2. O QUE DIZEM AS GRAMÁTICAS SOBRE A INDETERMINAÇÃO DO
5.6 Entrevista
5.6.1 Entrevista de Thiago de Mello
Apresentaremos apenas alguns excertos da entrevista, porque os consideramos suficientes para a análise empreendida.
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Thiago de Mello
Entrevista a Lêda Rivas*
(* Editora do Viver - caderno de cultura do Diário de Pernambuco)
Como quem põe um ponto final numa longa conversa, Thiago
de Mello chega avisando:
"Os versos, compondo a abertura do livro em questão (o vigésimo-
sexto pela Editora Civilização Brasileira), sintetizam o destino do
poeta amazonense, setenta anos de idade, cinqüenta dos quais
postos a serviço do amor, da natureza e da liberdade. Ele próprio,
lacônico, define como o resumo de toda a sua vida a edição,
intitulada – com incisivo sabor de melancolia – De Uma Vez por
Todas. Reunindo a produção recente do autor, poesia e prosa estão
juntas, entremeadas com uma iconografia sentimental, para
celebrar o "dom da amizade, uma virtude humana que está em vias
de extinção neste fim de século".
Para lançar sua memória lírica pelo Brasil afora, Thiago de
Mello deixou Porantim do Bom-Socorro, "12 mil metros quadrados
de chão verde'', fincado em plena selva amazônica, que um dia
inteiro de barco separa de Manaus. Passou pela Bienal
Internacional do Livro, em São Paulo, teve um lançamento
saudosista no Rio, deu autógrafos em Brasília e se prepara para
cumprir agenda oficial em prol da preservação ecológica. No final
do mês, retorna ao coração da floresta, um canto que até se propôs
a vender, em "anúncio imobiliário'' que encerra o livro, com a leve
sensação de que mercadejava a própria alma.
Esta semana, de Brasília, horas antes de ir ao encontro de
Fernando e Ruth (os próprios), amigos de esperanças e
recordações afins, o poeta concedeu esta entrevista, por telefone.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO
– Em De uma Vez por Todas está sua
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THIAGO DE MELLO – O livro é um resumo da minha vida.
DIÁRIO – Você sempre falou de amor, liberdade e vida. Fazia escuro
e você cantava. Como está o tempo no Brasil para a sua poesia?
THIAGO DE MELLO – O tempo está ficando mais claro, através da
reconquista da democracia. Mas do ponto de vista social da vida do
povo, a escuridão continua, porque são muito grandes a diferença e
o contraste de poucos que têm tudo, têm cada dia mais, e uma
multidão de deserdados que não podem ter nem um pouco para
viver na dignidade da própria condição humana. As diferenças e as
desigualdades sociais são terríveis ainda. Esse meu livro serve à
utopia. Acho que cada um de nós, na sua vida cotidiana, na
maneira de viver e de conviver com os outros, parte, consciente ou
inconscientemente, para uma opção entre o apocalipse e a utopia.
Já faz tempo que eu optei pela utopia.
DIÁRIO – Toda a sua obra e você mesmo, como pessoa, estão
profundamente ligados às dores e aos anseios da América Latina.
Há um relacionamento muito íntimo entre você e os poetas do
continente. Isso leva a uma conspiração literária pela rebeldia?
THIAGO DE MELLO – Acho que a poesia da América Latina, hoje, é
uma poesia essencialmente ligada à vida do homem latino-
americano. Uma poesia que serve à vida. A poesia, evidentemente, é
uma arte, mas esta arte deve servir à vida. Ou seja, além de ter uma
finalidade estética, deve ter uma utilidade ética. Ela não deve servir
apenas à beleza, ela deve servir ao bem. Ao bem da vida.
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DIÁRIO – Quase todos os seus títulos foram editados pela
Civilização Brasileira. Fale um pouco de Ênio Silveira, "que sabia ser
amigo de mesmo''...
THIAGO DE MELLO – Este é o meu vigésimo-sexto livro pela
Civilização. E é uma homenagem ao dom da amizade, uma virtude
humana que está em vias de extinção neste fim de século. A
amizade hoje existe mais por interesse, não pelo grande dom da
ternura humana. Então, eu presto uma homenagem, num poema
chamado Memória, aos meus amigos, às pessoas com as quais eu
convivi e trouxeram luz a minha vida. Entre aqueles a quem dedico
o livro está Ênio Silveira, grande brasileiro, grande patriota e um ser
humano extraordinário.
DIÁRIO – O livro está sendo lançado em Brasília?
THIAGO DE MELLO – Eu lancei o livro em São Paulo, durante a
Bienal Internacional, lancei no Rio de janeiro, numa noite
inesquecível, na última sexta-feira, com a presença de amigos meus
de infância, que eu não via há quarenta ou cinqüenta anos. Mas a
maioria era de gente desconhecida, pessoas que foram para me
conhecer, às quais eu dedico também este livro, como consta na
abertura. E digo ao leitor que eu não o conheço, mas participo de
sua vida, através dos meus livros. Terça-feira lancei em Brasília.
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DIÁRIO – No final do seu livro, você faz um comercial, um anúncio
pondo à venda o seu "lugar'', como você chama. Você teria mesmo
coragem de vender Porantim do Bom-Socorro?
THIAGO DE MELLO – O lugar já foi passado para o Governo do
Estado, vai servir para um grande centro cultural de reciclagem e
capacitação para professores do interior da floresta. Mas eu
continuo morando em Barreirinha em duas casas, uma de um lado
do rio, a outra do outro, ambas projetadas por Lúcio Costa.
DIÁRIO – Como se chega a Barreirinha?
THIAGO DE MELLO – De Manaus a Barreirinha são vinte horas de
barco. Agora tem uma linha aérea, três vezes por semana, leva uma
hora de vôo. Mas não há estradas. A estrada é o rio.
DIÁRIO – Aos setenta anos, Thiago de Mello, o que você vê, quando
olha para trás?
THIAGO DE MELLO – Eu não sofro dessa enfermidade chamada
falsa modéstia. Acho que fui coerente, continuo a ser coerente com
a minha vocação, sou responsável perante o dom que recebi ao
nascer, o dom da poesia. Minha vida é uma vida que tem sido útil
para os outros. Sou coerente, porque coloquei sempre a minha
poesia a serviço da vida.
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No documento
Estudo da referência indeterminada do pronome "você" na perspectiva funcionalista da linguagem
(páginas 102-107)