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Epidemiologia descritiva e analítica

No documento LESÕES NO BASQUETEBOL PORTUGUÊS (páginas 40-44)

CAPÍTULO II Revisão da literatura

3. Epidemiologia da lesão

3.1 Epidemiologia descritiva e analítica

A Epidemiologia é o estudo quantitativo da distribuição dos fenómenos de doença, lesão e outros estados de saúde, e dos factores que os condicionam, nas populações humanas, com o objectivo de identificar e implementar medidas de prevenção que possam evitar o seu aparecimento e/ou desenvolvimento (Caine e col., 1996; van Mechelen, 1992a).

O interesse no conhecimento das lesões ocorridas no decurso de actividades de trabalho ou lazer está directamente relacionado com a necessidade de compreensão dos factores que, ao serem alterados, possam fazer diminuir a incidência dessas mesmas lesões. Para Caine e colaboradores (1996) o epidemiologista em desporto está particularmente interessado em quantificar a ocorrência de lesões, ou seja quantas lesões ocorrem, quem é por estas afectado, onde e como ocorrem as lesões desportivas e quais as suas consequências. As respostas a estas questões permitem explicar a razão e a forma como ocorrem as lesões o que possibilita o desenvolvimento de estratégias de controlo e prevenção das mesmas. As abordagens desta questão são relativamente recentes e fundamentalmente ligadas aos estudos de acidentes ocorridos em situações específicas, que influenciam a mortalidade e morbilidade de uma população (Gruhn e col., 1999; Wallace, 1988). As primeiras referências da literatura neste domínio segundo Wallace (1988) reportam-se aos acidentes ocorridos no trabalho, durante o apogeu da revolução industrial. Posteriormente, o interesse nestas questões voltou-se para os acidentes de viação e só mais tarde, por volta de 1930, foram englobados os “acidentes” provocados por actividades domésticas e recreativas, devido ao impacto que estes têm actualmente, no nosso sistema social e económico. De facto, com o acréscimo do número de praticantes de desporto e incitação à prática desportiva, como forma de prevenir a doença, que se tem verificado nas últimas décadas, tem-se assistido a um aumento exponencial do número de acidentes com origem em actividades desportivas, sendo actualmente visto como um verdadeiro problema de saúde pública (Meeuwisse e Love, 1998a; van Mechelen, 1992b). Para a população geral, nos países da Escandinávia as lesões desportivas representam um sexto da totalidade das lesões observadas em meio clínico e este número aumenta para um terço da totalidade das lesões quando se trata de crianças (Engebretsen e Bahr, 2005a). É com base na importância progressiva que esta questão tem ocupado que, na Europa se tem vindo a desenvolver desde há alguns anos um estudo sistemático sobre a ocorrência de lesões através do Sistema Europeu de Vigilância de Acidentes Domésticos e de Lazer designado por EHLASS (European Home and Leisure Accidents Surveillance System). Este estudo corresponde ao reconhecimento da representatividade na sinistralidade geral quer pela sua expressão numérica, quer pela diversidade e gravidade de que estes acidentes por vezes se revestem e, também, pelas implicações que têm na vida das pessoas e no funcionamento das instituições (Honório e Martins, 1999).

A aplicação de técnicas epidemiológicas às questões que envolvem as lesões desportivas só se iniciou por volta de 1960 (Caine e col., 1996). Desde então, têm sido efectuados vários estudos no sentido de perceber taxas e incidência de lesão, tipos e padrões de ocorrência, mecanismo e consequências, com o intuito de explicar as influências específicas das lesões.

A análise epidemiológica, verdadeiro diagnóstico da situação, torna-se assim fundamental para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e controlo das lesões. A identificação de influências específicas, como factores de risco de lesão, devidamente fundamentadas, levará à tomada de medidas preventivas que se repercutirão na saúde do atleta e na sua longevidade competitiva (Phillips, 2000). A necessidade de realizar acções que pudessem evitar ou minimizar as consequências de uma determinada lesão, esteve na origem, e foi o principal motor, do desenvolvimento de estudos epidemiológicos. O interesse desta questão radica justamente na necessidade de diminuir a ocorrência de lesão, pela minimização dos riscos que a ela conduzem através da implementação de estratégias preventivas.

Para alguns autores (Caine e col., 1996) aquilo que sabemos sobre lesões desportivas são apenas os factos dispersos que dificilmente levam a respostas integradas acerca deste tipo de lesões, até porque têm sido usados diferentes desenhos nos estudos efectuados. De facto, verifica-se uma proliferação de estudos com diferentes critérios que tornam a comparação de dados frequentemente impossível e mesmo cientificamente desaconselhável, pois incorreria em erros metodológicos crassos, não trazendo portanto respostas eficazes. Torna-se fundamental poder responder a questões como qual é o tipo de lesão mais comum num determinado desporto e dentro dos diferentes escalões etários ou sexo, o tempo de paragem provocado pelas lesões e quais os riscos de alterações permanentes no indivíduo, causadas pela lesão. De igual forma, deveríamos poder quantificar a propensão dos atletas para sofrer lesões e conhecer as formas de predição e prevenção dessas mesmas lesões.

Os programas de prevenção têm por base os resultados das investigações epidemiológicas, que assumem um papel fundamental na implementação de programas visando a prevenção de doenças e lesões. No modelo desenvolvido por Van Menchelen e col. (1992) os programas de prevenção de lesões em desporto compreendem quatro fases: 1) Identificação e descrição da extensão das lesões desportivas e suas consequências; 2) Identificação e descrição dos mecanismos de lesão; 3) Introdução de medidas que possam reduzir o risco futuro ou a severidade das lesões desportivas; 4) Reavaliação epidemiológica dos efeitos das medidas implementadas (van Mechelen e col., 1992a). A implementação de medidas referida deverá basear-se no trabalho previamente realizado de identificação de mecanismos e etiologias de lesão.

As primeiras investigações, apenas avaliavam o número e tipo de lesões ocorridas. Rapidamente se percebeu que estes dados eram insuficientes e tornou-se claro ser necessário

perceber o risco de lesões em relação ao tempo e ao tipo de exposição dos atletas. Para (Meeuwisse e Love, 1998a) encontramo-nos actualmente numa fase de transição relativamente ao desenho dos estudos epidemiológicos e, mais do que avaliar apenas um tipo de lesão específica, uma localização anatómica ou uma experiência clínica, procura dar-se ênfase às taxas de incidência verificadas, à amplitude da experiência da lesão, à sua etiologia e aos factores de risco.

Por outro lado, a necessidade de fornecer ao praticante as condições inerentes a uma longevidade desportiva com o mínimo de consequências negativas na sua vida futura, torna a dimensão das lesões desportivas uma preocupação fundamental de atletas, treinadores, dirigentes e profissionais de saúde.

É de salientar que a contribuição da epidemiologia neste âmbito tem-se revelado profícua já que, através das análises epidemiológicas efectuadas sobre os mecanismos de ocorrência de lesões, tem permitido a introdução de medidas preventivas de lesão, como são, a título de exemplo, as alterações que as regras das diversas modalidades têm sofrido nos últimos anos. Um exemplo mais recente, é o facto da alteração dos relvados dos campos de futebol na Noruega, ter levado a entorse do tornozelo a passar para segundo lugar da lista das lesões mais frequentes na modalidade em questão (Engebretsen e Bahr, 2005b).

Para (Robertson, 1992) ambas as áreas da epidemiologia, tanto a epidemiologia descritiva que analisa a frequência com que as lesões ocorrem, como a epidemiologia analítica que procura conhecer com maior especificidade as causas de lesão, são necessárias no desenvolvimento de programas de controlo de lesões que pressupõem um bom conhecimento tanto da frequência com que determinadas lesões ocorrem, como dos factores de risco que estão por trás da sua ocorrência.

Como anteriormente se disse, também a análise da severidade das lesões ocorridas toma grande importância, tanto mais que a escolha do local de recolha de lesões poderá influenciar os dados obtidos. Felizmente, a grande maioria de lesões são de pequena gravidade sendo por isso tratadas em casa (van Mechelen, 1992b; Van Galen e Diederiks, 1990). Este facto apresenta-se algumas vezes como uma limitação ao controlo de lesões já que, frequentemente nestes casos, essas não são na realidade, consideradas como tal.

Lesões mais graves, apesar de ocorrerem em menor número, carecem de acompanhamento por parte de um profissional de saúde. A hospitalização por via da ocorrência de lesões desportivas é mais rara e ainda menos frequentes as lesões resultantes em deficiências graves ou mesmo na morte do atleta, apesar de nos últimos tempos estar a ser dada bastante ênfase a este tipo de lesões por parte da comunicação social. Este facto parece, de alguma maneira, distorcer a realidade, atribuindo a estas lesões uma frequência que não corresponde àquela realmente existente.

Figura 1 – Distribuição da severidade das lesões desportivas

A monitorização de lesões desportivas implica a decisão sobre o local onde se efectuará a recolha pois, este estará na origem do tipo de lesões identificadas (fig. 1). Assim, a procura de lesões muito graves, poderá ser efectuada com recurso às instituições de prestação de cuidados ou financiadoras desses cuidados, enquanto que as de menor gravidade serão directamente pesquisadas junto aos atletas. Esta estratégia de identificação de lesões inquirindo directamente os lesados, apresenta-se como sendo a melhor forma de obter informação acerca das lesões desportivas pois apesar de algumas limitações, a informação obtida é abrangente, podendo englobar os diversos tipos de lesão. Permite-nos ainda conhecer as lesões tratadas pelos próprios ou aquelas que não tiveram recurso a profissionais de saúde, que de outro modo não poderiam ser contabilizadas. Desta forma podemos conhecer a totalidade da população exposta ao risco, lesionada e não lesionada, o que se torna crucial para a identificação de situações de risco e respectiva importância, pois é assim, possível saber de que forma os factores causadores de lesão diferem na população não lesionada. Este aspecto é revelador da importância dos estudos epidemiológicos analíticos.

A escolha da metodologia adequada ao controlo de lesões deve ser cuidada, tendo atenção de que nem sempre a utilização de uma metodologia que se mostrou eficaz numa determinada área o será na outra, podendo mesmo conduzir os erros de medida e de controlo de lesões.

De forma esquemática apresenta-se um quadro resumo dos tipos de epidemiologia desportiva adaptado de Caine e col. (1996) e respectiva contribuição para a análise de lesões.

Quadro 1 – Epidemiologia descritiva e analítica. Adaptado de Caine e colaboradores (1996). Definição de lesão Quantas lesões? Ocorrência Frequência Taxa de prevalência Taxa de Incidência Biológicos Idade Peso Altura Sexo Nível de participação Iniciados Cadetes Juniores Seniores Tempo de prática da modalidade desportiva Anos/ épocas Quem?

(factores pessoais)

Função Posição em campo

Inicio da lesão Súbito

Gradual

Cronometria Tempo de treino/jogo

Momento da época Quando? (factores temporais) Actividade Salto Recepção ao solo Corte Roubo de bola Mudança de direcção Passe Descritiva

Consequências Gravidade da lesão

Tipo de lesão Tempo de paragem Sintomas residuais Custo

Factores de risco intrínsecos

Físicos Motores ou funcionais Psico-sociais Porquê

Factores de risco extrínsecos

Exposição ao risco Metodologias e condições de treino Envolvimento Equipamento Factores desencadeantes de lesão

Analítica

Como?

Mecanismo da lesão

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