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Para os neoliberais, a política educacional não é tão contagiada pelo vírus neoliberalizante como as outras políticas sociais. A ampliação das oportunidades educacionais, aliada à liberdade individual, é considerada um dos fatores mais importantes para a redução das desigualdades.

Essas políticas deveriam dividir com o privado as responsabilidades e contribuir para estimular a competitividade conforme as leis de mercado. “No extremo, concebe-se que a política educacional, tal como outras políticas sociais, serão bem-sucedidas, na medida em que tenha por orientação principal os ditames e as leis que regem os mercados, o privado” (Azevedo, 2004, p. 17).

Shiroma (2007) conclui que as políticas educacionais, mesmo sob semblante muitas vezes humanitário e benfeitor, expressam contradições, uma vez que ao longo da história, a educação redefine seu perfil reprodutor/inovador da sociabilidade humana e adapta-se aos modos de formação técnica e comportamental adequados à produção e à reprodução das formas particulares de organização do trabalho e da vida e que o processo educativo forma as aptidões e comportamentos que lhes são necessários, e a escola é um dos seus loci privilegiados.

Vale ressaltar que a escola, por sua vez, surge no contexto das sociedades de classes, como privilégio das elites. Sua expansão para o povo se dá nos limites da formação de mão de obra e da difusão dos valores dominantes, de acordo com os interesses dos proprietários dos meios de produção. Porém, como espaço de luta de classes, reflete as relações conflituosas entre dominantes e dominados e a luta incessante dos trabalhadores contra a exploração e a opressão, na concepção marxista conforme aponta Saviani (2011).

Nas últimas décadas, Altmann (2002), Soares (2003) e Torres (2003) apontam para a forte influência exercida pelo Banco Mundial na política macroeconômica brasileira que se irradia sobre diversos setores, entre eles, a educação.

Não alheio a isso, o governo Fernando Henrique Cardoso deu continuidade a reformas educacionais, muitas das quais coincidiam com propostas do Banco Mundial (BIRD). Embora a política de crédito do BIRD à educação se autodenomine cooperação ou assistência técnica, ela nada mais é do que um cofinanciamento cujo modelo de empréstimo é do tipo convencional, tendo em vista os pesados encargos que acarreta e também a rigidez

das regras e as precondições financeiras e políticas inerentes ao processo de financiamento comercial.

De acordo com Torres (2003), o BIRD apresenta uma proposta articulada para melhorar o acesso, a equidade e a qualidade dos sistemas escolares.

A proposta de governo apresentada por Fernando Henrique Cardoso na sua primeira candidatura à Presidência da República, em 1994, já apontava para as novas perspectivas educacionais a serem adotadas no país. As medidas propostas para a educação incluíam, entre outras, a redução das taxas de responsabilidade do Ministério da Educação como instância executora; o estabelecimento de conteúdos curriculares básicos e padrões de aprendizagem; a implementação de um sistema nacional de avaliação do desempenho das escolas e dos sistemas educacionais para acompanhar a consecução das metas de melhoria da qualidade de ensino (Cardoso, 1994).

Consonante às indicações do BIRD às estratégias educacionais brasileiras, é possível verificar o quanto o Ministro da Educação no Governo de FHC Paulo Renato de Souza, que já foi consultor do Banco, acata as recomendações do BIRD.

Haddad et al. (2008, p. 33) reitera. Para ele, o BM teve forte influência na definição de políticas educacionais brasileiras nas últimas décadas, nem tanto pelo volume de recursos que injetou no setor, mas pelo que conseguiu influenciar nas políticas sociais, principalmente porque seu aval abria portas para a liberação de empréstimos destinados a programas de ajuste estrutural.

O esforço de influência dos bancos ia além do financiamento de projetos, cujo valor era pequeno frente aos dispêndios realizados, mas se concentrava principalmente na orientação de políticas. A orientação de políticas educacionais sempre esteve em complementaridade às orientações macroeconômicas, o que por sua vez, a longo prazo, calcado na lógica do custo-benefício, teve como resultado a terrível queda na qualidade do ensino oferecido pelo setor público. A lógica neoliberal imperava na reforma educacional. Nessa reforma, o governo federal elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais, que tinham por objetivo estabelecer uma referência curricular nacional. Segundo o Ministério da Educação, eles são uma referência nacional para o ensino básico, pois estabelecem uma meta educacional para a qual devem convergir as ações políticas. No

entanto, também é enfatizado o caráter flexível de tal proposta, a qual permite um diálogo com as escolas no que se refere à elaboração de seu projeto pedagógico.

Estabelecidas as metas e os padrões de rendimento, urgia implementar sistemas de avaliação que deveriam monitorar o alcance das mesmas. Diversos sistemas de avaliação nacionais foram implementados na década de 1990, como o SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica –, o ENEM – Exame Nacional de Ensino Médio –, o Exame Nacional de Cursos (Provão), a Avaliação dos Cursos Superiores. O Laboratório Latino- Americano de Avaliação da Qualidade de Educação e o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA) são exemplos de projetos internacionais de avaliação. E em meio a reforma, o Programa Nacional do Livro Didático é citado pelo governo como exemplo de investimento que visa a melhoria da qualidade de ensino. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) ficou responsável pela avaliação dos livros, cabendo aos professores a escolha dos mesmos. No entanto, essa medida fica restrita a livros didáticos, não sendo enfrentado o problema da falta de acesso a livros em geral. No lugar de investimento em bibliotecas, o governo priorizou a instalação de microcomputadores nas escolas, segundo Altmann (2002).

 Para Cunha (2011), durante o governo FHC, grandes grupos editoriais espanhóis, que já estavam fortemente instalados em países da Hispano-América, desembarcaram no Brasil, cujo mercado correspondia a 40% de toda a América Latina. Os espanhóis, que entraram fortemente na compra de estatais privatizadas nas áreas de energia, telecomunicações e bancos, também assumiram o controle de empresas privadas rentáveis, como na edição de livros.

As políticas educacionais implementadas no Brasil nos anos 90, do século XX, segundo Dourado (2002) são demarcadas por opções e interesses sociopolíticos articulados às mudanças no cenário contemporâneo, que se traduzem na apreensão das determinantes históricas que balizam o processo de reforma do Estado brasileiro. Essa lógica implica alterações no campo das políticas públicas, especialmente das políticas sociais, na medida em que estão em curso propostas e projetos que se configuram pela minimização do papel do Estado, marcado pela interpenetração das esferas pública e privada em detrimento da primeira.

Ainda para Shiroma (2007), a reforma da década de 1990, diferentemente da de 1970, não caiu como pacote sobre nossas cabeças, foi se infiltrando pela mídia, minando o senso comum, cooptando intelectuais e formadores de opinião pública. Às ocultas, progressivamente, buscou impor a mercantilização da educação.

As iniciativas reformistas do governo FHC, em relação à educação, foram materializadas através da legislação, do financiamento de programas governamentais em suas três esferas e por uma série de ações não governamentais. Isso confirma que a reforma educacional brasileira já vinha sendo articulada às recomendações dos organismos multilaterais.

Os autores afirmam ainda que esse governo não poupou esforços para implementar tal política, mesmo que para isto precisasse inverter o consenso que os educadores brasileiros construíram sobre pontos básicos da educação nacional, na luta pela democratização do país nas décadas de 1970 e 1980.

Tal reforma exigia uma transmutação do Estado administrador e provedor para o Estado avaliador, incentivador e gerador de políticas, o que demandou desconcentração de tarefas e concentração de decisões estratégicas.

Se a reforma educacional do Governo FHC for olhada em suas conexões com a política social, será possível perceber que, em sua inscrição nessa esfera mais ampla, o que chamamos de “política educacional” assumiu, na verdade, a forma de uma “política escolar”. Quando suas peças são vistas em conjunto, torna-se evidente o propósito de adaptar instrumentalmente a escola a novas funções que se tornavam estratégicas no novo contexto econômico e político. É como se a escola fizesse as vezes do Estado onde ele não estava suficientemente presente por outros meios. Trata-se por certo, de uma forma pobre de presença do Estado, mas isso não é contraditório se for considerado que essa versão pobre do Estado destinava-se, exatamente, aos pobres para Algebaile (2009, p. 309). É Dourado (2002) que afirma que o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e agências da Organização das Nações Unidas (ONU) configuram- se como importantes interlocutores multilaterais da agenda brasileira.

No campo educacional, esses interlocutores, particularmente o Banco Mundial, revigoram a sua atuação no país a partir da década de 1980.

Das orientações gerais do Banco Mundial é possível depreender a prescrição de políticas educacionais que induzem as reformas concernentes ao ideário neoliberal, cuja ótica de racionalização do campo educativo deveria acompanhar a lógica do campo econômico, sobretudo, a partir da adoção de programas de ajuste estrutural.

O primeiro mandato do presidente Lula foi marcado, no campo educacional, muito mais por permanências que rupturas em relação ao governo anterior. Tendo sido herdeiro de uma reforma educacional de longo alcance e complexidade, que durante os dois mandatos do governo que o precedeu – FHC – mudou os rumos da educação brasileira do nível básico ao superior, restava a esse governo re-formar a educação ou conservar e manter as iniciativas anteriores. A opção parece ter sido pelo segundo caminho.

Azevedo (2011) avalia que no Governo de Lula muitas ações procuraram privilegiar a gestão democrática no campo da educação como o Fundo de Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), ampliação de educação profissional e tecnológica, o aumento dos anos obrigatório do EF, o piso salarial nacional para os professores da EB, fortalecimento de conselhos gestores, conferências nacionais, dentre outras, no entanto, a implantação do Plano de Ações Articuladas (PAR) impõe à políticas das municipalidades um plano seguindo parâmetros gerencialistas, além da expansão do ensino superior sem cuidados qualitativos, reforço de um sistema de avaliação estandardizados.

Para Oliveira (2009, p.199), os primeiros quatro anos de mandato de Lula podem ser caracterizados, no que se refere à educação básica, pela ausência de políticas regulares e de ação firme no sentido de contrapor-se ao movimento de reformas iniciado no governo anterior. E, assistimos nesses quatro anos a ações esparsas e uma grande diversidade de programas especiais, em sua maioria dirigidos a um público focalizado entre os mais vulneráveis.

Nos dois mandatos do presidente Lula, houve iniciativas importantes do ponto de vista de políticas regulares de educação no sentido de buscar recuperar o papel protagonista do Estado federal como promotor de políticas para o setor, bem como de tentativa de correção de distorções naturais de um país com as dimensões do Brasil e com suas diferenças regionais. Sabe-se que o processo de descentralização ocorrido na década

passada ocasionou ganhos e perdas. Não se trata mais de um esforço de recentralização no sentido de uma contrarreforma, mas desequilíbrios provocados precisam ser corrigidos.

As políticas educacionais do Governo Lula, nos seus dois mandatos, podem ser caracterizadas por políticas ambivalentes que apresentam rupturas e permanências em relação às políticas anteriores. Ao mesmo tempo em que se assiste, na matéria educativa, à tentativa de resgate de direitos e garantias estabelecidas na CF/88, adotam-se políticas que estabelecem nexo entre a elevação dos padrões de desempenho educativo e a crescente competitividade internacional.

Cabe observar que tais iniciativas implicam em riscos políticos à medida que desarmam as formas de controle direto, o que pode resultar, em última instância, na delegação de poder por parte do Estado a outros atores envolvidos no processo de implementação dessas políticas que pode gerar um vazio que vai paulatinamente sendo preenchido por interesses particulares. Tal processo pode resultar na ação pública cada vez menos estatal e, por isso, menos pública. Esse é um risco de esvaziamento de poder e de referência que tal modelo de gestão de políticas públicas pode ensejar para Oliveira (2009, p. 208).

Para entender a dinâmica do funcionamento do sistema educacional, é necessário considerar que a sua inserção numa sociedade e determinada pelo seu modo de produzir a vida material, ou seja, determinada pelo seu modo de produção, o qual, por sua vez, influencia essencialmente as relações sociopolíticas da sociedade; a escola nesse contexto contribui para manter e reproduzir as relações capitalistas de produção, além de perpetuar a divisão do sistema em classes sociais, a despeito das funções democráticas proclamadas para a escola pública.

Está entre as funções da escola socializar a cultura e, embora haja alguns esforços neste sentido, ao menos prescritos nos textos legais, na realidade o que temos atualmente é o acesso de um número significativo de crianças à escola. Segundo dados do IPEA do ano de 200932, 98,1% das crianças da região Sudeste e 97,6% do país, em idade escolar estão frequentando a escola, mas há muito a se buscar.

O acesso é um dos pontos fundamentais para que a escola possa cumprir o seu papel, mais precisamente a escola pública, visto que somente ela, por seu caráter



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