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ESCOLARIZAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL COLÔNIA E BRASIL IMPÉRIO

2 ESCOLARIZAÇÃO INDÍGENA DE 1500 ATÉ A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

2.1 ESCOLARIZAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL COLÔNIA E BRASIL IMPÉRIO

Desde o século XVI, os povos indígenas brasileiros lutam contra a imposição da cultura, língua e filosofia do colonizador. Na carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, enviada em 1º de maio de 1500, já é perceptível a intencionalidade de “amansar e pacificar” os indígenas, bem como dominá-los e convertê-los ao cristianismo, visto que a primeira impressão que deles se teve foi de “[...] gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença” (CAMINHA, p.12).

Encontram-se aí as raízes de quase cinco séculos de ações visando a perda de identidade dos povos originários, a fim de que deixassem de se reconhecer como indígenas a partir da incorporação da cultura do conquistador, em um processo de integração à sociedade nacional. Para que isso ocorresse, havia por parte dos europeus a percepção de que era imprescindível o abandono dos idiomas tradicionais em benefício da língua portuguesa. Nesse processo, a escola foi utilizada como um instrumento estratégico de assimilação.

Em 1549 chega ao Brasil a Companhia de Jesus que se encarrega de promover a evangelização e o aldeamento dos indígenas utilizando a educação como instrumento. De acordo com Gambini (1988), D. João III escreve aos padres que o principal motivo que o levou a povoar o território brasileiro era a conversão dos nativos à fé católica, e, para que isso ocorra a contento, orienta os padres para que tratem bem os indígenas que não se opuserem a tal.

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Em 1585, Anchieta escreve uma carta na qual descreve a Província do Brasil e faz referência ao processo de escolarização ao dizer que “[...] os padres que atuam na colônia ensinam os filhos dos índios a ler, escrever, contar e falar português, que aprendem com graça, ajudar as missas e desta maneira os fazem polidos homens” (MOREAU, 2003, p.197).

Segundo Paiva (2000), na época nem mesmo o povo português era alfabetizado, contudo, havia uma preocupação dos padres jesuítas em alfabetizar os indígenas, visto que “[...] as letras deveriam significar adesão plena à cultura portuguesa” (PAIVA, 2000, p.43). Conforme Faustino (2006), o principal objetivo da escolarização promovida pelos jesuítas era a de inserir nas culturas consideradas pagãs noções de civilidade, ordem, disciplina, respeito à hierarquia e obediência aos dogmas cristãos.

A educação jesuítica assumia o papel de um “[...] baluarte erguido no campo da batalha cultural, cumpria com a missão de preservar a cultura portuguesa” (PAIVA, 2000, p.44-45). Assim, não causa espanto o fato da educação ter sido o principal instrumento utilizado pelo governo colonial a fim de promover a assimilação indígena, ou seja, a perda da identidade, da cultura e de seus saberes tradicionais, inclusive àqueles relacionados aos processos próprios de ensino e de aprendizagem, já que o modelo de escola imposta por Portugal era etnocêntrica (PAIVA, 2000).

A escola aos cuidados dos jesuítas perdura de 1530 até 1759, quando são expulsos da metrópole e da colônia por contrariarem os interesses de Portugal e José de Carvalho, o Marquês de Pombal, chega ao Brasil. A partir de então, a educação deixa de ter cunho prioritariamente religioso e passa a ter caráter civilizatório, bem como a exploração da mão-de-obra indígena fica em segundo plano, sendo que o interesse maior passa a ser na exploração de suas terras.

Pombal possuía influências do Iluminismo e defendia a separação entre o Estado e a Igreja. Assim, no que se refere à escolarização indígena intencionava “[...] criar uma escola útil aos fins do Estado[...] que, antes de servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos da Coroa” (HADAIR, 1973 apud MACIEL;NETO, 2006, p.471).

Em 1757, Pombal institui o Diretório dos Índios, documento onde constam importantes elementos inerentes à política indigenista estabelecida por Portugal e pelo Brasil neste período. De acordo com Garcia (2007), o diretório tinha como principal objetivo a total integração dos indígenas à sociedade portuguesa até chegar ao ponto em que a diferenciação entre indígenas e não indígenas em termos biológicos ou culturais não seria possível.

O objetivo do Diretório dos Índios também era o de promover a cristianização e ‘civilização’ desses povos a fim que “[...] saindo da ignorância, e rusticidade, a que se acham

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reduzidos, possam ser úteis a si, aos moradores, e ao Estado” (DIRETÓRIO, 1757, parágrafo 3).

A questão linguística é tratada pelo governo português como uma questão estratégica, já que havia a percepção de que ao impor o português aos nativos, o processo de dominação e assimilação seria potencializado. Além disso, em um contexto de disputas territoriais entre Portugal e Espanha, tornava-se fundamental que o primeiro possuísse “[...] contingente populacional suficiente para habitar as suas fronteiras e garantir seus domínios” (GARCIA, 2007, p.26).

Assim, criticam o uso da Língua Geral, cuja gênese está nos idiomas indígenas e determinam a sua proibição, bem como das línguas maternas em espaços escolares. No parágrafo 6 do Diretório dos Índios argumenta-se que uma das primeiras providências a ser tomada por uma nação ao conquistar novos territórios é a supressão da língua nativa pela língua do conquistador como uma estratégia para que os conquistados abandonem seus hábitos nativos de modo a facilitar a dominação e a obediência desses povos (DIRETÓRIO, 1757, parágrafo 6).

O documento também critica a utilização da Língua Geral no Brasil, a que se refere como “[...]invenção verdadeiramente abominável, e diabólica” que contribuiu para que os indígenas “[...] permanecessem na rústica, e bárbara sujeição, em que até agora se conservavam”. (DIRETÓRIO, 1757, parágrafo 6). A fim de que essa situação seja alterada, o Diretório dos Índios determina ser tarefa dos diretores tomar providências a fim de que o português seja a única língua falada no Brasil, inclusive destacando que nas escolas não deve ser permitido que os indígenas comuniquem-se em sua língua materna ou na Língua Geral.

O Diretório é revogado em 1789, contudo, não se instituiu nenhuma política indigenista para substituí-lo e ele continuou em vigor em caráter extraoficial até 1845.

Declarada a Independência do Brasil em 1822, o projeto inicial da Constituição do Império propunha no artigo 254, título XIII, a criação de estabelecimentos de catequese e civilização dos índios. “A constituição que foi outorgada em 1824, porém não faz referência aos indígenas. Foi mais conveniente aos legisladores negar sua existência” (SANTOS, 1995, p.94).

Em 24 de julho de 1845 entra em vigor o decreto imperial 426, que dispõe sobre o “Regulamento ácerca das Missões de catechese, e civilisação dos Indios” e se contrapõe à política indigenista sem influência da igreja instituída pelo Diretório e passa a incentivar que os missionários fossem responsabilizados pela catequese e civilização dos indígenas.

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Em relação à educação, o decreto deixa explícito que considera fundamental o papel dos missionários católicos tanto no ensino da religião, como na escolarização, a fim de que os indígenas alcancem um nível adequado de civilização. Assim, o art. 6 determina que “Haverá um Missionario nas Aldêas novamente creadas, e nas que se acharem estabelecidas em lugares remotos, ou onde conste que andão Indios errantes”, cuja função será entre outras, a de “§ 1º Instruir aos Indios nas maximas da Religião Catholica, e ensinar-lhes a Doutrina Christã” e de “§ 6º Ensinar a ler, escrever e contar aos meninos, e ainda aos adultos, que sem violencia se dispuzerem a adquirir essa instrucção”.

O modelo indigenista que se seguiria na República daria continuidade a muitos aspectos encontrados no período Imperial, destacando-se a utilização dos indígenas como mão-de-obra, a educação por meio do ensino de ofícios voltados às necessidades locais e a intenção de civilizar, aculturar e integrar os indígenas à sociedade nacional.