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2.1. A Importância do pensamento geomorfológico na análise ambiental urbana

2.1.2. A Escola Alemã

Enquanto a Geomorfologia Anglo-Americana teve Davis como o grande mentor durante vários anos, a escola Alemã teve Von Richthofen e Albrecht Penck como os pais da Geomorfologia de língua germânica. Entretanto, pode-se dizer que a Geomorfologia alemã, teve com Von Richthofen o referencial inicial, através do trabalho "Fuhrer fur Forschungireisende2" de 1886. Ele teve, como

predecessores, vários pesquisadores naturalistas, inclusive Goethe como seu ponto de referência.

A herança recebida dos filósofos e naturalistas - Goethe e Humboldt - levou Richthofen a analisar os fenômenos sob a ótica da observação, relacionando a Geomorfologia com a Petrografia, a Química do Solo, a Hidrologia e a Climatologia. Considerava que a ciência geográfica deveria apresentar uma articulação harmônica entre três níveis metodológicos: o descritivo, o corológico e o de abstração.

Quanto a Albrecht Penck, sua principal obra foi "Morphologie der

Erdoberflasche3" (1824), cuja importância foi a de sistematizar teorias e classificar

formas de relevo.

Tanto Von Richthofen como Albrecht Penck direcionaram os trabalhos da Geografia alemã durante mais de meio século. Esta influência certamente foi responsável pela pouca penetração da proposta davisiana,

2 Significa “Guia para o explorador”.

principalmente em um momento histórico, no qual a ascensão prussiana era evidente, gerando uma onda de nacionalismo muito grande.

Albrecht Penck, em contraposição a Davis, apresentou em 1912 uma proposta de classificação climática baseada na fisiografia, ou seja, ele procurava estabelecer uma relação entre as formas de relevo e os cinturões climáticos do planeta. Em síntese, Albrecht Penck estudava a superfície terrestre pelas diferentes atuações do clima. Neste estudo a paisagem é distinguida pelas regiões climáticas, e a precipitação dá a forma de como o clima atua na superfície terrestre.

Esse trabalho muito contribuiu para concretizar a postura predominante na Europa Centro-Oriental e, também, para o surgimento da Geomorfologia Climática, que basicamente direcionou as novas propostas teóricas que surgiam. O principal conceito-chave desta transformação foi a noção de paisagem (landschaft), que para os alemães mantém uma visão de conjunto do meio natural. O conceito de paisagem para os alemães é compreendido como ...:

“...un objeto concreto, directamente observable, compuesto por elementos diversos más o menos variados. Constituye así un marco para conectar observaciones realizadas por distintas ramas o subramas de la ciencia y de este modo puede establecer un enlace entre ellas, contrarrestando los incovenientes de una atomización del conocimiento derivada de un desarrollo unilateral del análisis” (Tricart, 1982: 471).

Destaca-se nesse momento Sigfried Passarge com um conjunto de obras, das quais se destaca "Morfologia das zonas climáticas ou morfologia da paisagem?" de 1926. Neste último trabalho, Passarge analisa a morfologia terrestre a partir da divisão das zonas climáticas, divididas conforme três fatores climáticos: temperatura, precipitação e umidade.

O relevo seria o resultado de uma sucessão de condições climáticas necessariamente diferentes do período atual. Basicamente, o período em que ocorreram essas grandes modificações na morfologia terrestre foi para Passarge o Quaternário, quando se deram as últimas glaciações.

No atual período, as condições climáticas diferentes, comparadas às dos períodos passados, permitem encontrar paleo-formas escondidas sob um manto de cobertura vegetal. Foi Passarge quem resgatou o termo Paisagem, trabalhando com uma postura mais global, quanto às formas de relevo, e ligada a uma visão geográfica.

Outro autor a se destacar é Walter Penck, apresentando-se como um dos principais opositores das idéias propostas por Davis. Foi no trabalho "Die

Morphologische Analyse" (1924), que Walter Penck contrapôs-se à sucessão

progressiva e irreversível, ou seja, à de formação seguida de erosão de William Morris Davis.

Naquele trabalho "... defendeu as interferências entre movimentos

contínuos da crosta terrestre e a ação das forças exógenas: o relevo deve ser analisado sob todos os processos internos e externos, considerados na sua evolução histórica" (Amaral, 1965: 8; 9).

Na opinião de Bigarella et al (1965: 89), expressa no artigo Considerações a respeito da evolução das vertentes “...Penck teve o mérito de ter

chamado a atenção para as vertentes como unidades básicas através das quais se faz a evolução da paisagem”.

Para Ross (1996: 307-08), Walter Penck tem o mérito de ter desenvolvido uma fundamentação teórico-metodológica, que até o momento atual é balizadora das pesquisas geomorfológicas.

Compreende que o entendimento das formas de relevo presente é fruto do antagonismo entre as forças endógenas (abalos sísmicos; vulcanismos; dobramentos; afundamentos e soerguimentos das plataformas; falhamentos e fraturamentos), e exógenas (ação climática local, regional e zonal; processo de meteorização; erosão e transporte de base rochosa; ação do vento e ação da água) (Figura 7).

Figura 7. Elaboração do ciclo de acordo com Penck (adaptado por Dury a partir das obras de Von Engehn e de Wooldrédge e Morgan).

Fonte: Christofoletti (1980:166)

Walter Penck foi muito criticado pelos seus seguidores, pois seu esquema explicativo da evolução da paisagem, tendo as vertentes como unidade base, era por demais dedutivo e teórico, de difícil aplicação na prática. Entretanto, seus estudos foram retomados por Gerassimov (1946, 1968) e Mescerjakov (1968), que os utilizaram para desenvolver uma análise morfoestrutural e morfoescultural do relevo, além de pesquisas correspondentes à Cartografia Geomorfológica. Ross (1996: 308-09) explica que...:

“...todo o relevo terrestre pertence a uma determinada

estrutura que o sustenta e mostra um aspecto escultural que é decorrente da ação do tipo climático atual e pretérito, que atuou e atua nessa estrutura. Deste modo, a morfoestrutura e a morfoescultura definem situações estáticas, produtos da ação dinâmica do endógeno e do exógeno”.

Mesmo com o problema da barreira lingüística, outros autores destacados por Abreu (1983), utilizaram-se dos conceitos penckianos: Mescerjakov (1968), Basenina e Trescov (1972) e Basenina, Aristarchova e Tukasov (1976).

É importante citarmos, entre tantos outros, a influência que André Cholley exerceu nas obras de vários geógrafos, através do conceito de sistema de erosão. No trabalho intitulado “Morfologia Estrutural y Morfologia Climatica”, Cholley (1982: 372-76), apresenta uma síntese de sua compreensão sobre a evolução do modelado terrestre. Ele explica que não existem duas morfologias; somente uma, e sua gênese está ligada à ação dos fatores de erosão determinados pelo clima. Este, quando atuante, coloca em funcionamento um complexo de agentes e fatores combinados como um sistema de erosão.

Para Cholley (1982: 376), o termo erosão corresponde a um sistema de fatores ligados de diversas formas, no qual a “...morfología deriva de un sistema

de erosión determinado por el clima y que se ejerce sobre territorios y relieves diversos como consecuencia de la estructura y la tectónica”.

Tricart (1982) foi um dos geógrafos mais influenciados pelas concepções de André Cholley. O seu grande mestre, como ele o classificava, não recebeu merecido reconhecimento da comunidade científica francesa, por ter criado, antes da Segunda Guerra Mundial,...:

“...el concepto de sistema de erosión. Sin duda, el término erosión es desafortunado y se explica por las impregnaciones davisianas que durante demasiado tiempo han infectado la atmósfera en Francia. Nosotros lo hemos eliminado al transformar la expresión en sistemas morfogenéticos, que engloban tanto el accionamiento como el transporte y la acumulación, los cuales no son sino tres aspectos de un mismo fenómeno, de un mismo flujo” (Tricard, 1982: 473).

Ainda dentro da perspectiva sistêmica, salientamos os trabalhos desenvolvidos pelos soviéticos, em especial V. B. Sochava, que dedicou-se à noção de geossistema. Esta concepção de análise da paisagem...:

“... deve estudar, não os componentes da natureza, mas as conexões entre eles; não se deve restringir à morfologia da paisagem e suas subdivisões mas, de preferência, projetar-se para o estudo de sua dinâmica, estrutura funcional, conexões, etc." (Sochava, 1977: 1).

Como se pôde observar, os referenciais teóricos e metodológicos entre as escolas Anglo-Americana (Geomorfologia Estrutural) e a Alemã (Geomorfologia Climática), apresentam uma grande diferenciação.

Assim, pode-se dizer que a trajetória de construção do pensamento da Escola Alemã sempre esteve associado à compreensão da dinâmica da natureza, tendo como um dos conceitos integradores o conceito de paisagem.

Portanto, a origem da preocupação ambiental, dentro da Geomorfologia, está mais associada à linha do pensamento alemão.

No caso do Brasil, conforme o momento histórico, ambas as escolas, tanto a do pensamento geomorfológico anglo-saxônico e a do alemão, exerceram forte influência nos programas curriculares dos cursos de Geografia no Brasil, que será analisada a seguir.