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CAPÍTULO 1 O CAMINHO METODOLÓGICO

1.3 ENTREVISTAS COM OS ESTUDANTES

Ao buscar a essência do fenômeno pesquisado, é fundamental considerar os sujeitos envolvidos como protagonistas e colaboradores ativos neste processo de pesquisa. E, para que isso aconteça, precisamos, primeiramente, superar o conceito de criança “como alguém incapaz de aprender até atingir certo nível de desenvolvimento.” (MELLO, 2010a, p. 184). Historicamente, considera-se a criança como um ser frágil, incapaz de compreender e aprender, negando a ela a participação ativa no mundo que a rodeia. A autora acrescenta que,

[...] se a apropriação que a criança vai fazendo do mundo não é linear, mas condicionada por sua experiência emocional, pela atividade que realiza em relação ao objeto da cultura com que se relaciona, nosso conhecimento de como esse processo se efetiva depende essencialmente de conhecermos os sentidos que cada criança vai atribuindo aos elementos da cultura que vai conhecendo e do qual vai se apropriando a partir da maneira como os interpreta, como se inteira deles, de como se relaciona emocionalmente com eles. E a condição para conhecer esses sentidos é a própria expressão das crianças (MELLO, 2010a, p. 189-190).

9No original: “De este modo, la cuestión no estriba aqui en las particularidades de la atención del niño como una cierta capacidad de su conciencia, sino en las particularidades de su actividad” (LEONTIEV, 1978b, p. 152) – Trad. Stela Miller – Docente do Programa de pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências – Unesp – Campus de Marília. Setembro de 2014 – para fins pedagógicos.

Dar voz às crianças para que possam expressar o que estão compreendendo sobre determinado tema é fundamental para o pesquisador saber o que pensam e conhecem sobre o assunto — no caso desta pesquisa, sobre o ato de ler e escrever. Analisar as vozes dos alunos é perceber que os seus enunciados (BAKHTIN, 2003) são produzidos a partir da sua compreensão de mundo, constituída pela vivência e pela influência dos que convivem com eles. É considerá-los como sujeitos ativos e atores sociais na pesquisa, em constante movimento e transformação. “O objeto das ciências humanas é o ser expressivo e falante” (BAKHTIN, 2003, p. 395), que permite conhecer e ouvir a interpretação de mundo na voz do outro.

Dentre as múltiplas linguagens e diferentes formas de expressão que se pode utilizar com as crianças, escolhemos a entrevista, um instrumento metodológico que permite construir sentidos entre os interlocutores. Essa foi previamente planejada com perguntas chave, de modo a dialogar com as crianças procurando conhecer seus conceitos e, no fundo, o sentido que aprenderam a atribuir à leitura e escrita no tocante a “para que se escreve, para que se lê, se gostam de ler e escrever, o que

leem e escrevem na escola.” Mello (2010a) ressalta que o sentido que a criança

aprende a atribuir à linguagem escrita, condiciona a formação de seus motivos de estudo. A autora ressalta que “esse sentido orientará sua relação com a escrita e o conjunto de tarefas escolares que envolvem o exercício da linguagem escrita.” (MELLO, 2010a, p. 332). Ouvir as vozes dos estudantes é essencial para conhecer o conceito que estão aprendendo a atribuir à linguagem escrita.

Durante o diálogo, outras questões surgiram: algumas delas serão analisadas no decorrer dos capítulos que seguem, outras foram e serão utilizadas em artigos específicos por não serem temas centrais desta pesquisa. Dessa maneira, considerando a criança como um sujeito capaz e colaborador desta pesquisa, entrevistamos 81 alunos:

Quadro 3 - Número de alunos entrevistados por turma

Turmas Número de alunos entrevistados

1º ano 14 2º ano 08 3º ano 19 4º ano 24 5º ano 16 Total 81 alunos Fonte: Da autora.

Em todas as salas, entreguei o termo de consentimento para a entrevista a cada aluno, que deveria ser assinado por um dos responsáveis pela criança. Assim, as entrevistas foram realizadas ao longo de vários dias, no segundo semestre de 2013 e início de 2014. Inicialmente, eu combinava com a professora o melhor horário para chamar os alunos em determinada turma. Um a um, o aluno saía para a entrevista. Os locais eram definidos de acordo com o espaço disponível naquele horário: um dia, ficávamos na sala da coordenação pedagógica; outro dia, na sala dos professores enquanto não havia ninguém. No segundo semestre de 2014, após analisar as entrevistas das turmas do 4º ano de 2013, apareceu um fato interessante que me instigou a entrevistá-los novamente no final do ano de 2014, o que será detalhado no capítulo II.

A entrevista é uma produção de linguagem, portanto dialógica. Segundo Freitas (2002, p. 29),

Os sentidos são criados na interlocução e dependem da situação experienciada, dos horizontes espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado. As enunciações acontecidas dependem da situação concreta em que se realizam, da relação que se estabelece entre os interlocutores, depende de com quem se fala. Na entrevista é o sujeito que se expressa, mas sua voz carrega o tom de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo, gênero, etnia, classe, momento histórico e social.

A entrevista não é um simples diálogo. Os fatos narrados em uma entrevista possuem uma pluralidade de vozes, uma produção de enunciados (BAKHTIN, 1990). As nossas palavras são constituídas de palavras alheias que penetram nos enunciados e se misturam: a nossa palavra já foi palavra do outro, segundo Volochínov e Bakhtin (2011). Ao entrevistar as crianças, verifiquei quais eram seus conceitos sobre a leitura e a escrita e como percebiam sua relação com a linguagem escrita. Porém, muitas respostas revelaram a presença das vozes de uma sociedade, da crença dos pais, das percepções e anseios dos professores, conforme análise no capítulo III. As entrevistas foram gravadas em áudio e depois transcritas. Durante a transcrição, aglutinei os enunciados das entrevistas e, a partir dos temas que foram surgindo, os organizei em grupos de análises. Transcritas as entrevistas e observações, iniciei o processo de análise e reflexão.

Toda análise de dados tem o desafio de expressar por meio da escrita a vivência das observações, das falas, ou seja, dar sentido ao que foi vivido na

experiência dos encontros com os sujeitos participantes da pesquisa. Dessa forma, cada participante desta investigação tem sua autoria nesta tese. Os capítulos que foram escritos são constituídos das vozes dos alunos e dos professores, que durante quase dois anos letivos de minha permanência no campo, foram compondo os enunciados aqui descritos.

Posso antecipar que o caminho metodológico percorrido possibilitou-me uma aproximação maior com a realidade, dando a oportunidade de analisar com um olhar mais refinado o objeto de estudo desta pesquisa, refletindo e problematizando as relações que se estabeleceram no campo de observação. Isto posto, narro e analiso no próximo capítulo, as experiências das observações realizadas nas salas do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental.