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Capítulo 4 – ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

4.2 CONSIDERAÇÕES ANALÍTICAS SOBRE OS DADOS

4.2.2 Escola e questões da sexualidade

A escola participa ativamente na construção dos corpos e identidades dos sujeitos que ali habitam — especialmente, mas não só, das suas e dos seus estudantes. A escola ensina também modos de agir e de ser. (BORTOLINI, p. 481)

Entende-se que o currículo e as práticas pedagógicas não podem mais ser marcados pelo binarismo de gênero e por uma identidade sexual legitimada.

A construção de uma escola em que a diferença seja reconhecida e valorizada é “um processo permanente, sempre inacabado, marcado por uma deliberada intenção de promover uma relação democrática entre grupos e não unicamente uma coexistência pacífica num mesmo território” (Candau, 2010, p.482)

Compreende-se que práticas pedagógicas e gestão escolar que apostam na construção de outra representatividade e relações de gênero e sexualidade variadas tornam as experiências afetivas e sexuais de seus constituintes mais plenas.

A abordagem didático-pedagógica sobre as questões da sexualidade diz muito para a desconstrução dos estereótipos sexuais e de gênero. A descrição do sujeito homossexual, por exemplo, pode ser um caminho didático. Investir na descrição desse sujeito como estratégia para abordar questões de gênero em uma perspectiva não heteronormativa é uma possibilidade.

O que antes era uma prática (a homossexualidade) vai se tornando uma categoria definidora de determinadas pessoas e grupo como forma de limitá-los e torná-los abjetos.

139 Desta forma, uma questão muito relevante apresenta-se para a discussão sobre prática educativa e as questões da sexualidade: é possível pensar uma didática pós- indentitária nos contextos escolares contemporâneos?

A escola não orienta apenas a construção de conhecimentos disciplinares, mas ensina, com o seu próprio cotidiano, práticas e representações sobre as diferenças. Pensar a escola como espaço afetivo-sexual e não apenas como espaço do conhecimento disciplinar é um dos caminhos para a emancipação dos sujeitos e da prática educativa.

Os conhecimentos acerca das temáticas da sexualidade não podem depender de interesses pessoais e profissionais de um docente específico para serem abordados ou legitimados como conhecimentos escolares.

Professores não podem se tornar, durante a prática educativa cotidiana, indivíduos assujeitados, assexuados, sujeitos disciplinados, corpos dóceis, diante da lógica heteronormativa. O professor é uma pessoa dotada de expectativas, desejos e afetos como os demais sujeitos que compõem o cenário escolar.

Outra indagação que se apresenta como oportuna para a discussão sobre prática educativa e questões da sexualidade, é: o currículo contemporâneo pressupõe um professor e um educando que têm obrigação de ser heterossexuais?

Parece que o professor tem a obrigação de ser o modelo, o exemplo a ser seguido e por isso mesmo, ele deve estar dentro do padrão. Caso não esteja no padrão, ele será o estranho. Basta que tenha alguns trejeitos para ser taxado de gay. Ser professor heterossexual ninguém questiona, mas ser professor homossexual é estranho. Ser professor modelo ninguém questiona, mas ser professor diferente é estranho. Enfim, ser professor, parece que é estar enquadrado nas certezas que já existem sobre o “ser professor”. (SILVA, p. 12)

Os sujeitos vão construindo-se por meio do espírito do tempo, produzindo formas de agir, de ser, de se comportar diferentes. O professor e o aluno dos dias atuais não são os mesmos que os de décadas passadas, porém ainda se verifica, na prática educativa cotidiana e no currículo escolar da grande maioria das escolas resistência em manter o processo ensinar-aprender descontextualizado. Não se considerando, assim, as novas questões da sexualidade.

Faz-se oportuno, então, indagar quem é o professor e o educando dos tempos atuais? O professor permanece o heterossexual disciplinador do currículo oculto? E o

140 educando, ainda é percebido como corpo dócil e disciplinado pelos códigos e representações escolares? E os cursos de formação de professores, como estão formando os futuros educadores? O professor e o educando continuam sendo percebidos como corpos vazios que carregam apenas dúvidas e conhecimentos disciplinares? E seus afetos, desejos, identificações? De fato, não são expostos no cotidiano escolar?

Estas e outras perguntas se fazem imprescindíveis para se pensar os contextos escolares contemporâneos e suas práticas diante das questões da sexualidade.

Entende-se que a escolarização produz as identidades generificadas das estudantes.

Porém, quando se trata de amor, desejo, a “identidade” sexual e afetiva é capaz de surpreender a si mesmo. Entende-se que a escola é um duplo limiar entre a privacidade da casa e o espaço público e entre as categorias de criança e de adulto. Deste modo, compreender histórias de desejo e amizade que existem surgindo do espaço escolar é ainda mais complexo e dinâmico.

Entende-se por identidade sexual:

Nenhuma identidade sexual — mesmo a mais normativa — é automática, autêntica, facilmente assumida; nenhuma identidade sexual existe sem negociação ou construção. Não existe, de um lado, uma identidade heterossexual lá fora, pronta, acabada, esperando para ser assumida e, de outro, uma identidade homossexual instável, que deve se virar sozinha. Em vez disso, toda identidade sexual é um constructo instável, mutável e volátil, uma relação social contraditória e não finalizada. Como uma relação social no interior do eu e como uma relação social entre “outros” seres, a identidade sexual está sendo constantemente rearranjada, desestabilizada e desfeita pelas complexidades da experiência vivida, pela cultura popular, pelo conhecimento escolar e pelas múltiplas e mutáveis histórias de marcadores sociais como gênero, raça, geração, nacionalidade, aparência física e estilo popular. (BRITZMAN, p. 74-5)

Faz-se oportuno se perguntar quais são as representações de sexualidade disponíveis na escola observada por este estudo? Entende-se que as representações são variadas, possibilitando, assim, a fluidez das performatividades de gênero evidenciadas nas entrevistas das educandas.

Ao explorar a problemática do capital sexual (as contradições do intercâmbio e do valor de troca), minha preocupação não é apenas a de analisar as formas pelas quais a heterossexualidade é normalizada e disponibilizada através da pedagogia. Em vez disso, o conceito de capital sexual deve significar algo mais transgressivo: as experiências vividas entre, de um lado, aquelas formas de sexualidade que são valorizadas e intercambiadas por aceitação social e

141 competência social, prazer e poder e, de outro, aquelas formas que não têm valor de troca e, contudo, prometem prazer, mesmo quando o preço disso é o desestímulo social e o ostracismo. (BRITZMAN, p. 76)

Ocorre transgressão às fronteiras generificadas, ao gênero inteligível e normalizado, ou seja, àas performatividades genuinamente femininas e masculinas no ambiente escolar observado. Verifica-se a representação e a existência de sexualidades que prometem prazer, apesar do rechaço social, da marginalização.

Diante disso, faz-se oportuno entender como são as ofertas afetivas dos alunos e professores na atualidade.

Discursos antissexo da educação sexual nas escolas indica três problemas interligados, resultantes desse processo: Nos currículos padronizados de educação sexual e em muitas salas de aula das escolas públicas de hoje. Encontramos: (1) a supressão autorizada e legitimada de um discurso do desejo sexual feminino; (2) a promoção de um discurso de vitimização sexual feminina; e (3) o privilegiamento explícito da heterossexualidade matrimonial em prejuízo de outras práticas de sexualidade. (BRITZMAN, p. 79)

Percebe-se que a sexualidade se constrói por meio de suas formas e organizações sociais, por isto a escola observada possibilita a vivência de outras performatividades sexuais e de gênero, pois a diferença é legitimada pelo “adulto” que se torna referência — neste caso, a professora de sociologia.

A identidade sexual é social e depende de comunidades e locais onde haja práticas, representações e discursos comuns, partilhados. Mas esse mito sustenta o pressuposto associado de que, sem o conhecimento dessas comunidades, fica garantido que o/a estudante decidirá que é melhor ser heterossexual do que viver o estereótipo solitário do homossexual isolado. Esse medo produz dois tipos de homossexuais: o predador e o patético. Também faz parte desse complexo mito a ansiedade de que qualquer pessoa que ofereça representações gays e lésbicas em termos simpáticos será provavelmente acusada ou de ser gay ou de promover uma sexualidade fora da lei. Em ambos os casos, o conhecimento e as pessoas são considerados perigosos, predatórios e contagiosos. (BRITZMAN, p. 80)

Ocultar a homossexualidade quando já se pressupõe que ela não existe pode ser a resposta mais razoável à hostilidade da maioria dos currículos escolares baseados nas normas heterossexuais. O educando que se percebe não heterossexual sempre está negociando seus desejos, afetos e prazeres nos contextos onde as normas o tornam abjeto. O processo de assumir-se não heterossexual é momentâneo e não finalizado, graças ao pressuposto universal da heterossexualidade.

142 A “saída do armário” na escola é momentânea, a saída e entrada se dão ao longo da vida, fazem-se constantes negociações na construção das identificações afetivo- sexuais.

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