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A partir da leitura dos textos de Masschelein e Simons (2013), Noguera-Ramirez (2009) e Canário (2005), foi possível refletir sobre como as contextualizações nos davam um alerta: saber diferenciar a escola e o escolar e compreendê-las é primordial para constatarmos que os teóricos fazem abordagens sobre a escola e os demais temas a partir de uma visão analítica, de uma invenção histórica com suas respectivas transformações ao longo do tempo. Mas foram os estudantes que no dia a dia e no cotidiano da escola, por meio de suas experiências, puderam nos traduzir o que pensavam e como entendem a escola.

A escola, tal qual a conhecemos na atualidade foi uma invenção, “uma invenção histórica” (CANÁRIO, 2005, p. 61). Para assegurar as necessidades e transformações culturais, sociais e políticas, os sujeitos começaram a fazer exigências (direito a estudar) que precisavam ser atendidas. O Estado, detentor do poder, tinha que atender essas exigências, mas com o objetivo de controlar as condutas desses sujeitos, para se manter a ordem e a soberania de quem está no “controle” desses sujeitos.

Não há dúvida de que estamos na presença de uma invenção histórica, contemporânea da dupla revolução industrial e liberal que baliza o início da modernidade e que introduziu, como novidades, o aparecimento de uma instância educativa especializada que separa o aprender do fazer; a criação de uma relação social inédita, a relação pedagógica no quadro da classe,

superando a relação dual entre o mestre e o aluno; uma nova forma de socialização (escolar) que progressivamente viria a se tornar hegemónica. (CANÁRIO, 2005, p. 61).

De acordo com Canário (2005), para atender às necessidades contemporâneas da sociedade, a escola foi criada como uma instituição que precisava não somente organizar espaços, mas também precisava organizar tempo, modalidades de ensino, agrupamentos de estudantes e assegurar a relação não somente entre professor-estudante mas também entre professor-turma.

A população aumentava consideravelmente entre os séculos XVI e XVII, com rapidez que precisava de controle. Controle que o Estado, por si só, já não conseguia atender. O deslocamento no modo de governar, de acordo com Noguera-Ramirez (2009), estabeleceu-se em uma nova ordem para atuar, pensar em atender os desejos dos sujeitos que juntos formavam a população; para assim poder governar, tinha um alvo específico: a família. Essa população tinha família, e para manter a soberania de um governante, controlando a família, controlava- se a população.

Noguera-Ramirez (2009, p. 144) explicou que

[...] a arte de governar no século XVI e XVII esteve sujeita ao modelo da família e, nesse sentido, sua preocupação foi como fazer para que o governante pudesse governar o Estado da forma tão precisa e meticulosa como um pai governa a sua família; em outras palavras, como aplicar a economia da família para o governo do Estado. E aqui é preciso lembrar que nessa época, a economia não fazia referência a outra coisa além da gestão da família e da casa, daí que a arte de governar fica aprisionada entre o marco do Estado e do soberano, por uma parte, e à casa e ao pai de família, pela outra: bloqueio da arte de governar que só até o século XVIII encontrará condições favoráveis para o seu desdobramento e expansão com o surgimento do problema da população.

A família precisava aceitar que a sua constituição necessitava de governo, mais precisamente de governabilidade, o que Canário (2005, p. 63) chamou de “objeto sociológico”, resultante do processo de “[...] transição das sociedades de Antigo Regime para as modernas sociedades industriais [...] uma revolução dos modos de socialização [...]”. Com as revoluções, a escola precisou se adequar às mudanças necessárias para continuar a ser uma instituição que pudesse organizar o ensino que contemplasse a demanda de mão de obra qualificada.

Na tese de Noguera-Ramirez (2009, p. 49), foram analisados dois modos de educar, chamados de “via sofistica e a via filosófica”. Para os sofistas, de modo breve, o ensino era baseado em “[...] uma formação ampla que envolvia variados e diversos saberes e não só o

ensino de um mero saber prático ou especializado” (NOGUERA-RAMIREZ, 2009, p. 52) e isso era feito por meio da conversa entre homens, ou seja, o ensino era transmitido por conversas iniciais acumuladas ao longo da vida, que eram aprofundadas por meio de conhecimentos trocados com amplitude com um mestre.

Na “via filosófica”, Noguera-Ramirez (2009, p. 53) explicou que o ensino era pautado na “[...] relação dialética e na atividade através da qual o indivíduo consegue ocupar-se de si, cuidar da sua alma, alcançar a virtude [...]”. Nessa explicação, podemos verificar que os conhecimentos precisavam ser relacionados com o próprio indivíduo, ou seja, precisavam lhe fazer sentido.

Essas duas formas de educar, de acordo com Noguera-Ramirez (2009, p. 53), teriam ocorrido entre os séculos V e IV, mas

Essas duas formas ou vias de conceber e proceder na educação não desaparecem com a Grécia Clássica; ao contrário, foram desenvolvidas, transformadas, apropriadas, modificadas, enfim, retomadas de diversas formas nos séculos seguintes. Mas, nesse transcurso histórico, adquirem destaque pelo menos três modalidades ou formas: o modo cristão da doutrina e disciplina, o modo da Época Clássica ou da Didática, e o modo “científico” ou da Ciência da Educação Alemã [...].

O que podemos evidenciar nessa citação é que, com o passar dos séculos, realizamos ações no ensino que visam desenvolver, transformar, apropriar, modificar e ainda retomar, se for necessário, para que os sujeitos tenham condições de aprender a ser atuantes em suas aprendizagens. É inevitável ao trabalho da professora e do professor a análise de sua prática, ou seja, refletir sobre a questão do ensino e da aprendizagem, e quais são os meios necessários para se aprender e como ser ativo em sua aprendizagem.

Ainda na tese de Noguera-Ramirez (2009), podemos encontrar uma justificativa histórica na questão entre ensino e aprendizagem. O que ele registrou como “sociedade educativa” nos faz refletir sobre uma outra forma de organização social na qual se refere ao ensino e como que as ações são pautadas na diversidade das práticas pedagógicas. De acordo com o autor,

Por essa explosão de práticas pedagógicas, por sua difusão e intensificação cada vez maior é que podemos afirmar que estamos diante de um outro tipo de organização social; essa que chamo de “sociedade educativa” na medida em que, como nenhuma outra na história, pretendeu educar (ensinar, instruir, formar) de maneira sistemática todos os seres humanos como condição para a

sua humanização e para o crescimento, enriquecimento e fortalecimento das nações. (NOGUERA-RAMIREZ, 2009, p. 98).

De acordo com Noguera-Ramirez (2009), podemos considerar que essa “explosão de práticas pedagógicas” teve como objetivo subsidiar recursos financeiros a quem governa, proporcionando condições de ser tornarem “humanizados” e proporcionando a sua nação possibilidades de ascensão econômica. Na prática, Noguera-Ramirez (2009) descreveu a sociedade educativa com três modos de pensar e praticar a educação, o que foi sintetizado com a seguinte e breve descrição:

a) Sociedade do ensino: entre os séculos XVII e XVIII. Partia da centralidade. O aprender parte de Deus; em seguida, saía da responsabilidade de Deus e passava a ser do sujeito que devia procurar a instrução, de modo individual.

b) Sociedade educadora: no final do século XVIII, com a expansão nas camadas sociais, em conjunto com responsabilidade coletiva. Agora o desafio era ensinar tudo a todos. Partia da instrução para a questão do aprender.

c) Sociedade da aprendizagem: no final do século XIX. O sujeito, agora, aprendia a aprender e, nesse momento, o que ensinava passava a mediar o ato de aprender, pois visava a um projeto social educativo que envolvia adultos, jovens e crianças, tornando os sujeitos envolvidos úteis, para que com seu aprendizado pudessem atender às necessidades do Estado.

Aprender ao longo da vida, aprender a aprender é a divisa do governamento contemporâneo. Estamos sendo compelidos a nos comportar como aprendizes, que moramos em sociedades de aprendizagem ou cidades educativas. (NOGUERA-RAMIREZ, 2009, p. 231).

Como podemos perceber, o aprender e a aprendizagem sofreram alterações históricas, recebendo novas concepções e outras definições de como o indivíduo devia agir para conseguir alcançar a aprendizagem, o aprender a aprender, conforme indicado por Dewey (1995 [1916], p. 48 apud NOGUERA-RAMIREZ, 2009, p. 231):

A perspectiva de formação do século XIX, por exemplo, implicava em assumir uma determinada forma, talvez a forma “homem” (o humano integral, pleno); a aprendizagem não busca forma, pelo contrário, se trata de plasticidade, como dizia Dewey, isto é, já não mais da capacidade de mudar de forma pela pressão externa, mas da elasticidade pela qual algumas pessoas adotam o aspecto que lhes rodeiam ainda conservando sua própria inclinação.

Dessa maneira, era possível dizer que aprender era a busca do conhecer, no movimento de ida e vinda, ou seja, da ação à reflexão, do ponto de partida, do avanço e do retrocesso, da procura em estabelecer características que confirmassem ou refutassem o que se podia discriminar a informação ser uma e não a outra, da necessidade de sua invenção com garantia de formar cidadãos para a sociedade e o mercado de trabalho, que seria “o processo de domesticação” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013, p. 27).

A invenção da escola, de acordo com as pesquisas dos autores apresentados em ordem cronológica (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013; NOGUERA-RAMIREZ, 2009; CANÁRIO, 2005), reforçava a ideia do “processo de domesticação” e podia nos mostrar que a instituição criada teve como propósito a função de organização dos novos modos de socialização em “fabricar cidadãos” como mão de obra qualificada para atender o mercado de trabalho que, em desenvolvimento, precisava de conhecimento sistematizado que garantisse eficiência e qualidade. Assim, não era tão somente conhecer o assunto, precisava aprender para poder, com o acúmulo de conhecimentos aprendidos, imergir socialmente.