)

Terapeuta Ocupacional – (TP)

(A) -Vou começar por fazer o enquadramento da entrevista. Esta técnica foi selecionada para estudar os efeitos do Snoezelen no bem-estar e qualidade de vida de pessoas com deficiência profunda, no âmbito do Mestrado em Educação Especial domínio cognitivo- motor pelo Instituto de Estudos Superiores de Fafe.

(A)- Primeiramente, gostaria de saber em que contexto surgiu na APADIMP a prática de envolver os utentes num ambiente de estimulação multissensorial – o Snoezelen?

(TP)- Na APADIMP a criação de um espaço próprio de Snoezelen remonta ao surgimento do primeiro Centro de Atividades Ocupacionais, em 1996. A iniciativa partiu da Directora Técnica Dra. Cristina Malheiro que, tendo conhecimento desta filosofia, criou com a ajuda da equipa vários materiais e equipamentos e montou duas salas, uma ao lado da outra, sendo que a mais escura - módulo preto - se destinava à estimulação, por exemplo com estímulos luminosos, e a outra, mais ampla e branca – módulo branco -, mais direcionada para o relaxamento, por exemplo com colchões.

(A)- Quais os objetivos do snoezelen, na instituição APADIMP, em concreto?

(TP)- Na APADIMP o Snoezelen surge essencialmente como uma oportunidade para os utentes que têm maiores restrições à sua participação em atividades dentro e fora de sala devido ao comprometimento motor, cognitivo e ao nível da comunicação. Surge então como um ambiente propício à exploração e ao relaxamento, em que cada utente procura ou recebe os estímulos de que necessita para se conhecer melhor a si próprio, ao mundo que o rodeia ou simplesmente para se regular emocionalmente…

Pretende-se que, mais do que apenas a utilização da sala de Snoezelen, haja a transposição desta filosofia para todos os contextos em que o utente está inserido ou seja, que na própria sala também sejam desenvolvidas atividades de estimulação multissensorial e que estes princípios de possibilitar, estar atento aos sinais de comunicação não-verbal, dar tempo, deixar que se expresse, percebendo as suas necessidades nomeadamente emocionais, se estendam aos momentos da prestação dos cuidados como alimentação e higiene e a toda a interação com o utente.

APADIMP?

(TP)- Em 2007, o Dr. Almiro Mateus, enquanto Presidente da Direção, abraçou a ideia existente de se melhorar a sala de Snoezelen, dotando-a de mais e melhores equipamentos. Este processo gradual passou desde logo por tornar a sala num espaço único, deixando de existir os módulos preto e branco para passar a haver um espaço ainda mais acolhedor, que neste momento conta com piscina de bolas luminosa, cama de água musical ligada à aparelhagem (vibração), sofá suspenso (baloiço com apoio de tronco e cabeça), projetor de discos (e vários discos), um quadro interactivo - Musical Squares -, fibras ópticas, uma coluna de água vibratória pequena, uma coluna de água grande com respectiva plataforma para potenciar o seu efeito e um painel de controlo, que é compatível também com a piscina de bolas luminosa. Há ainda materiais de estimulação visual, sonora, olfactiva e/ou táctil, tais como cortina luminosa, objectos que produzem sons, bolas com diferentes texturas, difusor de aromas, plasticina com diferentes cheiros e caixas com diferentes texturas (milho, botões, algodão,…).

(A)- Há quanto tempo exerce as funções de terapeuta nesta instituição?

(TP)- Sou terapeuta ocupacional nesta instituição no Centro de Atividades Ocupacionais há 14 anos, desde o dia 1 de Setembro de 2004.

(A)- Como tem sido o seu percurso?

(TP)- Ao longo de todos estes anos sempre me senti motivada para o trabalho com esta população e foi-me dada autonomia na forma como o desenvolvo – intervenho individualmente ou em grupo de acordo com as necessidades e interesses dos utentes, com o objetivo de promover a sua participação em atividades significativas, com o melhor desempenho possível. Atendendo às características da própria instituição foram sendo feitos alguns ajustes nas atividades por mim desenvolvidas, mas algumas delas mantiveram-se ao longo de todo o tempo, como é o caso das sessões de Hidroterapia, Psicomotricidade, Snoezelen e Dança e Movimento. Um pouco mais recentes são o grupo de Expressão Dramática/Teatro e o grupo de Equitação Terapêutica.

Em 2005 fiz parte do grupo que arrancou com o “Projeto Tampinhas”, através do qual estabelecemos um protocolo com a Ambisousa (Empresa Intermunicipal de Tratamento e Gestão de Resíduos Sólidos), o qual tem sido vantajoso em termos ambientais e pelo retorno em materiais e equipamentos como cadeiras de rodas, marquesas, entre outros materiais ortopédicos e não só para a nossa população.

Houve vários períodos em que fui orientadora de estagiários de Terapia Ocupacional e ocasionalmente apresentei publicamente alguns temas relacionados com a instituição, nomeadamente sobre Snoezelen. Em 2014 concluí a pós-graduação em Integração Sensorial, que ajudou a consolidar conhecimentos relacionados com o processamento sensorial. Tinha já outras formações relacionadas com as principais atividades que desenvolvo, como hidroterapia, equitação terapêutica, Snoezelen, Dança e Movimento…, ou seja, ao longo do meu percurso na instituição fui sempre tentando complementar o curso com formações práticas que pudessem acrescentar segurança e

qualidade à minha intervenção. Outras que considero muito importantes foram as formações na área do relacionamento interpessoal.

Ao longo de todos estes anos foram surgindo desafios relacionados com a organização dos vários centros de atividades ocupacionais, o jornal da instituição e outros próprios de uma instituição com uma população tão grande e diversificada ao nível das problemáticas dos seus utentes.

(A)- Quais os principais momentos que tem em conta ao fazer a planificação de uma sessão snoezelen?

(TP)- A sessão de snoezelen não requer propriamente uma planificação pois cada utente escolhe no momento de que estímulo pretende usufruir referindo-o verbalmente, dirigindo-se a ele… No caso de não haver qualquer iniciativa fazem-se várias experiências e verifica-se a reação nos diferentes equipamentos e com vários materiais. Embora se vá tentando diversificar a oferta de estímulos, não se coloca o utente num equipamento em que revele reação adversa.

No caso dos grupos, tem de haver obviamente algumas considerações, atendendo às preferências de cada utente e à interação entre eles, para que, por exemplo, não queiram todos o mesmo equipamento, ou beneficiem de músicas muito diferentes uns dos outros (alguns preferem as de relaxamento, outras as de activação).

Quando o utente chega à sala é conveniente já haver som e outros estímulos suaves que constituam um ambiente agradável em termos de luminosidade, música, temperatura da sala, verificando-se antecipadamente se está na sala o material que vamos querer usar (no caso de ser comum a outras salas como a de psicomotricidade). É ainda importante ajustar ao máximo a disponibilidade da sala e do terapeuta aos próprios ritmos do utente, atendendo às suas necessidades fisiológicas como alimentação, higiene e períodos em que requer descanso, bem como garantir que há quem colabore nas transferências dos utentes da cadeira de rodas para um equipamento e vice-versa, definindo a que hora regressam para darmos a sessão como concluída. Nem sempre é possível mas o ideal é que haja o mínimo de interrupções da atividade.

No final preferencialmente os estímulos são retirados /aparelhos desligados para que os utentes percebam melhor a mudança de ambiente que se vai realizar.

(A)- Há quanto tempo acompanha o participante A, B, C e D?

(TP)- Acompanho estes utentes desde que vieram para o Centro de Atividades Ocupacionais, por volta dos dezanove anos. No caso do participante D a intervenção direta começou apenas este ano letivo pois o utente tinha outro tipo de atividades. O participante A, desde 2012 no snoezelen. O participante B desde 2012 no snoezelen, experimentou hidroterapia mas ficava muito ansioso e esse estado de ansiedade persistia ao longo do resto do dia. O participante C, desde 2006 no snoezelen, teve um período em que interrompeu devido a crises de epilepsia não controladas.

(TP)- O participante A é um utente que gosta de estar num ambiente calmo. Manifesta pequeno desagrado com frequência mas mostra-se bem adaptado à sala a que pertence. Gosta de atenção e toma iniciativa de a pedir. Não procura nem explora objetos.

O participante B gosta de estar no seu espaço e de se deslocar livremente. Realiza movimentos repetitivos amplos. Explora objetos de forma estereotipada, abana-os ritmadamente. Geralmente está calmo.

O participante C está geralmente calmo, é observador e consegue estar bem em qualquer ambiente. Gosta de se movimentar pelo espaço deslocando a cadeira de rodas ou gatinhando. Atira objetos pelo ar. Tendo sido uma vitória o facto de aceitar o tabuleiro da refeição à sua frente!

Estes três utentes dependem muito de terceiros nomeadamente na alimentação e higiene, mas colaboram com os cuidados prestados.

O participante D tem grande agitação psicomotora, tem dificuldade em regular-se emocionalmente. É brincalhão e gosta de atenção.

(A)- Que tipo de estimulação mais usa no participante A, B, C e D? (visual, olfativa…)? Porquê?

(TP)- O tipo de estímulos é selecionado de acordo com as necessidades e interesses de cada participante. Com o participante A prevalecem os estímulos auditivo, táctil e proprioceptivo; com o participante B, os estímulos cinestésico e visual; com o participante C, os estímulos visual e cinestésico; e com o participante D, os estímulos auditivo, táctil e proprioceptivo.

O participantes A e D, gostam que falem consigo, às vezes, procuram o toque e apreciam os estímulos fornecidos pela cama de água musical, daí o recurso a estímulos essencialmente ao nível auditivo (o conversar, a música suave…), táctil e proprioceptivo.

O participante C valoriza muito as luzes e outros estímulos visuais, daí usar-se essencialmente os estímulos visuais mas também os cinestésico ao possibilitar-lhe a movimentação pelo espaço e o atirar a bola grande.

O participante B, procura o movimento (estímulos cinestésicos) essencialmente, daí que se movimente na piscina de bolas e se baloice sentado na cama de água musical. Tem dias em que gosta de abanar repetidamente um objeto, observando o seu movimento, embora isto ultimamente até aconteça mais na sala de CAO a que pertence do que em contexto de Snoezelen. Observa as luzes giratórias junto à piscina de bolas (estímulo visual).

(A)- Os participantes observados fazem outro tipo de terapia, para além do snoezelen? Qual(ais)?

(TP)- O participante A não, por recusa, nem mesmo participa nas atividades socioculturais na instituição por ficar alterado, por exemplo, no dia de Carnaval não

vem.

O participante B também não, por recusa, nem mesmo participa nas atividades socioculturais na instituição. Experimentou-se a hidroterapia mas reagia mal, arranhava- se de cada vez que a terapeuta tentava que retirasse os pés do chão…

O participante C não faz hidroterapia por questões de saúde, apresenta fragilidade em termos respiratórios.

O participante D demonstrou interesse pela equitação terapêutica, foi experimentar e não reagiu muito, pois estava numa fase em que andava fortemente medicado. Talvez, no futuro, possa voltar a experimentar. Deixou de fazer natação por perda de competências devida a complicações psiquiátricas. Nesta fase em que anda melhor tem participado em atividades socioculturais na instituição, tais como baile de Carnaval. Há cerca de um mês iniciou a musicoterapia e está a demonstrar grande agrado.

(A)- Que benefícios reconhece, na globalidade, na prática do snoezelen nos participantes que acompanha?

(TP)- O Snoezelen dá-nos a possibilidade de apresentar estímulos num ambiente calmo. Consegue-se estimular os sentidos separadamente ou de forma integrada com o intuito de promover no utente uma maior noção do que se passa no mundo ao seu redor. Mas mesmo quando não se consegue grande resultado ao nível do processamento sensorial, isto é, ao nível da integração sensorial quando o cérebro processa informação sensorial recebida, dando uma resposta adequada, já é importante o possibilitar a sensação, ou seja, a estimulação sensorial, permitindo que usufruam por exemplo do efeito visual das cores mesmo sem saberem de que cor se trata. Nos casos em que necessitam de estímulos mais fortes que o considerado normal podem ficar por muito tempo a observar a coluna de água por exemplo, e isso pode transmitir uma sensação de satisfação.

É uma atividade que está ao alcance de todos pois só precisam de sentir, de usufruir. Por exemplo, um utente que não consegue andar num baloiço normal aqui pode beneficiar do sofá suspenso ou deslocar-se livremente na piscina de bolas luminosa e isso contribuirá para o seu relaxamento e sensação generalizada de bem-estar.

(A)- E quais os benefícios nos participantes observados?

(TP)- Nestes casos concretamente o que se evidencia mais é o relaxamento, sobretudo no participante D. Há dias em que se encontra em crise emocional e vai para a sala propositadamente para acalmar, mesmo não sendo o dia da sua sessão, como aconteceu várias vezes a semana passada. Nota-se que a sua respiração abranda e a agitação psicomotora diminui. Quando já vai calmo para a sessão prevista, mantém-se nesse estado, acalmando ainda um pouco mais, geralmente. Nos casos do participante B e do participante A, o snoezelen constitui praticamente a única atividade semanal fora de sala em que podem participar. Consiste num momento agradável de lazer, num ambiente em que se sentem bem, saindo da rotina. Em alguns momentos estes utentes são capazes de

tomar iniciativa em pequenas coisas, como por exemplo, passar de um equipamento para outro e até iniciar interação, mais difícil no caso do participante B.

No caso do participante C, que é bastante observador, este usufrui dos estímulos visuais e pode deslocar-se livremente em direcção aos estímulos do seu interesse, mantendo simultaneamente as competências motoras.

(A)- Quais as alterações mais significativas verificadas antes e após a sessão de snoezelen nos participantes observados?

(TP)- No participante D verifica-se um estado de maior tranquilidade. Nos restantes participantes não se verifica uma alteração significativa no estado emocional, pois geralmente já chegam calmos à sessão e assim permanecem.

Nota-se maior receptividade a novos estímulos do que no início, sobretudo no participante A, mas também no participante B. Esta evolução é visível ao longo do tempo mas não necessariamente do início para o fim de uma sessão. Quanto ao participante C, tem sido constante a forma de reação aos estímulos. No participante A, nota-se melhoria na qualidade de interação, mas também ao longo do tempo e não do início para o fim da sessão.

(A)- Considera que a nível do relaxamento / bem-estar existem diferenças entre o modo como o participante se apresenta no início e no fim da sessão? De que modo isso é visível?

(TP)- O participante D é o utente em que se nota maior diferença ao nível do relaxamento nomeadamente através de uma respiração mais tranquila, menor agitação psicomotora e uma interação mais calma, fala mais baixo e um pouco mais devagar… Nos restantes utentes a diferença a este nível não é tão evidente. Sentem-se bem na sua sala e no snoezelen dá-se continuidade a esse bem-estar. Mas é ótimo sinal pois há vários contextos em que o seu mal-estar é bem evidente, sobretudo nos casos dos participantes A e B.

(A)- Considera que essas alterações se prolongam ao longo do dia, por exemplo, quando os participantes estão com os cuidadores?

(TP)- No caso do participante D, há dias em que a calma se mantém ao longo do dia, embora nem sempre. Em momentos de crise tem sido várias vezes a forma mais imediata de o acalmar e por vezes até a única alternativa ao medicamento dado em SOS. Ele próprio pede para ir para a sala de snoezelen e decide por quanto tempo se quer manter, saindo de lá notoriamente mais calmo. Ultimamente este estado de calma tem sido mais duradouro.

(A)- No fim de cada sessão, faz uma breve avaliação da sessão? Quais os principais aspetos que tem em conta?

(TP)- Na instituição temos uma folha própria para Registo de Avaliação do Desempenho dos Clientes e nesse mesmo documento registamos também o grau de

satisfação durante a atividade atribuindo uma classificação de 1 a 5. A avaliação do objetivo para o utente naquela sessão, por exemplo no snoezelen esses objetivos são relaxar num determinado equipamento, aceitar a interacção da terapeuta, tomar iniciativa na interacção, reagir a um determinado estímulo visual/auditivo/táctil… O nível 1 significa que o objetivo não foi atingido de 0 a 24%, o 2 que foi atingido parcialmente de 25% a 49%, o 3 que foi atingido parcialmente de 50 a 74%, o 4 que foi atingido parcialmente de 75% a 89% e o nível 5 que foi atingido totalmente de 90 a 100%.

Quanto ao grau de satisfação, usamos o nível 1, para quando o utente se mostra nada satisfeito, visível através da expressão facial, de sons de desagrado e agitação psicomotora; o nível 2 atribuímos quando o utente se mostra pouco satisfeito, visível através da expressão facial de desagrado e sons de desagrado; o nível 3 usamos para quando o utente se mostra indiferente, visível na expressão facial de indiferença; o nível 4, para quando se mostra satisfeito, com expressão facial de agrado: sorriso, ar tranquilo; e o nível 5 usamos quando o utente está muito satisfeito pela expressão facial de alegria: riso, euforia, ar de profundo relaxamento.

Nesta atividade há uma relação muito próxima entre os dois pontos avaliados uma vez que o principal objetivo é mesmo o seu bem-estar e não a aquisição de competências específicas/a melhoria de desempenho.

As observações servem de ponto de partida para sessões seguintes, para se poder ir de encontro às necessidades e interesses do cliente.

(A)- O meu sincero agradecimento por todos os esclarecimentos fornecidos e parabéns pelo trabalho desenvolvido com os utentes.

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