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A engenharia de organismos vivos, especialmente microrganismos, como bactérias, para obtenção de produtos úteis tem uma longa história, e tem sido um dos objetivos da biotecnologia desde seus primórdios. A insulina humana para o tratamento da diabetes foi primeiro expressa em bactérias E. coli geneticamente modificadas em 1979 e comercializada desde 1982 como a primeira droga licenciada produzida pela então nova tecnologia de DNA recombinante. Hoje, centenas de produtos farmacêuticos são obtidos por fermentação utilizando microrganismos modificados (BALL, 2018).

A bactéria Escherichia coli teve papel importante no desenvolvimento dos campos científicos da genética e biologia molecular. Dessa forma, a biologia sintética também vem sendo construída baseada no uso do chassis E. coli, sendo que este microrganismo continua a dominar os estudos neste campo (ADAMS, 2016).

No que diz respeito a este estudo proposto, E. coli se qualifica como uma cepa experimental modelo para aplicação dos conceitos discutidos até então visando a construção de novas estratégias

para obtenção de produtos de maior valor agregado como o BDO a partir de glicerol residual como fonte de carbono em processos fermentativos. E. coli pode ser utilizada para estudos prévios visando a aplicação destas estratégias em outros organismos chassis que são conhecidos produtores naturais de BDO como K. pneumoniae e K. aerogenes.

A bactéria E. coli é capaz de produzir quantidades vestigiais de acetoína, no entanto, não produz BDO. A principal limitação do uso de uma cepa de E. coli para a produção de BDO e acetoína é o fato de não possuir uma via metabólica de produção destes compostos, dessa forma, engenharia metabólica e biologia sintética são disciplinas a serem aplicadas na investigação e desenvolvimento de cepas de E. coli para produção de BDO (YANG et al., 2017).

Estudos visando o desenvolvimento de vias alternativas já vem sendo desenvolvidos. Em estudos recentes, foram clonados diferentes genes heterólogos relacionados a formação de BDO em plasmídeos controlados por diferentes promotores, assim como a deleção de genes de desvio de direcionamento da fonte de carbono utilizada como substrato. Como estratégia para clonagem e expressão de genes heterólogos, foram utilizados promotores com diferentes níveis de expressão, visando a melhor regulação nos níveis plasmáticos das enzimas clonadas, como Pspac (OLIVEIRA; NICHOLSON, 2015; YANG et al., 2017), T7 e Pabc (XU et al., 2014; YANG et al., 2017), em E.

coli. Genes de conversão de piruvato em BDO budABC de diferentes microrganismos foram clonados

em E. coli para avaliar a produção de BDO. Além da clonagem heteróloga destes genes, a codon otimização para expressão em E. coli e adaptação de sítios de ligação ribossomal (RBS) resultou em um aumento na produtividade de BDO em 60,6% em cepas de E. coli modificada expressando estas vias metabólicas (PARK et al., 2014; YANG et al., 2017). Mazumdar, Lee e Oh (2013) deletaram múltiplos genes (pflB, pta, adhE, frdA e ldh) e expressaram um operon dos genes para α-acetolactato sintase, acetolactato descarboxilase e acetoína redutase em E. coli, produzindo 18,8 g / L de BDO e acetoína a partir de um substrato misto de glicose e manitol (YANG et al., 2017).

Utilizando E. coli como organismo chassis também foi possível realizar expressão de genes para a produção de (2R, 3R)-, (2S, 3S)- e meso- formas enantiomericamente puras de BDO (YANG et al., 2017).

Ui et al. (2004) introduziram três genes, respectivamente para, α-acetolactato sintase, α- acetolactato descarboxilase e acetoina redutase, de K. pneumoniae IAM 1063 em E. coli JM109. A

E. coli modificada resultante produziu 17,7 g/L de meso-BDO (0,177 g/g de glucose) (UI et al., 2004;

YANG et al., 2017). Lee et al. (2012) introduziram as enzimas acetolactato descarboxilase e acetoina redutase de K. pneumoniae KCTC2242 em E. coli, produzindo uma cepa capaz de converter competentemente glicose e glicerol em meso-BDO; alcançando máximo de 15,7 g/L de meso-BDO a partir de glicose (YANG et al., 2017). Nielsen et al. (2010) desenvolveram uma cepa de E. coli

sistematicamente modificada para aumento de produção de piruvato para facilitar a produção de acetoína, bloqueando as vias de geração de subprodutos, elevando os níveis de acetolactato intracelular e superexpressando ilvBN exógeno (codificando α-acetolactato sintase) de E. coli e aldB (codificando acetolactato descarboxilase) de Lactococcus lactis; a E. coli modificada foi capaz de produzir até 84,8 g/L de acetoína, com pequenas quantidades de meso-BDO. Por fim, a co-expressão de bdh1 (que codifica acetoina redutase) de Saccharomyces cerevisiae aumentou a titulação final de meso-BDO para 1,12 g/L (YANG et al., 2017). Li et al. (2010) também projetaram uma linhagem de

E. coli para a produção de meso-BDO utilizando uma estratégia semelhante, incluindo bloqueio de

vias de subproduto e montagem de genes exógenos responsáveis pela formação de BDO. O título máximo de BDO alcançado foi de 14,50 g/L utilizando 1% de oxigênio dissolvido (YANG et al., 2017).

Utilizando um sistema de expressão induzível por biomassa, inserido no cromossomo, Nakashima, Akita e Hoshino (2014) construíram uma cepa de E. coli produtora de meso-BDO. Eliminaram os genes ldh, adhE, pflB e ackA-pta e introduziram o operon alsSD da estirpe 168 de B.

subtilis. A cepa de E. coli recombinante (mlc-XT7-LAFC) sintetizou um máximo de 31 g/L de

acetoína a partir de 66 g/L de glicose e 1,2 g/L de xilose (YANG et al., 2017). Nakashima, Akita e Hoshino (2014) então selecionaram um gene acetoína redutase butA de L. lactis NBRC100933 e o clonaram na cepa de E. coli modificada. O rendimento máximo de meso-BDO da cepa resultante foi de 54 g/L a partir de 99 g/L de glicose e 11 g/L de xilose (YANG et al., 2017).

Considerando os esforços supracitados, é possível afirmar que E. coli vem sendo utilizada para o desenvolvimento de biocatalisadores alternativos para produção de acetoína e BDO. Além de possuir uma taxa de multiplicação mais acelerada, sua genética é muito bem compreendida e muitas ferramentas de edição gênica foram desenvolvidas para este microrganismo (LI et al., 2010; YANG et al., 2017). Portanto, E. coli é um chassis heterólogo promissor para a produção em larga escala de acetoína e BDO (YANG et al., 2017) e para desenvolvimento de modelos de testes para estratégias que podem ser aplicadas em outros microrganismos.

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