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A Análise do Discurso de tradição francesa apresenta um quadro teórico-referencial que, por abranger a lingüística, a teoria do discurso em si e o materialismo histórico, possibilitou a formação de um legado epistemológico que nos leva a um sujeito do enunciado, caracterizado por ser irredutível a um simples elemento gramatical agente ou paciente de um verbo. Sendo historicamente determinado, ele não é um mesmo sujeito em qualquer enunciado e a função enunciativa pode ser exercida por diferentes sujeitos. Conforme Foucault (1995, p. 107), “um único e mesmo indivíduo pode ocupar, alternadamente, em uma série de enunciados, diferentes posições e assumir o papel de diferentes sujeitos”.

Os sujeitos-professores participantes de nossa pesquisa, por exemplo, enunciam de forma diferente em seus depoimentos, mas um sentido ali produzido pode até ser o mesmo, assim como um mesmo enunciado pode convergir para distintas produções de sentidos. Mesmo ocupando o lugar de enunciador sobre si e sua prática pedagógica, as “arestas” de

sentido presentes nos dizeres desses sujeitos deixam transparecer as diferentes posições de sujeito que eles ocupam.

Ao assumir essa concepção de sujeito como posição e não como indivíduo, podemos relacionar enunciados e história, pois para que haja sentido, necessita-se de que o enunciado se relacione com outras formulações coexistentes a ele, num espaço historicamente marcado. Essa questão é discutida por Orlandi (2005) que afirma que,

ao dizer, o sujeito significa em condições determinadas, impelido, de um lado, pela língua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiência, por fatos que reclamam sentidos, e também por sua memória discursiva, por um saber/poder/dever dizer, em que os fatos fazem sentido por se inscreverem em formações discursivas que representam no discurso as injunções ideológicas. (ORLANDI, 2005, p. 53)

Estando, assim, sujeito a deslizes e equívocos como marcas desse “saber/poder/dever” dizer, o homem se constitui frente às tensões que aí se instalam pela articulação do processo polissêmico e metafórico. Conforme Pêcheux (2002), é trabalhando a articulação entre a estrutura (o fixado) e o acontecimento (a liberdade em ato), entre o estável e o não realizado, que os sentidos escorregam, derivam para sentidos outros, que um enunciado diz sem dizer ou diz algo mais.

Os enunciados sempre supõem outros, formando-se ao seu redor um campo de coexistências que, por determinar qualquer enunciado, cria um jogo enunciativo, no qual ele se insere e o extrapola. Ao tratar sobre enunciados que conjuntamente formam o discurso, Pêcheux (2002, p. 53) postula que “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, [de] se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro”. Para o autor, esses enunciados, lingüisticamente descritíveis, oferecem lugar à interpretação. Esse seria um dos papéis da AD.

Vê-se que o papel da língua não é mais o de servir para a descrição de sistemas lingüísticos, independentemente de suas condições de produção e de seus falantes. A partir da

compreensão de língua como sistema, os estudiosos da linguagem puderam tê-la como objeto de estudo e partir, também, para o estudo de seu funcionamento. Com isso, os estudos discursivos tornaram-se possíveis graças ao fato de que “a língua atual se baseia em grande parte sobre a idéia de que um termo só tem sentido em uma língua porque ele tem vários sentidos” (PÊCHEUX, 1997, p. 64). A língua seria, então, o lugar de aparecimento de efeitos de sentido, possibilitando os estudos de processos discursivos que são as fontes dos próprios sentidos produzidos pelo uso efetivo da língua por um sujeito (a fala).

É por essa visão que escolhemos trabalhar com depoimentos abertos dos nossos sujeitos de pesquisa, pois a partir de questões motivadoras eles produziram enunciados que nos possibilitaram analisar seus imaginários de sujeitos-professores sobre suas formações teóricas. Sem se esquecer de que são os “vários sentidos” presentes nos enunciados em análise que vão permitir a observação de como ocorre a atribuição ou tentativa de controle dos sentidos frente às contingências da produção.

Ao tratar da produção desses discursos e de seus controles, Pêcheux (1997, p. 74) afirma que

a normalidade local que controla a produção de um tipo de discurso dado concerne não somente à natureza dos predicados que são atribuídos a

um sujeito mas também às transformações que esses predicados sofrem no fio do discurso e que o conduzem a seu fim, nos dois sentidos da palavra. 8

Nota-se que o sentido do discurso se dará não só na sua materialidade lingüística, mas também na sua ligação com as circunstâncias de sua produção, ou seja, com suas condições de produção. São estas as responsáveis pelo estabelecimento de relações de força que se inserem no discurso, mantendo uma relação com a linguagem e constituindo-se, portanto, sentido(s).

8 O grifo é do próprio autor.

Orlandi (2005, p. 30) argumenta que as condições de produção compreendem tanto o sujeito, quanto a situação e a memória. Para a autora, as condições de produção podem ser consideradas segundo dois sentidos: um estrito e outro amplo. O primeiro envolve as circunstâncias enunciativas, ou seja, o contexto imediato; já no segundo sentido, inclui-se o contexto sócio-histórico-ideológico. Tal reconhecimento se apresenta de maneira relevante à AD, porque as condições de produção fazem parte da exterioridade lingüística por ela considerada.

Num sentido estrito, as condições de produção que envolvem os dizeres aqui em análise se relacionam com o espaço “institutos de idiomas”, o momento de gravação do depoimento e a experiência que cada professor possui e carrega consigo. Como contexto amplo, temos a presença dos elementos sócio-históricos e ideológicos que afetam e compõem o ambiente e os sujeitos-professores. Exemplificando, temos os históricos das instituições escolares de ensino de língua e de formação de professores de línguas estrangeiras, a história de ensino da língua e as relações ideológicas que sustentam o imaginário dos sujeitos enunciadores9.

O discurso se constitui, então, a partir dessas condições de produção, situando-se no interior da relação das forças existentes ao seu redor. Sobre essas relações de forças existentes sobre um discurso, é importante pensar no “assujeitamento”10 sofrido pelo sujeito ao ser conduzido a ocupar um lugar na produção discursiva, mesmo sem se dar conta de como isso acontece. Esse “assujeitamento” é uma forma de se manter não só relações de classe, por exemplo, mas também formações ideológicas que intervêm nas forças em conflito em um dado momento histórico-social e que marcam os discursos produzidos. Essas formações ideológicas, portanto, comportam-se como constitutivas desses discursos, pois elas contêm

9 Tais questões sobre as condições de produção dos discursos dos sujeitos-professores serão abordadas no capítulo dois.

10 Entendemos o termo “assujeitamento” enquanto a manifestação de uma interpelação à qual o sujeito se encontra condicionado por se inscrever em FDs.

uma ou mais formações discursivas inter-relacionadas, determinando o que pode, o que deve e o que não pode nem deve ser dito, fruto das condições de produção. É com a inserção nesta ou naquela formação discursiva que os recortes, enquanto fragmentos da situação discursiva, podem ser analisados e que se pode atribuir sentidos às FDs.