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A escassez na abundância: as contradições da realidade de um povo empobrecido num território potencialmente rico

Aos ricos, abundância. Aos pobres, escassez.

O Maranhão é o segundo maior estado do Nordeste em área geográfica (331 935,507 km²) e o décimo mais populoso do Brasil, de um total de 27, incluindo o Distrito Federal, com 6.772.000 habitantes, o que corresponde a 3,7% da população brasileira. Tem percentualmente a maior população rural do Brasil, com 36,93% de seu total de habitantes vivendo no campo, sendo 91,9% dessas pessoas nascidas nesse estado. Boa parte da sua área rural, sobretudo mais ao norte é constituída por comunidades quilombolas onde vivem homens e mulheres trabalhadores descendentes de africanos, que foram trazidos para o Brasil no período da escravidão. A distribuição populacional no estado indica que somente a partir de 1996 foi se alterando a relação entre a população rural e urbana, pois até 1991, 60% dos maranhenses encontravam-se na zona rural.

Tabela 01 – Dados da População do Maranhão – Censo 2010

ITENS DADOS População 6.569.683 População masculina 3.258.860 49,6 População feminina 3.320.823 50,6 População urbana 4.143.728 63,07 População rural 2.425.953 36,93 Fonte: IBGE, 2011

Do ponto de vista econômico, o IBGE, a partir de dados trabalhados do Censo de 2010, identificou no Brasil 8,5% da sua população, ou seja, 16.267.197 pessoas vivendo com renda per capta mensal de até R$ 70,008. Desse total, 59,1% (9,61milhões) viviam no Nordeste e 56,4% na área rural, com renda delimitada na linha de pobreza. O conceito de

8 Esse é o valor definido pelo governo brasileiro que serve como referência do programa Brasil sem Miséria, para Bolsa Família. (2012).

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pobreza adotado pelo IBGE é referenciado nos documentos que apresentam as definições dos organismos multilaterais que compreendem como linha de pobreza, em países como o Brasil, aquela que situa famílias numa renda diária por pessoa igual ou inferior a 1 dólar. Nas economias do denominado primeiro mundo, o valor para definição da linha de pobreza é de 2 dólares (ONU, 1988).

Dos estados da federação brasileira, o Maranhão é o que detém o maior percentual de pessoas nessa situação, ou seja, mais de 26,3%% da população do estado tem uma renda de até R$ 70,00 por mês o que equivale à realidade da África do Sul. Logo à frente do Maranhão estão os estados do Piauí (21,6%) e Alagoas (20,5%). Em número absoluto, o primeiro lugar é ocupado pela Bahia, com 2,4 milhões de pessoas (17,7%) de toda a sua população na linha da pobreza.

Esses dados da “pobreza maranhense” não condizem com as condições naturais e de sua potencialidade, mas resultam dos cenários políticos e de modelos econômicos que perduram por mais de quatro séculos sem grandes mudanças de comando e de diretrizes, isto porque, do ponto de vista de sua localização e geografia é possível destacar mais potencialidades do que desafios ao seu desenvolvimento.

Esse estado possui atrativos turísticos de grande repercussão, como a Baía de São Marcos, onde está situada a Ilha do Maranhão e a capital São Luis; a Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses, com a maior concentração de mangues do Brasil; o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses; 75% da área do Delta do Parnaíba; o Parque Estadual do Parcel de Manoel Luís, que tem o maior banco de corais da América Latina; a Reserva Biológica do Gurupi; o Parque Nacional da Chapada das Mesas; a Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense; e o Parque Estadual do Mirador. Concentra ainda a diversidade de biomas existentes no Brasil, ricas bacias hidrográficas e não tem sido fortemente afetado pelos graves problemas causados pela seca, como ocorre em outros estados que compõem o semiárido nordestino.

Está inserido em três regiões hidrográficas, entre as 12 existentes no país: Tocantins-Araguaia, Parnaíba e Atlântico Nordeste Oriental, com armazenamento de águas subterrâneas. Cerca de 90% da região hidrográfica do Atlântico Nordeste Ocidental pertence ao estado, com área de 274.301km², vazão média de 2.683 m³/s e vazão de estiagem de 328m³/s. (IBAMA, http://www.ibama.gov.br/supes-ma/recursos-hidricos)

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Figura 01 – Mapa das Bacias Hidrográficas Brasileiras

Fonte: IBGE, 2010

Figura 02 – Bacias hidrográficas do Nordeste

Fonte: IBGE, 2010

Geográfica e culturalmente tem características do norte, nordeste e centro oeste do Brasil, localizando-se na parte mais ao norte do nordeste, numa área estratégica para exportação e importação de matéria prima e manufaturas. Tem o segundo maior litoral do país onde se localiza a sua segunda área marítima mais profunda. O Porto do Itaqui, em São Luis, tem canal de acesso para atracação de navios com profundidade natural mínima de aproximadamente 27 metros e largura de até 1,8Km.

49 Fonte: https://www.google.com.br/

Esse complexo portuário integra três terminais: Itaqui, Ponta da Madeira e Alumar, sendo responsável por mais de 50% da movimentação de cargas via marítima das regiões Nordeste e Norte, com exportações de alumínio, ferro, soja e manganês, que em média tem transações em torno de US$ 2,8 bilhões, nos seguintes percentuais: ferro fundido: 29%, alumínio e suas ligas: 23%, minério de ferro: 23%, Soja: 15%, alumina calcinada: 6%, outros: 4%. Nas suas operações de importação movimenta em torno de US$ 4,1 bilhões, com produtos como óleo diesel: 71%, querosene de aviação: 11%, adubos e fertilizantes: 6%, produtos das indústrias químicas: 3%, locomotivas e suas partes: 2%, outros: 7%. (Francisco, 2011)

Figura 04 – Navio atracado no Porto do Itaqui

Fonte: https://www.google.com.br/

A Baixada Maranhense, localizada a noroeste do estado, uma das mais antigas dessa unidade federativa é a sua região que apresenta os mais baixos indicadores de desenvolvimento humano (IDH). Começou a ser colonizada ainda no século XVII, em 1621, nove anos após a fundação de São Luís, em 1612, com a Capitania Secundária Cumã, que deu origem a cidades como São Bento9, onde parte desta pesquisa foi realizada.

9 Alcântara foi criada em 1640, a cidade de Viana, em 1757, Guimarães, 1758. Vitória do Mearim, apesar de oficialmente ter sido criada em 1833, contava, desde o século XVII, com a presença de colonizadores que habitavam no que hoje constitui sua demarcação territorial.

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Figura 05 – Localização da Baixada Maranhense

Fonte: Wikipedia

É caracterizada por uma complexa interface de ecossistemas, desde os campos aluviais, manguezais, floresta de várzea, densas florestas de galeria até extensas áreas de babaçuais, nas quais abriga rica flora e fauna terrestre e aquática, com um representativo número de espécies raras e muitas aves litorâneas e migratórias continentais. Constituí-se por terras planas, que apesar de sua riqueza por possuir o maior conjunto de bacias lacustres do nordeste brasileiro, apresenta baixa fertilidade natural, o que a torna vulnerável e desafiadora pela sua complexidade ecológica, que está associada à dinâmica dos períodos em que chove e que não chove, o que caracteriza a Baixada como uma área de forte sazonalidade. (Maranhão, 1991)

Historicamente o descaso com o seu desenvolvimento foi preponderante criando as condições para produção e reprodução das desigualdades que alicerçaram o fosso que separa a minoria detentora do conhecimento e do poder político, econômico e jurídico, da maioria que não teve garantida oportunidades de desenvolvimento e que foi marginalizada do ponto de vista da fruição de bens materiais e culturais e de alternativas de desenvolvimento pessoal e econômico, apesar dessa maioria usufruir da riqueza de suas práticas tradicionais que lhe possibilita a subsistência nas suas dimensões material e simbólica,.

51 Figura 06 – Mapa da Baixada Maranhense

Fonte: http://www.edificaz.com.br/

Embora a história seja dinâmica e muitos cenários em suas diferentes dimensões tenham se modificado ao longo dos tempos, a Baixada Maranhense do século XXI reproduz nos dias atuais o paradigma colonial presente desde os primórdios de sua história, inclusive sob a regência do Império e mesmo da República, não possibilitando ao seu povo desenvolver-se, desenvolvendo-a.

A economia da Baixada Maranhense, seguindo a vivida por todo o resto da América Portuguesa desde sua história colonial, e continuada por todo o período imperial, caracterizou-se pela cisão das atividades agrícolas. De um lado, a monocultura, grande lavoura com objetivo exportador, determinante de todo um contexto político-social. Do outro, a pequena lavoura, diversificada, determinada e condicionada aos interesses dos grandes latifundiários.

Tanto a agricultura de exportação quanto a de subsistência se caracterizaram por ínfimo nível tecnológico. Mesmo na fase de maior crescimento em que o Maranhão figurou como grande exportador não foram usadas mais que as técnicas rudimentares conhecidas nos primórdios de sua colonização. Uma ou outra melhoria não significou um desenvolvimento agrícola qualitativo (Lacroix, 1982, p.26).

Ao se pesquisar os dados mais recentes interligados com esses mais antigos é possível confirmar de forma contundente essa história que é ao mesmo tempo remota e atual. Iniciada com massacre e escravidão de índios, continuada com as ações dos bandeirantes e religiosos, principalmente os jesuítas, e mantida com as lutas pela terra que provocam mortes nos conflitos ainda existentes. O país gradualmente institucionalizou e naturalizou a morte e o abandono de índios, negros e trabalhadores rurais pobres de todas as cores. Parte dessas

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atitudes e do atraso vigente se deve às práticas colonialistas e oligárquicas que se estendem secularmente.

E é no Maranhão, que persiste a mais longa oligarquia familiar do país, com aproximadamente meio século de poder político e cujo principal representante, o Ex- Presidente do Brasil José Sarney, é natural da própria Baixada Maranhense, da cidade de Pinheiro10, sobre a qual o referido político refere-se explicando a sua fundação e a forma como se deram as lutas iniciais por lá existentes:

Data da metade do Século XVII. Sua primeira ocupação é a dos padres que na Baixada possuíam fazendas, principalmente os jesuítas, que construíam “oratórios” nos primeiros aglomerados da gente que trabalhava com gado, lugares que depois seriam povoações, vilas e cidades. De Alcântara eles partiram boiadeiros e aventureiros, chegando, primeiro, aos campos de São Bento. Em Pinheiro, quando ali montou casa e curral Inácio José Pinheiro, já encontraram os índios gamelas, e com eles disputaram a propriedade da terra. (Sarney, in: Viveiros, 2007)

Nesta breve citação, Sarney revela, em obra de Viveiros, mesmo que não intencionalmente para explicitá-lo criticamente, o modelo de desenvolvimento agrário existente no Maranhão, desde a origem da ocupação da região pelos colonizadores, modelo esse, que enquanto governador (1966-1971) foi um dos que contribuiu para sua manutenção. De fato, em 1612 a população indígena do Maranhão era estimada em cerca de 250 mil. Sobrevivem na atualidade em torno de 12 mil, agrupados em nove povos, divididos em dois troncos linguísticos: o Tupi-Guarani do qual fazem parte os Guajajara, També, Urubu- Kaapor e Guajá; e o Timbira, constituído pelos Kanela, Krikati e Gavião.

Figura 07 – Mapa da localização dos índios no Brasil e fronteiras

Fonte: IBGE, 2010

Segundo o Censo realizado no país em 2010, 896 mil pessoas se declararam

10 Há historiadores que registram a naturalidade de José Sarney da cidade de São Bento. Ele se diz natural de Pinheiro.

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indígenas. No Censo de 2000 foram mapeados apenas 294 mil indígenas. Há de se perguntar por que as populações indígenas e negras no país aumentaram no último censo. Os dados atuais se baseiam na concepção adotada nas pesquisas do IBGE, de que é considerada população indígena todos que se autodeclaram como tal, da mesma forma como ocorre com outras raças e etnias. Para que os descendentes indígenas se autodeclarassem como índios, diferente do que ocorreu em outros sensos, a hipótese mais confirmada é a de que isso foi possível mediante, primeiro, a garantia mais contundente de direitos aos índios na constituição de 1988, que ocasionou alguns avanços nas últimas duas décadas e, segundo, a implantação de políticas sociais compensatórias, na primeira década do século XXI. Dessa forma, é possível compreender como diante de tantos conflitos ainda existentes, o número dos indígenas no Brasil quase que triplicou.

Tabela 02 – Dados da População Indígena no Brasil

A sobrevivência dos índios, contudo, não tem sido fácil no Brasil e no Maranhão cinco séculos depois da chegada dos europeus, numa realidade em que houve e ainda há diversas tentativas das forças hegemônicas e religiosas tornarem-lhes submetidos ao seu comando e ou mesmo exterminá-los. Ainda no século XVII, os jesuítas almejaram colonizar o Maranhão com o trabalho escravo dos índios, o que fez com que houvesse deslocamento de povos indígenas por diversas áreas, como por exemplo, Guajajara, ao longo dos rios Pindaré e Mearim; Tabajara, no Mearim; e Tupinambá, no litoral. (Costa, 1982).

O município de Viana teve sua origem em meados do século XVII, na aldeia Guajajara de Maracu, quando o jesuíta Padre Pedrosa enviou índios Guajajaras da aldeia do Itaqui para o local onde fixou a aldeia de Maracu, começando a ser povoada pelos missionários da Companhia de Jesus na maioria portugueses, ainda no ano de 1709. (Ribeiro & Correa, 2005)

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Nessa região é possível encontrar facilmente os descendentes de povos indígenas que ali viveram nos anos remotos dessa história até dias não muito distantes. Eles fazem parte da composição de uma rica miscigenação existente nas cidades que a compõem. Entretanto, os quase doze mil índios sobreviventes não estão na parte da Baixada pesquisada, mas ocupam outras regiões do estado.

Das quinze áreas indígenas do Maranhão, seis estão incluídas hoje no chamado “corredor Carajás”, uma extensão de terras que se estendem por uma faixa de 10 milhões e 500 mil hectares ao longo da ferrovia Carajás, de Marabá até São Luís. (Pedrosa, 2000)

Um pedaço da Baixada viu chegar e se instalar essa ferrovia, construída no período de 1982 a 1985 e inaugurada pelo Governo Figueiredo. É por esses trilhos que a empresa Vale transporta minérios extraídos no Pará, para exportação pelo Porto do Itaqui. Grandes projetos como esse, contudo, nunca chegam para beneficiar populações que permanecem (vivem) nos lugares onde se instalam. Quem implanta os megaempreendimentos, quer sejam de iniciativa privada ou pública, não tem a intenção de sentir e proteger o tecido humano nativo, usualmente invadido e permanentemente violentado.

É dessa forma que as condições de precariedade e pobreza entre as pessoas que nasceram e vivem nas áreas mais rurais foram se agravando ao longo dos séculos, mesmo com alguns investimentos realizados. No Maranhão,

o extermínio dos índios não é velado, pois eles perambulam pelos centros urbanos vizinhos aos seus territórios, exibindo a miséria e o flagelo do alcoolismo, da prostituição e das doenças que hoje se abate sobre os verdadeiros donos das terras brasileiras. Somente os Tenetehara, os Canela, os Krikati e os Gavião sobreviveram à colonização no Estado (Feitosa, 2001).

O resgate desses antecedentes históricos pode parecer supérfluo para um tema que urge ser do presente para tentar modificar o presente e o futuro; entretanto, é importante a compreensão da construção histórica da apropriação da terra no Maranhão, ao mesmo tempo em que é necessário compreender as razões de, em pleno século XXI, a terra continuar sendo tema de conflito e a falta da titulação da mesma ser razão para o não desenvolvimento de milhares de trabalhadores que nela vivem como suas, sem dela usufruírem adequadamente por não estarem legalizadas. São terras com posse legítima, mas não legalizadas. Para Thompson

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como direitos consuetudinários associados ao sistema de agricultura praticado nas comunidades primitivas das vilas. (1998, p.106).

No caso do Brasil, o sistema das capitanias hereditárias consagrou um modo “legal” de apropriação privada de terras comunais. Os primeiros habitantes das terras brasileiras foram os indígenas; entretanto, aos olhos dos colonizadores, eles deixaram de ser donos e passaram a ser incluídos como parte de suas posses, sendo por isso, em incontáveis casos, escravizados para realizarem os trabalhos necessários para o cultivo da terra e para a extração de recursos naturais.

Essa expropriação das riquezas no estado e na Baixada Maranhense ocorrida desde a vinda dos franceses em 1612 e dos portugueses dois anos depois está amplamente registrada e não será aqui aprofundada, pois a intenção é justamente resgatar a lógica que permeia o modelo de desenvolvimento do Maranhão e não contar essa longa história.

Nessa breve retomada, alguns fatos pontuais são resgatados para fundamentar argumentações da segunda parte deste texto. Por exemplo, há quase cinco séculos foi grande o desmatamento das florestas para extração do pau-brasil exportado intensamente para a Europa. Na sequência, com as grandes plantações de cana e algodão ocorreu o mesmo, assim como ocorreria com os frutos da mata secundária que se desenvolveu após a expropriação da riqueza das florestas nativas: o babaçu. Exportaram (como ainda exportam) matéria prima e importam produtos manufaturados.

O valor da Baixada Maranhense, como o de qualquer outra comunidade colonial, consistiu em ser (...) em meados do século XVIII, tanto exportadora de matéria-prima, quanto também consumidora dos produtos manufaturados ingleses. (Lacroix, 1982, p. 24).

Os fatos decorrentes da expansão do capitalismo concorrencial nas colônias, que acontecia ao mesmo tempo em que se fortalecia o capitalismo industrial na Europa, explicitam a lógica que prevaleceu nesse contexto durante os períodos da história colonial e imperialista, estando a Baixada sempre a reboque, assim como o próprio país esteve em um estágio anterior ao dos países desenvolvidos. À medida que pesquiso a história maranhense e busco ad mirar essa realidade, para apreendê-la e melhor compreendê-la, evidencio no passado e no presente a existência de elementos predominantes do paradigma colonial, de consolidação de uma cultura de costumes arraigada a um modelo de desenvolvimento do capitalismo agrário, em que o cercamento materializa a perda dos usos do direito comum.

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Ao tirar as terras comunais dos pobres, os cercamentos os transformaram em estranhos em sua própria terra. (Thompson, 1998, p.149).

E é a partir desses paradigmas e referências que analiso a exclusão dos mais pobres no Maranhão, onde a terra é arrancada dos braços e pernas de trabalhadores simples e comuns agredindo-lhes em suas dimensões moral e física. Esse tipo de realidade acirrou problemas agrários e alimentou a partir do século XX a história dos confrontos entre trabalhadores rurais, considerado como os antigos posseiros e os novos invasores de terra, ou seja, os futuros fazendeiros conhecidos como grileiros. Passado e presente tangenciado pela mesma dinâmica política, apesar de alguns ingredientes diferentes na composição de cada período. No século XX havia a necessidade de ocupação de terras no Norte do país. Hoje, existe a necessidade de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) via participação intensa do agronegócio. Em ambos os momentos, o trabalhador rural torna-se invisível e, se incomodado com a situação reage, passa a ser um empecilho, um vândalo, um bandido.

Assim, as revoltas de povos indígenas que se multiplicam em 2013 em todo o país, sobretudo na região central e norte, não são resultados apenas de interesses obscuros que os insuflam para pressão e desestabilização do Governo Federal, por exemplo, mas também são movimentos que têm a oportunidade de expressarem insatisfações contidas e acumuladas por séculos. Evidentemente, somente em regimes democráticos e abertos é possível que esses movimentos, tradicionalmente reprimidos pela força do poder hegemônico, se manifestem à medida que vão se emancipando e tendo assegurado o direito de exercer sua plena cidadania.

De todo modo, quem mais sofre as consequências das intermináveis batalhas são os mais pobres, cuja maioria é constituída pelos negros, mas também pelos índios e por brancos e mestiços que descendem de antigos posseiros, quer estejam habitando nas florestas, nas margens dos rios ou em comunidades quilombolas, estas últimas espalhadas também pela Baixada Maranhense.

Nos dados coletados nesta e em outras pesquisas é possível identificar facilmente que os primeiros trabalhadores negros chegaram ao Maranhão para o trabalho escravo ainda no século XVII, mas somente no final do século XVIII se consolida a escravidão no campo, principalmente nas fazendas de cana de açúcar e de algodão. (Assunção, 1996, p. 434). É registrada a existência de quilombos no Maranhão desde o início do século XVIII.

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Apesar de não ter conseguido dados para quantificar precisamente quantos foram os existentes no período que vai do início da escravidão até a sua abolição, há informações que demonstram que a maioria das fazendas tinha quilombos em suas proximidades. Era comum, principalmente na primeira metade do século XIX, que pequenos grupos de escravos fugidos se escondessem nas matas que cercavam as propriedades. Essas fugas ocorriam em locais

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