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Costa, recentemente, a propósito dos modos de perspetivar a escola, aditou mais uma imagem organizacional às já esboçadas por si, na sua obra “Imagens organizacionais da escola”, publicada em 1996, e no mesmo alinhamento acrescenta mais uma, a saber: a escola como hipocrisia (Costa, 2014) que se esboça a partir da interpretação da obra “The organization of hipocrisy: talk, decisions in organizations” (1989) de Nils Brunsson, numa abordagem do neoinstitucionalismo sociológico que se desenvolveu nas últimas décadas do século XX, considerando que as organizações são muito mais complexas do que as consideradas pelas perspetivas clássicas. Nesta nova abordagem às organizações, o ambiente configura-se como um elemento crucial de análise.

Para Brunsson (1989),

“a hipocrisia, seja em sentido lato ou muito específico, facilita bastante a manutenção da legitimidade das organizações, mesmo quando estas são sujeitas a exigências de conflito […]. Um mundo que não permitisse a hipocrisia seria, provavelmente, um lugar mais preocupado e descontente” (1989, p. 20). Nesta obra, o autor enumera o modo como as organizações são expostas a exigências inconsistentes vindas dos seus próprios “ambientes” e explica a “forma como as organizações podem lidar com essas mesmas exigências.”

Brunsson (2006) explicita o conceito de “hipocrisia organizada”:

“significando uma diferença entre as palavras e ações, a eventualidade de as organizações poderem falar num sentido, decidir noutro e atuar num terceiro nível. […] hipocrisia é mais uma reação ao conflito dentro ou fora da organização […]” (2006, p. 18).

Segundo o autor, a hipocrisia não deve ser entendida como uma atribuição negativa, mas como um mecanismo equacionado pelas organizações para lidarem com a contrariedade que advém do ambiente externo e também um mecanismo de sobrevivência da própria organização (Brunsson, 2006). Os fundamentos teóricos desta teoria têm as suas raízes nas perspetivas (neo)institucionais e nas teses (neo)institucionalistas que contrariam a visão

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clássica de Taylor e Weber, considerada insuficiente para compreender as organizações. Para Lima,

“[…] a hipocrisia é sobretudo vista como uma solução para afrontar o facto de as organizações modernas serem sujeitas a exigências inconsistentes e a pressões contraditórias, oriundas de quadros de racionalidade e de valores consideravelmente distintos ou mesmo antagónicos (argumento central das teses (neo)institucionais - o da legitimidade institucional - que confere sentido à hipocrisia organizada)” (Lima, 2006, p. 4).

Neste contexto, e de acordo com estas perspetivas, o ambiente é o aspeto essencial na análise das organizações.

Costa, (2009) dá exemplos de práticas escolares marcadas pela hipocrisia como, por exemplo, o Projeto de Escola,

“[…] São variadas as situações de desenvolvimento de projetos de escolas que poderemos invocar para ilustrar esta análise, designadamente aquelas em que não existe uma conexão forte entre a intenção, a decisão e a ação e onde, de acordo com a análise de Brunsson, a organização escolar manifesta a sua dupla face de organização para a ação e de organização política […]” (Costa, 2009, p. 4).

Segundo Lima,

“a teoria da “hipocrisia organizada” representa sobretudo um esforço de compreensão e análise das organizações e da administração pública, a partir de uma abordagem polifacetada, isto é, assente num certo pluralismo teorético que marca algumas abordagens (neo)institucionais, nas quais Brunsson se integra e se destaca pela originalidade da sua contribuição” (Lima, 2005, p. 4).

Nestas abordagens, a hipocrisia é entendida como a resposta para a sobrevivência das organizações que se justifica

“face aos conflitos entre valores, ideias e pessoas, procurando uma articulação, ainda que débil, entre elementos contrários, admitindo mesmo descoincidências entre as palavras e as ações, entre o que se diz e o que se faz, e delas retirando benefícios em termos de legitimidade” (Lima, 2005, p. 4). Costa questiona “os motivos que levam as organizações a manifestarem níveis de inconsistência, a patentearem situações de descoordenação e incoerência entre o discurso, a decisão e a ação”, atribuindo a resposta, neste quadro teórico,

“às teses (neo)institucionais que se prendem com a dependência que as organizações têm relativamente ao ambiente, às pressões, às exigências e às normas (muitas vezes inconsistentes e mesmo contraditórias) a que são sistematicamente sujeitas, às quais têm que responder favoravelmente (isomorfismo), caso contrário, põem em causa a legitimidade institucional” (Costa, 2009, p. 3). Esta é a face dual das organizações, de que fala Costa (2009, p. 2), visível nas organizações escolares, onde é notória a desarticulação entre o discurso, a decisão e a ação. Vários são os exemplos desta dupla face: o discurso a propósito da autonomia e as práticas

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de autonomia implementadas nas escolas; o projeto educativo de escola não é entendido, numa grande maioria de escolas, como um instrumento de gestão estratégica ao serviço da autonomia, existindo apenas por imposição legal, sem constituírem verdadeiramente “projetos de escola”; o modelo de avaliação dos professores em vigor, cujo objetivo foi melhorar as práticas dos professores é, no entanto, um processo apenas formal imbuído de inúmeros procedimentos burocráticos.

Este funcionamento dual das organizações não representa um mau funcionamento das organizações, mas, segundo Costa (2004), um meio das organizações sobreviverem às pressões do meio.

A propósito da definição de um modelo coerente de administração educacional, Joaquim Azevedo, numa intervenção na Assembleia da República em 2012, referiu:

“O discurso político sobre a autonomia das escolas constitui talvez o mais fino, curioso e dramático exemplo da “hipocrisia organizada” de que nos fala Brunsson (2006). O discurso vai num sentido, a decisão vai noutro e a ação segue um terceiro. A autonomia é proclamada como desejo de todos, as normas que a reconhecem, há vinte anos, modelo atrás de modelo, mas, na realidade, não consagram a autonomia das escolas, e, finalmente, os atores centrais agem sob o signo da desconfiança e da prepotência e os atores locais agem sob o signo da dependência” (Joaquim Azevedo, Porto, 13 de maio de 2012, p. 2 – consultado em http://repositorio.ucp.pt/).

Paradoxalmente, constata-se que o discurso político advoga a proclamação da autonomia, obstinadamente defendida nos textos normativos, mas, na prática, continua a verificar-se que a autonomia se reduz à contratualização de alguns procedimentos redutores, balizados por um conjunto de normativos legais que estrangulam a autonomia proclamada. Pelo contrário, continua a existir uma grande subordinação ao poder central e burocrático do estado que continua a controlar, através de novos recursos informáticos, plataformas, que cumprem a função de “controlar”, “à distância”, o que as escolas fazem, numa visível submissão tutelar face à imposição normativa e legalista do Estado. Neste sentido, falar de autonomia nas escolas é um logro sem aplicação prática, verificando-se uma “incoerência entre o discurso, a decisão e a ação”.