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CAPÍTULO 2 – BRECHT EM MUNIQUE: GERMINA UM NOVO TEATRO

2.2 Era Brecht um expressionista?

O movimentado Café Romanische, na década de 1920, era freqüentado por pintores, donos de galerias, escritores, atores, músicos, dançarinos, coreógrafos, psiquiatras, dramaturgos, enfim, por toda espécie de gente que discutia com fervor, entre a fumaça dos charutos, o tilintar dos copos e as atrações da noite, sobre o futuro da arte, do homem e do país.

Uma ansiedade pairava no ar, pois os artistas pretendiam romper com o naturalismo, reflexo de uma Alemanha que já não mais desejavam. Novos movimentos e “ismos” surgiam rapidamente, como se houvesse certa urgência em eleger um caminho: o futurismo, o dadaísmo, o construtivismo, o surrealismo e o expressionismo. Exaltando a subjetividade e a abstração, alguns desses movimentos, às vezes, se entrelaçavam, embora tivessem naturezas diferentes.

O expressionismo teve grande relevância, pois buscava, com ênfase, a vida interna e os mistérios de cada homem. Frank Wedekind e Carl Sternheim foram aclamados precursores desse movimento. Para os adeptos do movimento, o autor nasce da contradição ao extravasar seu drama íntimo em relação à sociedade, libertando sua personalidade e decompondo sua existência, proclamando novos ideais de independência social e humana. A realidade é analisada a partir do desespero pessoal de cada um, “uma nova capacidade de experiência que restabelece a relação entre o mundo terreno e o mundo sobrenatural que confere novamente à existência humana a grandiosidade de sua tarefa misteriosamente fatal.” (CHIARINI, 1967, p. 8).

Alguns críticos afirmam que a arte de Brecht tem suas bases fundamentadas em conceitos expressionistas, tanto pela influência do movimento com o qual convivia nas tavernas de Munique, quanto pelo estilo literário desenvolvido nos seus primeiros textos, principalmente em Tambores na noite e Baal.

Bernard Dort (1977) é um dos que crêem que as obras de Brecht detêm muitos traços tanto do naturalismo quanto do expressionismo: Tambores na noite seria de um naturalismo extremado, “uma recusa do mundo”, enquanto Baal, mais ao estilo lírico, seria derivado de influências expressionistas. Segundo a descrição de Dort, nessa primeira fase teríamos momentos brilhantes do jovem Brecht, ainda que se mostrasse indeciso quanto ao caminho que iria percorrer. Caminho esse definido a partir da realização de Eduardo II, que o

distanciou do estilo de Piscator, sedento em mostrar a totalidade da história e sua justificativa. Brecht expõe apenas a relação entre o homem e a história e, dessa forma,

não representa apenas o mundo, um mundo sem fissuras, como faziam os naturalistas, nem a ausência de um mundo assim à moda expressionista: ele nos mostra seres situados em um lugar e em um momento particular... Uma peça de teatro é composta de fragmentos da realidade, de situações brutas reveladas a partir de gestos, de objetos simples (DORT, 1977, p. 287).

Dort reitera que, após vivenciar diversas experiências, Brecht afasta-se dessas correntes, sendo anti-naturalista, ao recusar a dissolução do homem no mundo, e anti- expressionista, ao rejeitar a ruptura com o mundo. Assim, sua obra baseia-se na necessidade de transformar a sociedade, e para transformá-la é preciso conhecê-la (DORT, 1977, p. 293).

Pasta Júnior, comentando a influência dos vários movimentos artísticos na obra de Brecht, afirma:

[...], com efeito, nenhuma concepção estreita de “escola” ou grupo irá determinar o traçado de seus projetos, que passam a desenhar-se com amplitude e liberdade de trajetória tais que definitivamente o diferenciam e afastam dos únicos movimentos artísticos de que, em seus inícios, já estivera algo mais próximo, porém sem jamais identificar-se com eles, como por exemplo, o Expressionismo alemão na época de Baal e Tambores na noite (PASTA JUNIOR, 1986, p. 77).

Assim, concordamos com a afirmação de Paolo Chiarini (1967), de que não há dúvidas quanto ao aproveitamento da técnica dramática expressionista, apenas como instrumento, como um recurso de estilo (exemplo latente dessa aplicação é o uso da estrutura do conto “por estações”, ou os temas canônicos, como o regresso do soldado morto). Mas essas influências se limitam a algumas aplicações, porque as diferenças entre a obra de Brecht e o expressionismo sobressaem quando analisadas com maior acuidade.

A obra de Brecht não deve ser enquadrada como expressionista porque não tem a dimensão de forças sobre humanas, forças transcendentais que governam a vida dos homens, e, sim, o seu universo é sem Deus, sua condição de homem depende apenas dele mesmo, que é caracterizado em toda sua física e carnal consistência. Ou seja, Brecht e sua obra estão vinculadas aos conceitos de crítica, de atitudes construtivas, pedagógicas e sociais.

Segundo Chiarini, os expressionistas negavam justamente a organização capitalista do mundo moderno, escondendo-se por trás de um mundo metafísico, tentando abolir a realidade

externa, dela fugindo, portanto:

[...] enquanto os expressionistas “criticavam” a organização burguesa da sociedade, dela se alheando e contrapondo-lhe o seu ideal e convulsionado mundo de liberdade e humanismo, com tintas mais ou menos místicas e religiosas, Brecht, com bagagem bem diferente de historicismo, “criticava-a” aprofundando-lhe o conhecimento penetrando-lhe as mais graves contradições: “criticava-a” do “lado de dentro” a ponto de, talvez, podermos considerar Brecht o último grande “libelista da burguesia”. Ao manifesto e às condenações dos expressionistas, ele contrapunha a análise histórica, sociológica, econômica. A arte tornava-se ciência (CHIARINI, 1967, p. 17).

Os expressionistas ficaram na esfera do subjetivismo exasperado, de uma atitude apenas de denúncia e condenação, incapazes de transformar algo dessa realidade negativa.

Para Chiarini, os termos irônico, comédia, balada e paródia são os pontos fundamentais do segredo literário de Brecht que o distinguem de seus contemporâneos expressionistas, os quais proclamavam um novo homem, exaltando seu heroísmo e romantismo, um ser muito distante do apresentado por Brecht. Ao inserir seus personagens em ambientes populares, típicos do povo bávaro, ele os liga ao jocoso, ao blasfemo, estando definitivamente distantes do mítico almejado pelos expressionistas:

(...) o primeiro elemento de dissensão entre Brecht e a poesia expressionista: a recusa do humanismo retórico [...] Em última análise, Baal representa o reverso da medalha de tanta literatura expressionista, a sua crítica: a explosão do instinto, que num Bronnen ou num Hasenclever não é mais dominada porque considerada legítima reação ao peso sufocante de um ambiente em escala familiar ou mais amplamente social que oprime e comprime o livre desenvolvimento do indivíduo, aqui não se silencia ou se relaciona as mais amplas e distantes justificações, mas é, antes, acolhida e plasmada na sua voluntária associabilidade (CHIARINI, 1967, p.64).

Chiarini também defende a idéia de que o texto Baal assume a significação de símbolo de uma condição humana particular: a condição de isolamento em que há uma sociedade capitalista e burguesa na qual não se enquadra, ou seja, uma evidente referência aos intelectuais e amigos expressionistas. O crítico salienta, nas entrelinhas do texto, o caminho para o intelectual salvar-se dessa opressão, desse mundo caótico, desse domínio de regras ditadas pela organização social: tratar-se-ia de um distanciar-se, para assim enxergar a medida humana real.

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