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Escola e Diversidade: A Importância do Currículo

No documento Dissertação de Mestrado TERESA PEREIRA (páginas 31-39)

No final do século XX, com o livre acesso à escola, de todos os que até aí nunca nela haviam entrado, tornam-na cada vez mais diferente social e culturalmente, com alunos oriundos de meios socioeconómicos díspares e das franjas marginais das periferias citadinas, em sociedades que integram uma miscigenação de culturas, etnias, línguas, resultado da mobilidade das populações detentoras de códigos e mecanismos de comunicação distintos da cultura dominante.

32 Estas diferenças marcam a tensão existente nas escolas, às quais se acrescentam a revolução da informação e da comunicação omnipresente e as tendências de globalização económica, cultural e política baseadas numa oposição entre o mundo dito desenvolvido e o demais, numa atitude contraditória que, por um lado, procura universalizar padrões de vida e, por outro, acentua as tensões e clivagens sociais que emergem neste contexto. Na opinião de Sousa (2004), esta complexidade do acto educativo justifica uma abordagem epistemológica para além da organização curricular. É que de acordo com a apreciação da autora (2004: 143), tanto o currículo como os programas persistem em manter-se alienados das diferentes gramáticas identitárias, recusando e silenciando as identidades socio- culturais locais sob o argumento de estar a formar cidadãos, quando afinal está a contribuir

“para a permanência das clivagens sociais através de formas de discriminação e exclusão, de criação de desigualdades sociais”.

O direito à diferença e o reconhecimento das consequências positivas que advêm das interacções culturais é um princípio que dificilmente encontra condições de concretização ao nível dos projectos educativos e curriculares, bem como nas práticas dos professores, pois na verdade “toda a tradição escolar tem apontado para a valorização exclusiva dos produtos da cultura hegemónica pelo que não é fácil romper com esta situação (...) nem é

fácil reconstruir um conhecimento que seja de todos e simultaneamente de cada um dos grupos culturais presentes na sociedade” (Leite, 2003: 33).

A importância do currículo numa escola onde impera a diversidade e que segundo a autora (Leite, 2002: 242) considera “uma escola para todos” em que “todos são diferentes” requer dos docentes a capacidade para flexibilizar e inovar, garantindo uma comunicação intercultural, de forma a evitar a despersonalização e aculturação. O acto de aprender constitui uma acção que, embora ocorra em ambientes colectivos, não pode deixar de ser entendido como uma acção singular e pessoal, de acordo com os estilos cognitivos e de

33 aprendizagem dos indivíduos, os seus saberes e experiências em consonância com o património que lhes são legados, incluindo os contextos em que interagem (Cosme & Trindade, 2002).

A tarefa de ensinar, é cada vez mais um desafio face a uma escolaridade que se pretende para todos, apesar de nem todos reunirem as condições para o ambicionado sucesso. Com efeito, o ensino básico e secundário com a duração de doze anos ao tornar-se obrigatório e gratuito, originou uma enorme heterogeneidade social e cultural, confrontada com uma multiplicidade de novos problemas sociais, realidade que obriga a repensar a escola no sentido de a adaptar, inovando as suas práticas, mobilizando os actores educativos e estabelecendo parcerias com a comunidade.

“As salas de aula e as escolas raramente estão organizadas para responderem

eficazmente às variações em termos de receptividade, interesse e perfil de aprendizagem dos alunos” (Tomlinson & Allan, 2002: 12).

Se uma educação para todos pode traduzir-se, desde logo, numa clara tendência para a uniformização, também é verdade que teve o grande mérito de promover a democratização do acesso à educação. Apesar disso, vive-se uma tensão entre a uniformização e a pluralidade nas escolas. Foi uma diversidade de culturas, de meios e de contextos socioculturais que entraram na escola, colocando em xeque as regras da normatividade e homogeneidade aplicadas ao sistema organizacional escolar, bem como aos processos de ensino-aprendizagem. Roldão (2003:7) considera que “a questão da diversidade dos públicos escolares constitui-se assim como o nó central de toda a complexa relação da

escola com a sociedade e das dificuldades com que se confronta no seu desempenho

34 As escolas estabeleceram um tipo de organização segundo classes ou turmas, nas quais os alunos são agrupados, de acordo com a idade e o nível de conhecimentos, tratando-se todos os alunos como se de apenas um se tratasse” (Leite, 2001: 47).

Mas, Morgado (2001) admite as tentativas efectuadas com vista à criação de respostas, assistindo-se a constantes reajustamentos que têm sido equacionados para fazer face aos complexos desafios duma sociedade cada vez mais exigente.

Também Vasconcelos (1999:10) testemunha o facto de as escolas desenvolverem esforços na construção da uma autonomia pedagógica e curricular visando a inclusão de todas as crianças e jovens numa comunidade escolar capaz de integrar as diferenças e de atender aos processos individuais e colectivos numa escola que se pretende para todos “mas também uma escola para cada um de nós”.

A diversificação dos alunos nas escolas terá de estimular o desenvolvimento de estratégias de diferenciação curricular apontando para uma melhoria da qualidade real da

aprendizagem de todos os alunos “e não como uma espécie de streaming oculto, em que, a pretexto de diferenciar, se reduz o nível da aprendizagem e de exigência para uns (...) e se

acentua a selecção dos que melhor se adaptam à norma” (Roldão, 1999: 54).

Roldão (2000: 86) sublinha que flexibilizar o currículo significa “deslocar e diversificar os centros de decisão curricular, e por isso visibilizar níveis de gestão que até aqui tinham

pouca relevância neste campo”, facto que não pressupõe a falta de rigor, antes pelo contrário, exige às escolas e aos professores, enquanto decisores do currículo, a construção de caminhos curriculares mais ricos, reflexivos, relacionais e rigorosos.

O interesse pela diversidade decorre de um estudo desenvolvido durante largos anos sobre alguns aspectos a que não se pode ficar indiferente quando se reflecte sobre a flexibilidade curricular e as práticas suportadas por essa filosofia de trabalho. Alguns desses aspectos são apontados por Tomlinson e Allan (2002: 28): “a actividade cerebral, os estilos de

35 aprendizagem, a multiplicidade das inteligências, a influência do sexo e da cultura no

modo como aprendemos, a motivação humana e a maneira como os indivíduos atribuem significados aos acontecimentos e ao mundo que os rodeia”.

Como enfatiza Sousa (2004: 140), a nova noção de totalidade não coloca de parte o local e o singular, por outras palavras, “a globalização não esconjura a diversidade”.

Para Valente (2001), a flexibilidade curricular constitui um reflexo da liberdade de gestão ao serviço da diferenciação pedagógica, mas comporta sérios riscos de ser mal interpretada, pelo que não pode ser reduzida à determinação de cargas horárias distribuídas pelas várias componentes do currículo, em vez da diferenciação de estratégias e da redefinição de tempos de trabalho dos alunos face às suas necessidades diversificadas. Esta autora, refere que o reconhecimento das diferenças é o ponto de partida, a partir do qual o professor deverá desenvolver o seu trabalho, facto que não implica necessariamente a formação de grupos distintos por níveis, mas antes a cooperação entre os diferentes alunos. Trata-se de promover a interacção entre alunos mais e menos avançados no sentido de atrair aqueles que ainda se encontram em patamares menos elaborados para estádios cognitivos superiores.

Guerra (2002) reconhece que o agrupamento por idades encerra uma armadilha relativamente à diversidade, pois afirma que nenhuma turma tem um grupo de alunos completamente homogéneo. Na sua opinião, acreditar na homogeneidade, é uma preocupação menor, já que a realidade assenta na diversidade dos alunos, considerando mesmo um erro, não tanto a procura da homogeneidade mas a confiança de que é possível consegui-lo.

Por um lado assiste-se a fortes correntes de homogeneização, fruto do crescimento dos mass media, por outro, a diversidade é cada vez mais valorizada, constituindo um direito

36 educativos actuais, cuja resposta nem sempre constitui tarefa fácil. Assim, certas temáticas relacionadas com a diversidade constituem preocupações actuais, nomeadamente questões relacionadas com a multiculturalidade, a adequação de respostas educativas a crianças com necessidades educativas especiais, a autonomia das escolas e dos docentes, a introdução de componentes regionais e locais nos currículos escolares, etc. (Zabalza, 1999).

Segundo Roldão (1999) a diversificação dos públicos escolares não deve ser abordada como uma situação problemática, mas antes, como um potencial de enriquecimento conducente à concretização de estratégias de diferenciação curricular, proclamando a maximização da qualidade das aprendizagens efectuadas por todos os alunos.

Como compreender o microcosmos social de cada indivíduo? Sousa (2004) sugere que a resposta estará na atitude investigativa de natureza etnográfica que o professor deverá assumir.

A flexibilização curricular assume-se, portanto, como uma necessidade, social e escolar, que permite encontrar respostas a uma série de problemas que preocupam os professores e enfraquecem os sistemas educativos.

A diferenciação curricular é da maior importância nas escolas, porque surge como uma forma de atenuar as assimetrias sociais e garantir a equidade social, já que manter o mesmo tratamento para alunos de origens tão diversas constitui uma situação perigosa e injusta, para além de desajustada às necessidades educativas de cada um.

Está-se perante sérias e profundas mudanças na profissionalidade docente, manifestando-se directamente na relação do professor com o currículo, que passa a assumi-lo “como uma unidade integradora”. O professor não é mais o portador dos saberes específicos de uma disciplina que se justifica por si própria. Trata-se de transpor esses saberes em função de metas curriculares integradas num projecto coerente. “O papel de decisor e gestor do processo curricular torna-se, assim, um definidor essencial da profissionalidade docente”

37 (Roldão, 2000: 52).

Beane (2002) considera que a aprendizagem integradora envolve uma incorporação das novas experiências de vida dos alunos nos seus esquemas de significação, por forma a contribuir para a resolução de situações problemáticas no presente e no futuro, desafiando- os a se envolverem em processos construtivos e reflexivos. Por outro lado, coexiste a ideia de um currículo comum, embora prevaleçam os processos de diferenciação pedagógica e de interacção entre conhecimentos, numa lógica de compreensão global.

É do conhecimento de todos, a importância do trabalho em equipa e de um trabalho cooperativo, sem o qual se torna difícil responder aos complexos e constantes desafios de mudança com que as escolas se defrontam na efectivação de uma verdadeira autonomia. Mas, aos professores coadjuvantes, especialistas em determinadas áreas, que embora possuam saberes técnicos e científicos, falta-lhes os saberes de carácter pedagógico, indispensáveis ao trabalho que têm de desenvolver com as crianças do 1º ciclo.

Na opinião de Alonso (1999:145), o currículo compreende uma visão integrada e complexa do conhecimento e da realidade, motivo pelo qual nos remete para práticas educativas articuladas e integradas fundamentadas num todo coerente suportado por conceitos “de integração, globalização, continuidade e transversalidade.”

Ainda nesta perspectiva, Morgado (2001) acredita que a lógica disciplinar, ao trespassar todo o campo curricular, determinou a inviabilização de mudanças substantivas no que à flexibilização diz respeito.

Na sequência destes factores, o conhecimento escolar está submetido a um dualismo pautado pela valorização das disciplinas, por um lado, e num plano secundário, pela preocupação dos saberes ligados aos aspectos políticos, sociais e morais da actividade humana (Pacheco, 2000).

38 A extensão e a desarticulação dos programas, aliadas a uma forte lógica disciplinar levada a cabo num trabalho prioritariamente individual e isolado, acarretam graves insuficiências na construção de respostas ajustadas ao público escolar. Beane (2002:18) diz--nos que “o isolamento e a fragmentação do conhecimento fazem parte das estruturas profundas da

escolarização”.

Os professores, conhecidos pelo seu individualismo, têm sobrevivido presos a uma organização escolar caracterizada por espaços justapostos e horários desencontrados, num abrigo monodocente e disciplinar, interessados em cumprir os seus planos de aula concretizados no abrigo das quatro paredes da sala de aula, seguindo religiosamente os manuais e aplicando os seus métodos de trabalho seguros e fáceis de executar. Mas, a crescente complexidade dos saberes já há muito colocou em causa a eficácia de uma monodocência generalista, prenunciando novas vantagens para a perícia disciplinar. Beane (2002:19) alega que um corpo de investigações comprova as vantagens deste tipo de

“contextualização” do conhecimento, por torná-lo mais acessível, sobretudo quando esses contextos se interligam com as experiências vivenciadas pelos jovens. “Quando entendemos o conhecimento como integrado somos livres de definir os problemas tão

amplamente quanto o são na vida real e de usar uma grande variedade de conhecimentos para lidar com eles”.

A organização de uma sala de 1º ciclo, em muitos casos, abafa um programa no qual a primeira hora está destinada a uma disciplina, a segunda hora a outra, e assim sucessivamente (Beane, 2002). A escola não deve ser uma mera soma de actividades, tempos lectivos ou pessoas em justaposição, mas sim uma formação social em que convergem processos de mudança intencional, fruto de uma actividade de reflexão que pretende repensá-la e reconstrui-la.

39 A fiabilidade da integração curricular, à qual estão subjacentes os conceitos de flexibilização curricular e de descentralização, dependerá sempre da conquista de um conjunto de condições adquiridas pelo professor, dependentes de uma conceptualização do currículo entendido como projecto e como prática deliberativa.

Apesar dos aspectos positivos apontarem para uma abordagem integradora do currículo, a verdade é que ainda constitui um desafio pedagógico e pessoal demasiado exigente, para os quais muitos professores não se sentem preparados, pois praticamente toda a estrutura organizacional da escola está vocacionada para apoiar um currículo tradicional centrado nas disciplinas. A distribuição do tempo, os boletins escolares, os apontamentos, as pastas escolares e os recursos de apoio, como é o caso dos manuais escolares, estão estruturados em função das disciplinas, razão pela qual os professores precisam despender tempo para encontrar recursos capazes de sustentar os temas abordados, o que é perfeitamente possível descobrir fora da escola. Trabalhar com o apoio dos manuais é, sem dúvida, mais fácil...mas muito questionável (Beane, 2002).

No documento Dissertação de Mestrado TERESA PEREIRA (páginas 31-39)

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