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4 EM BUSCA DE DADOS NO LÓCUS DAS RELAÇÕES

4.3 INSTRUMENTOS DE GERAÇÃO DOS DADOS

4.3.1 Entrevistas

Yin (2005) registra que as entrevistas nos estudos de caso geralmente são conduzidas de forma espontânea, já que, segundo André (1995), num estudo de caso de tipo etnográfico, há a preocupação em buscar nos participantes a variedade de significados que atribuem ao objeto de pesquisa. Mason (1996) caracteriza a entrevista qualitativa como de estilo relativamente informal, concebendo-a como ‗conversas com propósito definidos‘. Segundo Mason (1996), por suas características, as entrevistas qualitativas ou, como as denomina Flick (2004), etnográficas, desenvolvem-se com limites menos nítidos do que em outras situações de entrevista em que o tempo e o lugar são organizados exclusivamente para essa ação. Nas entrevistas qualitativas, os dados são gerados na interação, e para o entrevistador ter sucesso nessa atividade, ele precisa entender a complexidade da interação (MASON, 1996). O conhecimento das pessoas envolvidas, suas visões, suas compreensões, suas interpretações, suas experiências e interações são propriedades significativas da realidade social que serão exploradas juntamente na entrevista além dos dados que cabe ao entrevistador gerar. Para Flick (2004), é importante ―[...] moldar as conversas que surgem no campo em entrevistas nas quais o desdobramento das experiências particulares do outro encontra-se sistematicamente alinhado ao assunto de pesquisa‖ (FLICK, 2004, p. 105). Em razão de implicações como essa, Mason (1996) prefere denominar a atividade de geração de dados e não coleta de dados, pois envolve uma quantidade de relações entre o pesquisador, o mundo social e os dados, que serão qualificados por meio de atividades intelectuais, analíticas e interpretativas. Para Mason (1996, p. 36), ―[...] the researcher is seen as

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Ainda que pesquisa documental seja tida como um tipo de pesquisa (GIL, 2002), filiamo-nos a Yin (2005) no entendimento de que pode também ser tomada a serviço de outro tipo de pesquisa – neste caso, estudo de caso – o que a converte, entendemos, em uma estratégia de geração e dados.

actively constructing knowledge about that world according to certain principles and using certain methods derived from their epistemological position‖.157

O planejamento das entrevistas, realizadas primeiramente com as estudantes e posteriormente com os orientadores, foi feito de forma a considerar o tempo de vivência junto aos participantes da pesquisa. Dessa forma, foi possível trazer dados para estabelecer ‗conversa‘ com esses membros. As perguntas foram preparadas, mas não ‗fechadas‘, e isso foi fundamental porque as respostas dos participantes geraram questionamentos, interpretações e, em muitos casos, novas perguntas. Como aponta Mason (1996), em razão de as entrevistas qualitativas levarem em conta todo o contexto de interação e dos participantes, seu planejamento é mais cuidadoso, e envolve mais que pensar as palavras certas; implica uma reflexão sobre como conduzir a interação e sobre como o entrevistador irá se apresentar no que respeita às questões e ao modo como ele as está desenvolvendo, isto é, a dinâmica da situação, o repertório exigido, a profundidade das questões abordadas, a relevância de cada parte da entrevista; enfim, o entrevistador precisa ser hábil em fazer as conexões sociais e intelectuais na materialização da tarefa de entrevista. Nesse sentido, como se tratavam de duas áreas distintas se consideradas especificidades de nosso conhecimento como entrevistadores e especificidades do conhecimento de nossos entrevistados, certas concepções, certos dados precisavam ser transformados em linguagem comum a ambos. No caso do jargão do Direito, solicitávamos, algumas vezes, que os participantes ‗traduzissem‘ em uma linguagem comum informações técnicas que eles nos forneciam, e fazíamos da mesma forma, quando nosso enfoque eram particularidades de gêneros, letramento, e conceitos afins.

Mason (1996, p. 43) entende que o entrevistador tem uma grande responsabilidade de organizar a estrutura da geração de dados e o fluxo da entrevista. Assim, procuramos seguir orientações da autora, que sugere que

[...] the qualitative interviewer has to prepare themselves to be able to ―think on their feet‖ in the interview itself, they have to do this quickly, effectively, coherently and in ways which are consistent with their research questions. They

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Tradução: ―[…] o pesquisador é visto como ativamente construindo conhecimento sobre aquele mundo de acordo com certos princípios e usando certos métodos derivados de sua posição epistemológica‖.

need to be able to ensure that the interview interaction actually does generate relevant data, which means simultaneously orchestrating the intellectual and social dynamics of the situation.158 A partir das considerações de Mason (1996), assim como de André (1995), o pesquisador, entrevistador tem papel fundamental na pesquisa. É ele que construirá o contexto de interação para uma entrevista bem sucedida: exposição de tópicos; abertura de questões; estabelecimento de relações entre uma pergunta e outra, bem como entre as respostas e as perguntas seguintes; a criação de um clima favorável à participação do entrevistado, entre outras implicações (MASON, 1996). Além disso, segundo a autora, há ainda importantes aspectos a serem observados, de natureza ética e política, que, segundo Mason (1996, p. 42), referem-se à consideração de que ―[…] you may have a particular view of research ethics and politics which means that you believe interviewees should be given more freedom in and control of the interview situation than is permitted with ‗structured‘ approaches‖159

. Sobre isso, o contexto que encontrei em minha entrada no Núcleo demostrava a minha exclusão do grupo social do Direito. Tal exclusão era percebida pela forma de tratamento entre eles e deles comigo. Eles comentavam questões da área, do curso, do dia a dia de sala de aula, de conhecimentos específicos. Eles deixavam transparecer que eu ‗não sabia interagir‘ nas conversas sobre essas situações. Nesses casos, procurei não ‗forçar‘ certas situações, a inserção, demonstrando postura de aprendiz, de pesquisadora, ou seja, as intenções do estudo. Com isso, consegui aumentar gradativamente os espaços para a participação.

Levamos em conta também algumas habilidades demandadas do pesquisador na tarefa de entrevista qualitativa segundo Mason (1996, p. 45): o entrevistador precisa ouvir o que o entrevistado diz a ele com atenção (embora deva fazer isso com equilíbrio, pois o ouvir demais

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Tradução: ―[...] os entrevistadores qualitativos tem que se preparar para estarem aptos a ―pensar por si próprios‖ na entrevista, eles têm que fazer isso rapidamente, efetivamente, coerentemente e de modo condizente com as questões de pesquisa. Eles devem estar aptos para assegurar que a interação na entrevista de fato gere dados relevantes, o que significa simultaneamente orquestrar a dinâmica intelectual e social da situação‖.

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Tradução: ―[…] você pode ter uma visão particular de ética e política de pesquisa o que significa que você acredita que aos entrevistados deve ser proporcionados mais liberdade e controle da situação da entrevista do que é permitido com abordagens ‗estruturadas‘‖.

também prejudica a entrevista), interpretando o que as informações significam, tentando descobrir, dentre as falas do entrevistado, quais têm relação com o que ele quer saber, bem como há que estar atento às mudanças, reticências, tensões no decorrer da entrevista. Como a entrevista se deu em tom de ‗conversa‘, algumas vezes houve ‗desvio‘ do foco da pergunta, e procuramos recuperá-la, ou recuperar o foco da questão, a fim de que a geração de dados fosse profícua como esperávamos.

Mason (1996) também entende que o investigador deve ser criativo e hábil em pensar em modos de obter respostas dos participantes de pesquisa, tanto quanto formular apropriadas questões-resposta para dar continuidade à conversa, questões que desviem ou voltem ao tema da entrevista. Quanto aos aspectos de organização de tempo e equipamentos, o pesquisador precisará estabelecer limites sobre o tempo, para avaliar a profundidade das respostas e da abordagem das questões. No que se refere aos equipamentos, precisa ficar atento quanto à sua funcionalidade, para não se distrair e não distrair o entrevistado. Enfim, a partir da leitura de Mason (1996), mantivemo-nos atentos a essas recomendações ao longo do processo de geração de dados, procurando também contribuir para a manutenção de um ambiente agradável para a realização da entrevista, não estendendo o tempo para não deixar os entrevistados cansados e desmotivados.

Sobre a elaboração das questões, a forma como se desenvolve a ‗conversa‘, Olabuenaga e Izpizua (1989) sugerem que o entrevistador comece por questões de caráter mais geral, para que os participantes se adaptem gradativamente ao método, além de possibilitar o avanço sistemático do processo. Segundo os autores, além dos dados referentes ao estudo, é relevante a captação dos dados subjetivos. Em tais dados oferecidos, concentram-se também as suas visões. A comunicação verbal se faz mais espontânea e se enriquece com a comunicação não- verbal (OLABUEAGA; ISPIZUA, 1989). Assim, dividimos a entrevista em três partes, com base nos eixos: a) configuração dos gêneros do discurso da esfera jurídica tematizados no processo de ensino e aprendizagem do Núcleo campo de pesquisa; b) caracterização das relações intersubjetivas nos eventos de letramento que constituem o processo de formação acadêmica que tem lugar no Núcleo; c) depreensão de ressignificações das práticas de letramento considerada a participação do grupo em eventos de letramento na interface esfera acadêmica/esfera jurídica.

Sobre as entrevistas, realizamos uma única e longa entrevista com cada um dos participantes de pesquisa – as demais ‗conversas‘ que

permearam todo o processo foram convertidas em notas de campo. Tais entrevistas foram realizadas primeiramente com as estudantes, uma a uma, elaboradas, como mencionamos, em três partes (Apêndice 1) e, posteriormente, com os orientadores. Tematizamos, nestas últimas, informações geradas na entrevista com as alunas. A entrevista com os professores (Apêndice 2) foi organizada da mesma forma, em três partes, as mesmas com as quais foram organizadas as entrevistas com as estudantes; primeiramente entrevistados o professor orientador do grupo, e depois com a coordenadora do Núcleo.

Caracterizada a entrevista qualitativa/ etnográfica, entendemos que esse instrumento foi especialmente importante para nós, requerendo trabalho planejado e intenso quanto à pré-disposição para a atividade, para a interação com os entrevistados, para a ‗orquestração‘ dos dados que emergiram das situações de interação, para o aproveitamento das respostas com propriedade; enfim, buscamos uma preparação intelectual e social para a realização das entrevistas com nossos participantes de pesquisa.

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