• Nenhum resultado encontrado

A Escola na comunidade e na sociedade

No documento RETRATOS DE ASSENTAMENTOS (páginas 129-132)

Carmen Janaina Batista Machado 5 resumo: Este artigo discute a contribuição da Educação do campo na valorização

4. escola estadual de ensino Fundamental orestes Paiva coutinho: outra educação é possível?

4.2. A Escola na comunidade e na sociedade

Para além dos muros da Escola, momentos de vivência, integração e trocas de experiência também fazem parte do currículo escolar. Uma das atividades em que vários alunos participaram no ano de 2014 foi o 17º Encontro Estadual dos Sem Terrinha, que faz parte da Jornada Nacional dos Sem Terrinha do MST, evento que é promovido desde 1994 durante a semana do dia da criança. O encontro - que se inseriu nas comemorações dos 30 anos do MST cujo lema foi “Somos filhas e filhos de uma história de luta” - reuniu cerca de 500 crianças de acampamentos e assentamentos do MST do Rio Grande do Sul. Durante dois dias os alunos participaram de atividades lúdicas, desportivas, plenárias (Figura 2) e reivindicaram seu direito à educação do campo contextualizada à sua realidade, além de políticas públicas para a produção de alimentos saudáveis. Houve momentos em que eles partilharam com os demais participantes as atividades que eles têm desenvolvido na Escola Orestes Paiva Coutinho.

Figura 2. À esquerda mostra a abertura do 17º Encontro Estadual dos Sem Terrinha, com a

participação de alunos, pais e professores. À direita, trabalhos desenvolvidos pelos alunos da Escola Orestes Paiva Coutinho no encontro.

Fonte: Manuela Finokiet, 2014.

Como o encontro foi realizado no município de Viamão - RS, os alunos, professoras e a funcionária da Escola, além de algumas mães e lideranças do MST tiveram atividades preparatórias prévias ao deslocamento até o local do encontro, onde permaneceram durante dois dias em alojamentos coletivos.

município de Pelotas (em 2014 e 2015 - organizados pela EMBRAPA), com apresentação do Projeto Guardiões Mirins de Sementes Crioulas e, desde 2012, contribuem na organização Encontro Mulheres e Agroecologia, comemorativo ao Dia Internacional da Mulher, organizado pela EMATER, mulheres dos assentamentos de Canguçu e Escola.

Outro processo importante diz respeito aos dias de campo desenvolvidos em parceria com as famílias assentadas, a Escola e técnicos da EMATER municipal, que ocorrem desde 2012. A partir de um projeto sobre milho crioulo a Escola realizou um dia de campo na propriedade de duas famílias de alunos, seguido de visita ao Moinho Colonial da Cooperativa Terra Nova, visando conhecer a transformação do grão em farinha. Na oportunidade eles fizeram bolachas e bolos a base de milho, a partir de pesquisas realizadas nas famílias dos alunos. Essas atividades tiveram como finalidade compreender os processos que envolvem a seleção das sementes, a produção, o beneficiamento e o consumo do milho. A partir dessa experiência os envolvidos perceberam a variedade de espécies não só de milho, mas também de feijão, abóbora, mandioca, batata-doce, dentre outras. Ao que desencadeou no Projeto de Resgate de Sementes Crioulas, com continuidade às atividades de pesquisa em sala de aula e dias de campo nas famílias assentadas, assim como visitas à Bionatur13 e à Embrapa.

No ano de 2013, na VI Feira Estadual de Sementes Crioulas, entre os alunos das escolas rurais do município foram eleitos os Guardiões Mirins, em que 16 alunos desta Escola receberam kits de sementes crioulas para serem multiplicadas nas propriedades de suas famílias. Em 2014 deu-se continuidade às atividades com a realização de dias de campo nas famílias desses alunos e na Escola (oficinas de culinária e de artesanato em palha de milho ministradas por um membro de uma comunidade quilombola). O projeto, assim como os demais já citados, segue com as atividades de pesquisa, dias de campo e participação em diferentes espaços (feiras, seminários e outros eventos), rumo à consolidação e ampliação das parcerias.

13 A Bionatur (marca comercial da Cooperativa Agroecológica Nacional Terra e Vida Ltda - Conaterra) é uma rede de sementes agroecológicas que iniciou em 1997, conformada por assentados da reforma agrária e agricultores familiares dos municípios de Hulha Negra e Candiota, no Rio Grande do Sul. Atualmente, a Bionatur se constitui como importante rede de produção e comercialização, com atuação em âmbito nacional.

Em um momento em que muito se fala da necessidade de conservar o ambiente, reduzir o consumo de agrotóxicos e incentivar a produção agroecológica e o consumo de alimentos saudáveis, pode-se indagar o que atividades educativas como essas representam nesse contexto de assentamentos rurais?

No mínimo, significam a possibilidade de pensar/fazer a Escola e o currículo escolar a partir de seu próprio contexto social e político, buscando problematizar e abordar questões que fazem parte do cotidiano de seus alunos e das famílias que integram a comunidade escolar. Além disso, também possibilitam a integração e o envolvimento de diferentes membros da comunidade escolar nas atividades desenvolvidas na e pela Escola. Tais práticas remetem à compreensão da importância do planejamento dos projetos da Escola do campo “de forma integrada ao contexto social, dando uma dimensão política à prática educativa [...] tendo a pesquisa e a reflexão crítica da realidade como eixo norteador do currículo” (LIMA, 2011, p. 13).

O fato do currículo escolar e a proposta pedagógica da Escola de Ensino Fundamental Orestes Paiva Coutinho estarem sintonizados com o contexto social, político e ambiental geral vivenciado pelos alunos, por si só, não “garante” que suas famílias irão adotar práticas estimuladas pela Escola, como por exemplo, a produção agroecológica. Toda proposta e prática pedagógica são localizadas, não são lineares nem completas, cabendo reconhecer seus limites e pensar a escola e a educação a partir dessa realidade e em estreita interação com as famílias e a comunidade.

5. coNSIderaçÕeS FINaIS

Os assentamentos rurais implantados no município de Canguçu trouxeram desafios de ordem econômica, política, cultural, ambiental e social ao poder público e à sociedade local e regional. Conceber e estruturar a educação e a escola a partir desse contexto é uma tarefa essencial e complexa. A Educação do campo resulta de processos de lutas dos movimentos sociais, no caso específico, com um forte protagonismo do MST, para que não só reflita, mas também se reconheça a capacidade das pessoas e suas organizações nos processos de aprendizagem e transformação social.

Construir o currículo escolar de acordo com a realidade e as demandas da comunidade, com base em valores e princípios como, por exemplo, a

produção agroecológica, é mais que uma opção pedagógica. É também uma opção política e de concepção de sociedade. Ademais, a atuação da Escola na e com a comunidade, a partir de eventos e dias de campo junto às famílias, possibilita e incentiva os alunos, desde crianças, a promoverem processos de inserção e atuação social que transcendam o currículo escolar e valorizem seu potencial criativo e inovador desde seu contexto de vida.

Nessa perspectiva, ainda que de forma embrionária, pode-se entender os projetos desenvolvidos pela Escola Estadual de Ensino Fundamental Orestes Paiva Coutinho. Ela empreende esforços para desenvolver práticas pedagógicas inseridas na realidade dos alunos, conjugando as dimensões teórica e prática, com estímulo ao resgate de sementes crioulas, horta escolar, dias de campo com as famílias, educação socioambiental e outras que propiciam que os alunos cresçam em um ambiente escolar educativo que desperta para uma visão integral do ser humano e sua relação com a natureza.

A Educação do campo se faz em espaços formais, como a escola, mas envolve também a família, a comunidade e as relações que se estabelecem no contexto social no qual as famílias e a Escola estão inseridas. As atividades promovidas pela Escola mencionada, como sua participação no encontro dos Sem Terrinhas e visitas a propriedades demonstrativas de práticas socioambientais sustentáveis sinalizam para processos educativos inovadores e transformadores, tanto da Escola como da sociedade, a partir da Educação do campo.

reFerÊNcIaS

ARROYO, M. G.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. (Orgs.). Por uma educação do campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

BENTO, C. M. Canguçu reencontro com a história; um exemplo de reconstituição de memória comunitária. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro,1983.

BOSSI, A. dialética da colonização. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.

CALDART, R. S. Educação do Campo: notas para uma análise de percurso. revista trabalho, educação e saúde (Online), v. 7, p. 35-64, 2009.

COTRIM, M. S. “Pecuária Familiar” na região da “Serra do Sudeste” do rio Grande do Sul: um estudo sobre a origem e a situação socioagroeconômica do “pecuarista familiar” no município de canguçu/ rS. 2003. 142 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Rural). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.

DAVID, C de. estratégias de reprodução familiar em assentamentos: limites e possibilidades para o desenvolvimento rural em canguçu – rS. 2005. 218 f. Tese (Doutorado em Geografia). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.

FIALHO, M. A. V. Rincões de pobreza e desenvolvimento: interpretações sobre o comportamento coletivo. 2005. 295-301 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005.

FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? 15. ed. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. INStItuto braSIleIro de GeoGraFIa e eStatÍStIca. Censo demográfico 2010. Disponível em: <www.ibge.gov.br.>. Acesso em: 20 fevereiro, 2014.

LIMA, E. S. Currículo das escolas do campo: perspectivas de rupturas e inovação In: LIMA, Elmo de Souza; SILVA, Ariosto Moura da. diálogos sobre educação do campo. Teresina: EDUFPI, 2011.

MACHADO, C. J. B. “aqui até o arado é diferente”: Transformações no Fazer Agricultura e em Hábitos Alimentares entre Famílias Assentadas - um Estudo Realizado no Assentamento União, Rio Grande do Sul. 2014. 155 f. Dissertação Mestrado em Desenvolvimento Rural), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS), 2014.

MAESTRI, M. uma história do rio Grande do Sul: da pré-história aos dias atuais. 2ed, Passo Fundo: UPF, 2000.

MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. currículo, cultura e Sociedade. São

Paulo: Cortez, 1994.

PALUDO, C. Educação popular In: CALDART, R., PEREIRA, I., ALENTEJANO, P. FRIGOTTO, G. (Org.) dicionário de educação do campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, p. 282-287. 2012.

SANTOS SILVA, A. dos et al. Práticas vividas no contexto da Educação Infantil do MST. In: SILVA BAHIA, Celi da Costa; SILVA FELIPE, Eliana; SOUZA PIMENTEL, Maria O. Silva de (Orgs.). Práticas Pedagógicas em Movimento: Infância, universidade e MSt. Belém: EDUFPA, 2005. p. 57-72.

educação do caMPo eM buSca de

No documento RETRATOS DE ASSENTAMENTOS (páginas 129-132)

Outline

Documentos relacionados