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2. PAISAGEM E SOCIEDADE NO BAIXO RIO TAPAJÓS

2.3. Escavando a Paisagem do Sítio do Porto

Como pudemos acompanhar pelos relatos analisados até aqui, a ocupação europeia da região foi lenta, contudo seus efeitos foram significativos e as interações entre os europeus e os Tapajó configuraram novas estratégias de ocupação da paisagem no entorno da Vila de Santarém. Uma dessas configurações ocorreu na praia da Caieira, nome dado, em finais do século XIX e início do XX, ao lugar onde está implantado o Sítio Porto, como pode ser verificado nos relatos de Bates e Barbosa Rodrigues no XIX que exploramos a seguir.

É o naturalista britânico Henry Walter Bates (1979 [1876]: 146) o responsável pelo primeiro relato do sítio do Porto, que fala sobre sua topografia e vegetação. Embora objetos arqueológicos não figurem em sua descrição, informações importantes sobre a situação do sítio quando de sua visita podem ser encontradas em seu relato. Segundo a descrição de Bates, a área era uma “praia plana coberta de árvores, que formam um belo bosque”, depois de tal bosque estaria uma área mais alta e rochosa e “o cinturão

que margeia o rio é muito mais largo nesse trecho do que em outros lugares”, nesse mesmo ponto da descrição podemos ver que o que era chamado de Laguinhos tratava- se na verdade de poços rasos que ficavam separados durante a seca e se juntavam durante a cheia do rio. Bates faz referência às “ilhas de mato” que seriam trechos de mata no meio da campina. E que uma extensa, estreita e densa faixa de árvores com as mesmas características das ilhas de mato se estenderia paralelamente ao rio Tapajós. Bates não classificou dessa forma, mas havia identificado a mata antropogênica que se estendia ao longo da orla de Santarém.

Alfred Russel Wallace (1853), também empreendeu viagem pelo Amazonas, uma parte da qual junto com Bates. O encontro das “águas muito azuis e muito transparentes” (Wallace 1853: 184) do Tapajós com a água barrenta do Amazonas impressionou o naturalista, que descreve Santarém como uma “sede de considerável tráfico comercial” (Wallace 1853: 180) de onde se exportavam castanha, salsaparrilha, farinha e peixe salgado, e informa que alguns desses itens eram obtidos junto aos índios Mundurucus, habitantes da margem esquerda do rio Tapajós (Wallace 1853: 185). Apresentando uma sucinta lista dos cargos administrativos de Santarém, indica que os índios eram empregados em qualquer serviço público e ficavam ao cargo de um comandante dos trabalhadores (Wallace 1853:186). Wallace (1853: 198-199) também descreve a viagem que fez partindo de Santarém a Monte Alegre, onde visitou a Caverna do Pilão e os paredões com pintura rupestre na Serra da Lua/Ererê. O naturalista levanta a hipótese de essas pinturas terem sido feitas pela fricção de outra rocha encontrada na região; possivelmente estava se referindo ao óxido de ferro que se fixa no arenito típico da região. Segundo Wallace, as pinturas estavam bem conservadas e pareciam recentes, embora nada se soubesse sobre sua antiguidade. É de Wallace, portanto, uma das primeiras interpretações das pinturas, que ele indica serem representações de animais, de utensílios domésticos, formas geométricas e “algumas de formas mais complicadas e fantásticas” (Wallace 1853:199).

Um dos objetivos da etnologia no final do século XIX e começo do XX era a coleção de objetos arqueológicos; instituições (museus e universidades) enviavam pesquisadores para a Amazônia para montar essas coleções.

Frederick Hartt (1885 [1871]), embora não tenha feito coletas nem descrições da cidade de Santarém, descreveu alguns sítios do baixo rio Tapajós. O que chama atenção em sua narrativa é que ele é o primeiro a mencionar as terras pretas e fazer sua associação com os sítios arqueológicos, propondo que a alta fertilidade do solo poderia ser o motivo desses locais terem sido escolhidos como habitação pelos indígenas antigos.

Baseado nos vestígios cerâmicos, líticos, depósitos de concha e nos caminhos cavados no declive da serra encontrados e nos arredores, Barbosa Rodrigues (1875: 21) situa Santarém como o centro do domínio dos Tapajó, o qual se estendia pelas serras e chapadas próximas (Piquiatuba, Ypanema, Mararú e Taperinha) e ao longo da margem do rio homônimo.

Na descrição de uma de suas herborizações encontra-se um pequeno trecho em que parece referir-se à área do sítio Porto de Santarém - diz Barbosa Rodrigues (1875: 26): “seguindo pelo centro da aldêa, encontrei uma pequena capoeira e tomando um trilho que por ela passava [...] sahindo daí dei no campo, onde um pequeno igarapé forma um lago” (...). Este lago poderia ser o local conhecido como “laguinho”, que fica adjacente ao sítio Porto, como se vê no mapa (Figura 2), e foi área de lazer durante o século XX. O naturalista informa que esse campo era coberto de ilhas de vegetação onde catalogou quatro gêneros de leguminosas (Hecastophyllum, Indigofera, Cássia e Aeschynomene), e embora não faça referência a vestígios arqueológicos, a localização nas proximidades da Aldeia e do lago leva a crer que seria a área do sítio Porto. Verifica-se no mapa do Sítio Urbano de Santarém (Figura 2) a área de mata antropogênica que corresponde ao que seriam essas “Ilhas de floresta” (Barbosa Rodrigues 1875: 27).

As “ilhas de mato” que existiam no sítio Porto em finais do século XIX quando das descrições de Bates e Barbosa Rodrigues são evidências de alteração da paisagem, pois são áreas com terra preta em que a vegetação cresce mais alto por causa da fertilidade e maior espessura do solo; portanto, são zonas antropogênicas, exemplos de alteração da paisagem, pois a vegetação é diferente daquela do entorno, a qual provavelmente cobria essa área antes de ser transformada pela ação humana.

Em 1878, José Velloso Barreto encontrou Santarém cabeça de comarca do rio Tapajós, com comércio grande, distrito abundante em gado, cacau e peixe. A comarca estava estruturada com boas casas de sobrado, igreja matriz e a fortaleza, cuja construção ele atribuiu aos holandeses, mas que encontrava-se já em ruínas (Barreto 1878: 15).

Em sua Viagem ao Tapajós em 1895, passando pela cidade de Santarém Coudreau estima que a “capital da Tapajônica” tivesse apenas 3.000 habitantes, e não os 10.000 que as estatísticas estimavam, “a despeito da excelência de sua posição geográfica e da qualidade do seu clima” (Coudreau 1976: 15). Seguindo viagem Tapajós acima, Coudreau vai identificando as vilas do baixo Tapajós, que aí se instalaram apesar do clima úmido e quente, contudo tendo progredido menos que a parte encachoeirada do rio devido à diferença de climas, sendo o clima das cachoeiras temperado, enquanto o do baixo Tapajós era mais doentio (Coudreau 1976: 16).

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