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enviado do céu, vos pregaram o evangelho; para as quais coisas os anjos bem desejam atentar) Tradução da

Vulgata Latina Católica, in Tua Palavra. Bíblia on line, edição corrigida e revisada fiel, de João Ferreira de Almeida, baseada no Textux Receptus, 1994.

184 A indicação de Gandini, de que esse trecho se refere à Epístola aos Romanos 1, 18-20 não condiz com o texto mencionado.

185 Na realidade, essa passagem não se encontra nas epístolas de São Paulo e sim em Levítico 18,5 e, levemente modificada, em Levítico 20,22: custodite leges meas atque judicia quæ faciens homo vivet in eis ego Dominus. (Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; os quais, observando-os o homem viverá por eles. Eu sou o Senhor). Tradução da Vulgata Latina Católica, in Tua Palavra. Bíblia on line, edição corrigida e revisada fiel, de João Ferreira de Almeida, baseada no Textux Receptus, 1994 .

186 Epístola aos Romanos 5, 13-23 e Epístola aos Gálatas 3, 19-29 Quid igitur lex? Propter transgressionem posita est donec veniret semen cui promiserat, ordinata per Angelos in manu Mediatoris. (Logo, para que é a lei? Foi ordenada por causa das transgressões, até que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita; e foi posta pelos anjos na mão de um medianeiro). Tradução da Vulgata Latina Católica, in Tua Palavra. Bíblia on line, edição corrigida e revisada fiel, de João Ferreira de Almeida, baseada no Textux Receptus, 1994.

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prometida por Deus a Abraão como prêmio por sua fé. Na Epístola aos Gálatas, São Paulo afirma De fato, não era tarefa de Moisés fazer as leis, mas, somente anunciá-las; Cristo cria as leis no nosso coração, instituindo graça e caridade, não já escritas em

tábuas de pedra, mas nas tábuas do coração e do corpo.187

Todavia, Moisés tem o valor de testemunha por nossa fé naquilo que não vemos e que é confirmado por Cristo quae nos prospeximus fide accipimus et credentes intelligimus, teste Mose et coeteris prophetis et ipso Christo confirmante nobis .(A fé nos leva a possuir aquilo que ainda esperamos, dá-nos a certeza daquilo que ainda não vemos).188 Então, a fé em Cristo dará a salvação. São Paulo afirma: Conclusit scriptura omnia sub peccato ut promissio ex fide Jesu Christi daretur credentibus. (Porém, a escritura colocou tudo sob o domínio do pecado, a fim de que a promessa fosse concedida aos que acreditam, mediante a fé em Jesus Cristo)189 Segundo São Paulo: virtus vero

peccati lex (a força do pecado é a lei)190 porque gera vinganças e crueldades. Cristo, ao

invés, exalta a fé Nele e o amor nunca utem Fides, Spes, Charitas maior autem corum est Charitas (Ora permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três, mas a maior delas é a caridade).191 São Paulo conclui: itaque, frates mei dilecti stabiles estote et immobiles

abundantes in opere Domini semper.(assim, queridos irmãos, sejam firmes, inabaláveis e

187 Epístola aos Gálatas 3, 17-18 (Non enim erat Moseos facere legem sed solum enunciare, Christus creat leges in corde nostro, gratiam statuens et charitatem, non iam in tabulis scriptis lapideis sed in tabulis cordis et carnalibus).

188 Epístola aos Hebreus 11, 1-2 (quae nos prospeximus fide accipimus et credentes intelligimus, teste Mose et coeteris prophetis et ipso Christo confirmante nobis).

189 Epístola aos Gálatas 3,22 sed conclusit scriptura omnia sub peccato ut promissio ex fide Jesu Christi daretur credentibus (mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos crentes). Tradução da Vulgata Latina Católica, in Tua Palavra. Bíblia on line, edição corrigida e revisada fiel, de João Ferreira de Almeida, baseada no Textux Receptus, 1994. A respeito desse versículo, Accomando Gandini se equivoca quando diz que se refere à I Cor. 15,54-58 e Gal. 31,19-29.

190 Primeira Epístola aos Corintios 15, 56 stimulus autem mortis peccatum est virtus vero peccati lex (ora, o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Tradução da Vulgata Latina Católica, in Tua Palavra. Bíblia on line, edição corrigida e revisada fiel, de João Ferreira de Almeida, baseada no Textux Receptus, 1994.

191 Primeira Epístola aos Coríntios 13, 13 nunc autem manet fides spes caritas tria hæc major autem his est caritas (Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor). Tradução da Vulgata Latina Católica, in Tua Palavra. Bíblia on line, edição corrigida e revisada fiel, de João Ferreira de Almeida, baseada no Textux Receptus, 1994.

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façam continuamente progressos na obra do Senhor).192 Exortação esclarecida por

Catarino Politi imóveis na fé e na caridade para que eviteis o convite da morte.193 Accomando Gandini diz que podemos considerar as alegorias da Vida Ativa e da Vida Contemplativa como sendo a exaltação a Moisés que na sua vida teve fé e caridade e nelas permaneceu immobile, mas ao mesmo tempo elas representam a concepção paulina da superação da Lei mosaica.

A observação de Sigmund Freud sobre as tábuas que aparentam cair das mãos de Moisés parece absolutamente aderente às palavras de São Paulo: a lei mosaica cai ante a fé e a caridade, que são as duas balizas sobre os quais tanto insiste São Paulo e que Michelangelo concretiza denominando-as: Vida Ativa e Vida Contemplativa. No comentário de 1544 à tradução das epístolas de São Paulo, ao exprimir os conceitos paulinos, Brucioli afirma claramente a posição protestante como o valor absoluto da fé e a consequente graça que é presente de Deus e que não provém de nossos méritos. Parece, por isso, claro que, ao solicitar a ajuda do Papa Paulo III junto ao Duque de Urbino para que intercedesse de forma que ele pudesse substituir os Escravos do Louvre pelas esculturas da Vida Ativa e da Vida Contemplativa, Michelangelo tinha bem presente as coações que podiam ser efetuadas sobre os textos paulinos, tanto da parte dos protestantes, quanto da dos católicos e escolhera ficar com esta última corrente, uma vez que as esculturas das alegorias valorizam de igual modo a fé e as obras.

Accomando Gandini faz referência a uma obra de Bartholomeo Camerario em que este explica o salmo CXVIII falando da vita ativa e da vida contemplativa como as duas vias para chegar a Deus. Durante a vida ativa o homem peca, mas, depois ressurge com a graça de Deus e, através da penitência, entra na vida contemplativa, merecendo-a pela coragem da luta. Ela cita essa obra como exemplo de reflexão da época que volta a

192 Primeira Epístola aos Coríntios 15,58 itaque fratres mei dilecti stabiles estote et inmobiles abundantes in opere Domini semper scientes quod labor vester non est inanis in Domino. (p0rtanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor). Tradução da Vulgata Latina Católica, in Tua Palavra. Bíblia on line, edição corrigida e revisada fiel, de João Ferreira de Almeida, baseada no Textux Receptus, 1994. Também em relação a esse trecho Accomando Gandini comete equívoco ao dizer que se refere a II Cor. 15, 24-25.

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percorrer em chave contrarreformista algumas afirmações neoplatônicas. Adicionalmente, ela diz que em livro publicado em Veneza em 1505, Roberto Caracciolo investigou a fé e detalhes da vida de Cristo e elenca as sibilas, atribuindo a elas as profecias sobre a vinda de Cristo e sobre a virgindade de Maria. O título da obra Spechio de la fede historiado não é explicado, mas parece uma referência precisa ao pensamento de São Paulo. Uma obra sobre o mesmo tema sob o título Lo spechio di Croce já fora publicada por Domenico Cavalca em 1494.

Para Accomando Gandini, essas obras demonstram que a metáfora do espelho de que fala São Paulo estava bem presente também em tempos precedentes aos quais ela se ocupa. Citando estudo de Hugedé de 1957, ela diz que através do exame do repertório arqueológico da era clássica e de textos da literatura helenística e romana, tem-se que o espelho era usado como objeto de divinização e como instrumento do conhecimento de si. A denominação de vida ativa e de vida contemplativa se torna o nexo ideológico demonstrativo de uma concepção unitária expressa por meio das estátuas e de sua colocação no sepulcro de Júlio II.

São Paulo escreveu: per ea quae facta sunt intelecta conspiciuntur sempiterna ideoque eius virtus et divinitas (desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, tais como o seu poder eterno e a sua divindade, podem ser contempladas através da inteligência, nas obras que Ele realizou)194 e o comentador explica que, se se olha atentamente as coisas que têm sido feitas, chega-se a um certo conhecimento de Deus e que as coisas invisíveis que Lhe dizem respeito são vistas na mesma criatura como em um espelho e de modo misterioso. Catarino Politi repete, pois, as palavras de São Paulo aos Coríntios: ex parte enim cognoscimus. Videmus per speculum in aenigmate, tunc autem facie ad faciem (Porque, em parte, conhecemos. Agora vemos por espelho de

194 Epístola aos Romanos 1,20 invisibilia enim ipsius a creatura mundi per ea quæ facta sunt intellecta conspiciuntur sempiterna quoque ejus virtus et divinitas ut sint inexcusabiles. (porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis). Tradução da Vulgata Latina Católica, in Tua Palavra. Bíblia on line, edição corrigida e revisada fiel, de João Ferreira de Almeida, baseada no Textux Receptus, 1994.

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maneira confusa, mas então será face a face).195 O comentador explica que o

conhecimento parcial de tudo aquilo que diz respeito a Deus se tem através da fé e, por isso, permanece imperfeito, a fé ajudada apenas pela profecia. Por isso, a Vida Ativa olha em um espelho que lhe fornece o conhecimento parcial de Deus com o apoio da fé - Vida Contemplativa - e da profecia – Profeta e Sibila – presentes no registro acima.

Moisés é o único que vê Deus face a face. No livro dos Números, Deus diz a Maria e a Araão, em resposta aos protestos destes por terem sido excluídos do colóquio com Deus: se entre vós houver um profeta do Senhor, far-me-ei conhecer a ele em visão, falarei a ele em sonho, mas não é assim com o meu servo Moisés que é o mais fiel (...) falo com ele face a face e não em enigmas: ele contempla a imagem do Senhor. É sobretudo por causa do supremo aperfeiçoamento da vida ativa e da contemplativa que Moisés teve o privilégio de olhar Deus face a face. Essa parece ser a posição de Michelangelo que valoriza a fé e as obras e as submete ao juízo de um passado heróico - Moisés e os Profetas – e a uma salvação final – a Virgem com o Menino – em cujo âmbito entra novamente o Papa que pode ressurgir de modo beatífico.

A figura com o espelho é passível ainda de outra interpretação, desta vez ligada ao comentário de Catarino Politi à epístola do apóstolo São Tiago: quia si quis auditor est verbi et non factor, hic comparabitur viro consideranti vultum nativitatis suae in speculo. Consideravit nam se et abiit et statim oblitus est qualis fueri (Quem ouve a Palavra sem praticá-la, assemelha-se ao homem que no espelho contempla a sua fisionomia. Após

contemplar-se vai embora e logo se esquece como era).196 A explicação diz: A palavra de

195 Primeira Epístola aos Coríntios 13, 9 e 12 ex parte enim cognoscimus et ex parte prophetamus; videmus nunc per speculum in enigmate tunc autem facie ad faciem nunc cognosco ex parte tunc autem cognoscam sicut et cognitus sum. (Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido).Tradução da Vulgata Latina Católica, in Tua Palavra. Bíblia on line, edição corrigida e revisada fiel, de João Ferreira de Almeida, baseada no Textux Receptus, 1994.

196 Epístola de São Tiago 1,23-24 quia si quis auditor est verbi et non factor hic conparabitur viro considerantiviro consideranti vultum nativitatis suæ in speculo; consideravit enim se et abiit et statim oblitus est qualis fuerit (Porque, se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural; porque se contempla a si mesmo, e vai-se, e logo se esquece de como era). Tradução da Vulgata Latina Católica, in Tua Palavra. Bíblia on line, edição corrigida e revisada fiel, de João Ferreira de Almeida, baseada no Textux Receptus, 1994.

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Deus se compara a um espelho que dá o retrato daquele que vê àquele que está

olhando.197 Segundo Catarino Politi, isso significa que a efígie do espectador é a Sagrada

Escritura e quem a lê deve observar a si próprio com base a quanto está escrito e em vista disso não se voltar à vaidade, mas corrigir-se. O comentador insiste sobre a essência de quem deve operar mirando o verbum Dei e assim pode explicar a coroa de flores na mão esquerda da estátua: como sendo o prêmio para aqueles que superam as dificuldades conectadas com a obediência à vontade divina, e o espelho que reflete o profeta, colocado acima, isto é, o verbum Dei.

Finalmente, para Gandini, as explicações que se podem fornecer do espelho são pois:

1) Agora vemos por espelho de maneira confusa, isto é, temos o conhecimento incompleto de Deus e da sua ação até a vinda final de Cristo.

2) O espelho como reflexo da palavra de Deus é sugerido pelo profeta que segura um volume das Escrituras.

Tem-se, como consequência, o espelho como reflexo sobre si mesmo e, pois, o distanciamento do pecado.

IV.4 – Maria Madalena e Santa Catarina como modelos de Vida Ativa e Vida

Contemplativa, de Maria Forcellino.

Em seu livro publicado em 2009, 198 ao partir das indicações de Thode, De Tolnay e

de Antonio Forcellino em relação à escultura Vida Ativa do sepulcro de Júlio II, Maria Forcellino procura dar um passo subsequente na interpretação do significado daquele monumento, defendendo que a elaboração das esculturas da Vida Ativa e da Vida Contemplativa deve ter sido inspirada, assim como teriam sido outras obras do artista nos

197 Verbum Dei comparatur speculo quod reddit effigem ipsi spectanti.

198 Maria Forcellino – Michelangelo, Vittoria Colonna e gli ”spirituali”, Roma, Viella,2009. Esse livro decorreu de sua tese de livre doutorado em Amsterdan sob o título: La corrente “spirituali” nei disegni, dipinti e sculture di Michelangelo negli anni Quaranta, de 2007.

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anos quarentas, pela influência dos “spirituali”. Ela ressalta o estudo de Pincus199

que, em 1969, chamou atenção para a estátua da Vida Ativa do mestre florentino, quando disse: Deveria ser notado que Michelangelo bem pode ter se valido de um atributo da Caridade em sua apresentação desse ambíguo objeto redondo, enredado como está pelo ondeante fluxo de cabelos de maneira que, à primeira vista, dá a impressão da tradicional tocha ardente ou o vaso da Caridade. Pode-se concordar com a interpretação recente que afirma que a Vida Ativa do sepulcro de Júlio II, com a sua tocha, aluda não apenas à Caridade vista como amor a Deus, mas também ao seu bem operar.

Como todos os papas precedentes, Júlio II também se apresenta em seu sepulcro acompanhado de esculturas que objetivam destacar o seu perfil moral ideal, e isso fica mais especificamente patente no primeiro registro do monumento. Contudo, o que Michelangelo teria ali representado não é o habitual conjunto de virtudes e artes liberais, tendo em vista que estas últimas, na forma dos dois escravos nus, foram substituídas por duas alegorias femininas que, em todos os documentos, Michelangelo se refere a elas como sendo representações da Vida Ativa e da Vida Contemplativa. Na finalização do sepulcro, as duas alegorias estariam mais conforme à sua visão artística e religiosa como fora se desenvolvendo naqueles anos de intensa frequentação ao lado dos “spirituali” e que ele parece ter querido introduzir naquele monumento.

Entretanto, para Maria Forcellino, essas duas estátuas não receberam até hoje a atenção adequada, pois, falta esclarecer de que forma Michelangelo quis caracterizá-las, mais propriamente no plano iconológico. Essas duas esculturas representam um problema iconológico ainda não resolvido nos estudos sobre o sepulcro de Júlio II devido, entre outros aspectos, à dificuldade com que a crítica se defrontou ao tentar decifrar o objeto que a escultura da Vida Ativa sustenta em sua mão direita. Ainda que a Vida Contemplativa também deva ser vista como uma escultura incomum, o recente restauro do sepulcro de Júlio II chamou a atenção sobre a escultura da Vida Ativa e tornou

199 Debra Dienstfrey Pincus – A Hand by Antonio Rizzo and the Double Caritas Scheme of the Tron Tomb, in “The Art Bullettin”, Vol. LI, Nº 3, Sep. 1969, pag. 254.

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possível, como nunca antes, uma análise aproximada daquele objeto e da própria escultura.

Ao se referir à escultura da Vida Ativa, Maria Forcellino afirma que, em sua mão direita, ela sustenta um objeto de identificação duvidosa e na esquerda uma coroa de louros, reconhecível pela morfologia de suas folhas. Com o rosto sério e recolhido em ato de absorta reflexão, ela apresenta uma cabeleira à antiga, cujos cabelos são divididos por uma profunda linha no centro, em duas partes, unidos horizontalmente por uma trança muito compacta e se reúnem em uma longa cauda que cai para a frente a partir do ombro direito. Essa cauda entra inesperadamente e de forma totalmente incomum no objeto para se tornar a sua empunhadura e sair até alcançar os lados, de onde se encaminha, para depois desaparecer totalmente, entre o braço direito e o colo da figura.

Os elementos mais controversos para a compreensão dessa estátua, segundo essa estudiosa, dizem respeito, sobretudo, à natureza insólita do atributo que ela mantém em sua mão direita. Trata-se de um objeto de forma redonda, não côncavo em seu interior e tampouco fechado por um tampo. Em sua parte externa voltada para o espectador, ele está decorado por uma máscara com forma demoníaca, com traços parecidos, sobretudo na definição das orelhas, a um morcego. A tradição crítica a partir de Condivi e de Vasari definiu esse objeto como sendo um espelho, mas, para ver como Michelangelo representa um espelho basta observar na cúpula da Capela Sistina, na luneta de Naason, em que foi pintada uma figura feminina muito claramente mirando-se em um objeto circular onde se reconhece apenas esboçada a imagem refletida de seu rosto(Fig.76).

A partir de Thode,200 aquele objeto também foi interpretado como sendo um

diadema. Não obstante tenha concordado com Thode, De Tolnay201 foi o primeiro a

chamar a atenção para a cópia em bronze da Vida Ativa de Gregorio Rossi, em que

200 Henry Thode – Michelangelo, Kritische Untersuchungen über Seine Werke, Berlin, G. Grote‟sche Verlagbuchhandlugen, 1908-13, pag. 222.

201 Charles de Tolnay - Michelangelo, The Tomb of Julius II, Princeton, Princeton University Press, 1970, pag. 72.

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aquele objeto se transforma em uma lâmpada.202 Segundo Maria Forcellino, a

incorporação à estátua da Vida Ativa do atributo da Caridade, uma lâmpada em sua mão por onde passam os cabelos, os pensamentos puros, e a coroa de louros, atribuem à escultura diversos significados. Para essa estudiosa, o que complica a questão e que não foi até hoje adequadamente considerado na análise da estátua é o fato do cabo daquele objeto ser composto pelos seus próprios cabelos. Essa construção desafia as mais elementares leis da verossimilhança e da representação da realidade, criando uma relação em si impossível entre o objeto e os cabelos, a ponto de Michelangelo conferir uma tal natureza a torná-la absolutamente crível.

Ao fazer a cópia em bronze dessa escultura, Gregorio Rossi teria se dado conta da dificuldade em reproduzir tal construção artificiosa, pondo a nu a relação inatural do objeto com os cabelos. Em sua estátua, os cabelos são mantidos contra a lâmpada na parte interna pela ação de alguns dedos e, não obstante, saem pela extremidade inferior do cabo. Em sua cópia, Rossi acrescentou uma nítida empunhadura à lâmpada, dotando-a de uma base verdadeira, mas manteve a saída da mecha de cabelos abaixo dela para reproduzir um efeito não diferente daquele criado por Michelangelo. Justamente a interpretação da estátua fornecida por Gregorio Rossi, oferece o motivo mais interessante